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    Lourival Sant'Anna
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    Lourival Sant'Anna

    Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

    Debate nos EUA pode ser um dos mais violentos da história

    Os dois candidatos tentarão demonstrar que o outro não tem condições de exercer o cargo

    Debates presidenciais são agressivos por natureza. O que a CNN promoverá nessa quinta-feira, 27, entre o ex-presidente Donald Trump e o atual, Joe Biden, tende a ser um dos mais violentos da história. Isso porque o objetivo de ambos será provar que o outro não tem condições de exercer o cargo.

    Os assessores de Biden estão preparando o presidente para ouvir “coisas horríveis” sobre sua família, conforme apurou a CNN. Trump sabe que Biden é emotivo e muito apegado à família, e tentará desestabilizá-lo trazendo o assunto da condenação de seu filho Hunter Biden, por posse de arma quando ainda estava em reabilitação de dependência de drogas.

    Será o contra-ataque de Trump, quando Biden, por sua vez, chamar o ex-presidente de “condenado” por fraude empresarial para encobrir seu caso com uma atriz pornográfica e de réu em outros três processos criminais, envolvendo suas tentativas de reverter a derrota eleitoral em 2020 e o desvio de documentos confidenciais.

    Trump tentará demonstrar que esses processos são a prova de que a Justiça está a serviço dos democratas, que não conseguem derrotá-lo nas urnas. E que Biden também foi investigado por reter documentos confidenciais em sua casa (embora os tenha devolvido quando requisitados, ao contrário de Trump).

    Biden deverá repetir a acusação de que Trump representa valores “antiamericanos” por ter tentado subverter a democracia do país. Já o ex-presidente tentará provar que seu rival está gagá, e sem condições físicas e mentais de presidir os Estados Unidos. Os ataques pessoais de ambos os lados poderão predominar no debate.

    Fora isso, os temas mais importantes serão: a economia, o direito ao aborto, a imigração e a atuação dos Estados Unidos frente à China, à guerra na Ucrânia e ao conflito entre Israel e o Hamas.

    Normalmente, em debates presidenciais, o candidato à reeleição é pressionado pelo adversário com críticas aos resultados de seu governo, o que coloca o incumbente naturalmente na defensiva. Nesse caso, no entanto, o desafiante também foi presidente. Esse é um segundo aspecto que elevará a agressividade do embate, já que Biden também partirá para o ataque ao desempenho de Trump entre 2017 e 2021.

    Isso ficará mais evidente na economia. O governo Biden ostenta bons números: 3,3% de inflação; 4% de desemprego, tecnicamente considerado emprego pleno; e 4,3% de crescimento anualizado. A taxa básica de juros, no entanto, continua alta, na faixa de 5,25% a 5,5%.

    A razão disso é justamente o mercado de trabalho aquecido, que puxa os salários para o alto e, consequentemente, potencialmente pressiona os preços. Esse é o calcanhar de Aquiles de Biden. Trump é um defensor de juros baixos, que agradam ao eleitorado. Os juros mantêm o preço da hipoteca e do aluguel altos.

    A inflação anual atingiu um pico de 9,1% em junho de 2022. De lá para cá, o índice desacelerou significativamente, mas os preços estacionaram em um patamar alto, o que castiga principalmente o eleitorado de baixa renda, que tende a votar nos democratas.

    Trump deverá acusar Biden de ter escancarado as fronteiras para a entrada de estrangeiros criminosos e para chineses que estariam criando um exército clandestino nos Estados Unidos, ainda que sem apresentar provas disso. Biden poderá responder que acaba de adotar as regras mais restritivas para imigração, pelas quais as fronteiras se fecham se atravessarem 2.500 pessoas em busca de asilo em um dia, e só se reabrem quando o número de postulantes cair para 1.500. Esse número chegou, no auge, a 10 mil.

    O presidente poderá argumentar também que a bancada republicana no Senado, por orientação de Trump, bloqueou em fevereiro a aprovação de US$ 20 bilhões para reforçar os controles na fronteira com o México, dentro de um pacote de US$ 118 bilhões que incluía também ajuda para a Ucrânia, Israel e Taiwan.

    Trump nomeou três juízes conservadores para a Suprema Corte, o que levou à revogação da jurisprudência que garantia o direito ao aborto, há exatos dois anos. Isso indispôs muitas eleitoras contra Trump e os republicanos. Biden pretende explorar esse tema, defendendo a aprovação de uma lei federal que restabeleça a garantia.

    Ciente do prejuízo eleitoral, Trump tem matizado sua posição. Ele agora promete que não assinará uma lei federal banindo o aborto, e defende que cada estado decida sobre o tema.

    Numa eleição tão disputada, ambos os candidatos se veem obrigados a recalibrar suas posições para compensar ganhos do adversário. Isso aconteceu com Biden no tema da imigração e com Trump no do aborto.

    Política externa não costuma ter peso em eleições presidenciais nos Estados Unidos. Este ano, as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio e a crescente rivalidade com a China rompem essa tradição. Trump procurará retratar Biden como um líder “fraco”, incapaz de impor a vontade dos Estados Unidos na cena internacional.

    O ex-presidente se apresenta como mais “duro” em relação à China, como o único capaz de “resolver” a crise na Ucrânia (sem explicar de que forma) e como aliado incondicional de Israel. Biden tem posições mais nuançadas em relação aos três temas.

    Em contraposição à linha mercantilista de Trump, que arrancou da China o aumento de US$ 200 bilhões das importações de produtos americanos por dois anos, Biden adotou sanções que bloqueiam o acesso dos chineses a semicondutores estratégicos.

    Diante da posição simpática de Trump em relação à Rússia de Vladimir Putin, Biden lidera o apoio da Otan à Ucrânia. O presidente enfrentou críticas veementes da ala esquerda de seu partido à campanha de Israel na Faixa de Gaza, e tem pressionado o governo de Benjamin Netanyahu a não levar adiante a ofensiva terrestre em Rafah, a garantir a entrada de ajuda humanitária, a fazer um acordo com o Hamas para libertação dos reféns em troca de um cessar-fogo, e a apresentar um plano para o fim da guerra.

    Biden deverá defender também a sua Lei de Redução da Inflação, com subsídios para a transição energética, o combate às mudanças climáticas e a repatriação de indústrias. Trump igualmente prometerá protecionismo, mas se colocará a favor da indústria do petróleo e da manutenção dos hábitos de consumo dos americanos.

    As diferenças de substância são grandes e deverão ficar visíveis, mesmo em meio à agressividade dos ataques pessoais.

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