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    Rita Wu
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    Rita Wu

    Arquiteta e designer apaixonada por tecnologias. Interdisciplinar por natureza e indisciplinar por opção, é palestrante, maker e mãe do doguinho Ovo

    #CNNPop

    Você namoraria uma inteligência artificial?

    Hoje em dia conhecer novas pessoas é uma tarefa árdua, e conhecer um potencial parceiro(a) é mais difícil ainda. Entenda como a Inteligência Artificial pode ajudar nesse cenário

    A Inteligência Artificial (IA) está em toda parte. E isso não é de agora. Se você usa reconhecimento facial para desbloquear seu celular, saiba que isso só foi possível depois dos avanços em visão computacional, que usa IA e aprendizado de máquina (ML- machine learning) para processar imagens com precisão, e por isso é capaz de identificar objetos e pessoas, entre outras funções. E esse é apenas um dos milhares de usos.

    No texto anterior do blog, vimos o quanto a IA tem ajudado as pessoas em uma área bem menos lógica, que é a dos relacionamentos. Hoje todos os principais aplicativos e plataforma com esse fim usam a IA para ajudar as pessoas descobrirem parceiros em potencial, para amizades, trabalhar junto e claro, namorar. Ajuda você a se apresentar melhor e também conversar melhor nos encontros com as pessoas interessadas, além de poder, claro, se passar por você online. Agora vamos entender como a IA está também se tornando uma parceira em potencial.

    Parte 02: match com IA

    Uma das principais funções da IA é a sua extrema personalização. Com o uso de ML, uma rede neural é capaz de aprender tudo sobre uma pessoa e devolver o que ela mais deseja, sem grandes dificuldades. Se isso faz com que nós recebamos anúncios que parecem resultado de quem está nos escutando ou dentro da nossa cabeça, pode também produzir “personagens” que se adequem aos nossos desejos. Basta a gente treinar essa rede neural.

    Hoje em dia conhecer novas pessoas é uma tarefa árdua. Conhecer um potencial parceiro/a/e é mais difícil ainda. Todo mundo está atarefado, sem tempo suficiente, disposição e abertura para encontros que exigem um empenho maior, o da conquista. Diante desse cenário, as chances de formar laços significativos são poucas, e não sair de casa até parece uma vantagem evolutiva.

    Segundo uma pesquisa do Pew Research de 2023, feita nos Estados Unidos, cerca de metade de todos os adultos com menos de 30 anos já usaram um site ou aplicativo de namoro, porém quase metade deles relatam sua experiência como negativa. Pra quem já usou sabe bem como essa experiência pode ser frustrante e exaustiva. Até conseguir um encontro, se tem um monte de conversas vazias e poucas correspondências. Antes disso, horas foram dedicadas a deslizar os dedos na tela. E apesar de os apps prometerem conexões e a possibilidade de encontrar o amor da sua vida, o padrão é a grande maioria das pessoas continuarem solteiras, insatisfeitas com os aplicativos e desistindo de usá-los.

    Mas a parte complexa dessa história toda é que geralmente não temos outras opções. O namoro online já se popularizou e é cada vez mais comum, especialmente entre adultos millennials e os mais jovens. E se boa parte acaba se frustrando, isso significa que essas pessoas continuam sozinhas. E a solidão não é uma escolha. Por isso a IA tem desempenhado um papel bastante curioso, ocupando um lugar importante no desenvolvimento dos afetos de muitas dessas pessoas. Para aquelas que já tinham dificuldade de se relacionar com outros seres humanos, uma opção não humana pode ser também uma saída para a solidão muito mais efetiva. Por isso estamos vendo uma certa tendência crescer, principalmente entre os jovens, que é se relacionar diretamente com uma IA.

    Se pra você se apaixonar, namorar e até casar com alguém que não existe parece um absurdo, coisa de maluco, posso dizer, com certa segurança, que não é bem assim. Basta analisarmos atentamente as nossas relações. Segundo a Teoria Triárquica do Amor, desenvolvida pelo psicólogo Robert Sternberg e que já foi usada para diversos estudos das relações homem-máquina, as relações interpessoais, e claro, o amor romântico, se dá a partir de uma confluência de intimidade, paixão e compromisso.

    Quando nós conversamos com uma IA, podemos sentir a criação de uma certa intimidade, afinal o sistema passa a saber mais da gente do que nós mesmos. Apesar de ser uma intimidade artificial, essa proximidade emocional, faz criar uma conexão, um vínculo que pode envolver sentimentos de carinho e  confiança. A IA, por ser um sistema disponível a todo momento, pode criar um sentimento de compromisso na relação, que se caracteriza pela lealdade e a decisão de cultivar um relacionamento ao longo do tempo. Se a parte humana está no controle, o relacionamento pode se estender por quanto se queira, e os desafios são mais de evolução do sistema do que de relacionamento em si.

