OPINIÃO
Os muros de uma campanha
Nos Estados Unidos, a questão da fronteira com o México tem sido um tópico quente nas campanhas políticas nos últimos anos. Na eleição de 2020, quando o ex- presidente Donald Trump ainda presidia o país, um dos principais trunfos da sua retórica era alardear a expansão do muro na fronteira.
Por outro lado, o atual presidente Biden, embalado pelas imagens de crianças separadas das famílias na mesma fronteira e pelo episódio de George Floyd, utilizou esses episódios como combustível em seu benefício, acobertando o sentimento de uma parcela significativa da população norte-americana pobre que vê na entrada de novos pobres no país uma verdadeira ameaça aos seus empregos ou subempregos, e aí sem distinção de raça, cor ou origem, fazendo valer a lei do “eu já estou aqui, o resto que se dane”.
A grande questão é que esse conjunto da população, aliada a um sentimento conservador do “eu contra eles”, hoje se traduz em um contingente expressivo do eleitorado que pode decidir os rumos das eleições presidenciais, obrigando que nessa campanha o discurso e algumas ações do atual presidente sejam bem diferentes de quatro anos atrás, quando Biden surfou politicamente na fronteira do México.
No dia em que tomou posse, o presidente Biden assinou um decreto que dizia: “Construir um muro na fronteira não é uma solução política séria”. O episódio da fronteira nos leva a uma reflexão sobre os limites das promessas e retóricas que permeiam as práticas políticas em regimes democráticos, mostrando um descontentamento e um descrédito cada vez maior na política e nos políticos em países importantes para manutenção das democracias globais, abrindo espaços para a ascensão de tudo o que há de pior na política.
O pleito eleitoral deste ano tem sido mais que uma disputa política envolvendo dois candidatos distintos, pois emergem elementos que nunca estiveram tão em pauta em uma eleição, como justiça, etarismo, xenofobia, racismo, desesperança e muita retórica.
A grande verdade é que os fatos desta disputa parecem distantes de nós, porém estão mais próximos do que imaginamos. O descrédito em promessas não cumpridas anos após anos tem levado à ascensão de grupos extremistas, fragilizando e ameaçando ideários democráticos consolidados em várias partes do mundo, dentro ou do outro lado do muro.