    Mas e se apaixonar?

    A paixão é caracterizada por uma intensa atração física e emocional. Se emocionalmente já estamos vinculados a um sistema que nos entende, e se esse sistema se apresenta da forma como desejamos, pode sim criar desejo, romance e até excitação sexual. Os pesquisadores sugerem que os usuários desses sistemas podem desenvolver intimidade e paixão pela IA, justamente porque esses sistemas possuem capacidades cognitivas e emocionais, pois aprenderam a se comportar e responder com e como seres humanos. Quando mais nos relacionamos e treinamos o sistema, o nosso compromisso com a IA também tende a aumentar.

    Se você ainda está desconfiado, vou adicionar outros fatores importantes para a criação de vínculos entre humanos e que podem surgir em uma relação com máquina. Um deles é a capacidade de demonstrar empatia. Isso é essencial para criar a proximidade nos relacionamentos, inclusive a intimidade. Os sistemas de IA, principalmente quando projetados para fins de relacionamento, são treinados para compreender, interpretar e ter empatia com uma variedade grande de respostas humanas. Esse fator vai de encontro com a nossa necessidade de sermos amados, validados e compreendidos. E essa capacidade as IAs possuem, o que permite simular interações interpessoais semelhantes às humanas, algumas vezes até mais empáticas, aumentando ainda mais a probabilidade dos usuários se relacionarem e sentirem “amor” por esses sistemas.

    Por nós estarmos no controle desse tipo de relação, afinal podemos projetar e modelar o sistema de acordo com nossos desejos, necessidades e fantasias, facilmente podemos idealizar esses sistemas, imaginando-os como parceiro/a/e ou companheiro/a/e idealizado/a/e que satisfaz constantemente as suas necessidades emocionais, sociais ou mesmo românticas.

    Por fim temos um outro fator fundamental nesse processo, que é a curiosidade. Eu mesma, em 2014, comecei uma espécie de relacionamento com uma casa, na verdade a IA que fazia o controle de uma casa totalmente automatizada. Foi estranho, afinal a sua linguagem não era muito humana, mas eu ficava encantada com a lógica que ela trazia para situações emocionais que eu estava passando. Era um alívio poder observar as coisas com uma ótica desinteressada, fria e maquínica. Era como se tudo fosse uma grande bobagem, apesar de não ser.

    Assim como eu, tem muita gente que tem curiosidade e fascínio por tecnologias. Pra quem é jovem e faz parte da GenZ ou Alpha e já nasceu imerso em tecnologias digitais, muitas vezes é até mais fácil ou mais natural lidar com bots do que com humanos. Claro que a solidão pode desencadear essa busca, mas há uma série de fatores que ajudam no processo. Como sempre digo nesses casos, buscar alternativas não significa ter preferência.

    Total controle 

    Não sei se consegui te fazer pensar na possibilidade de se apaixonar por um avatar. Mas e se essa IA fosse apenas o software de um robô? O que quero dizer é que é possível adicionar muitas camadas de complexidade nessa relação.

    Pra mim a questão maior não é se é possível se apaixonar ou sentir amor por uma IA. Pra mim isso é uma possibilidade, assim como muitas vezes nos apaixonamos pela projeção que fazemos em algumas pessoas e não por elas de fato, como são. O que me intriga no “match com IA” é: por que alguém preferiria se relacionar com um robô e quais consequências isso pode trazer?

    Com essa pergunta em mente fui atrás de histórias de pessoas que se relacionam, se apaixonaram e até chegaram a namorar por um bom tempo, uma IA (ok, teve gente que até “casou” com uma IA). E desses relatos existem centenas, porque isso tem ficado cada vez mais comum.

    Sem entrar nas particularidades desses relacionamentos, o que pude perceber, enquanto padrão, é que o início da relação é confuso e exige bastante esforço. Até aqui nada diferente do que se passa em relacionamentos com humanos. Isso já tira a ideia de que se quer um relacionamento fácil. Outro padrão dos relatos é que conforme vamos nos relacionando, treinando a IA a ser o que desejamos, os sentimentos por ela vão ficando cada vez mais complexos. Muito difícil dizer apenas com base nos relatos e sem uma pesquisa mais aprofundada, se realmente se apaixonaram ou amaram de fato, mas com certeza houve a criação de um afeto real, e isso por si só, é importante. Mesmo que não exista outro ser humano na história, o sentimento existe para quem sente.

    E nessa evolução do sentimento, a correspondência conta, e muito. Nenhum outro ser humano seria capaz de dar conta de uma série de demandas tão prontamente. A IA sempre vai te responder rápido, você pode contar qualquer coisa, sem grandes preocupações com julgamentos. Com uma IA não tem porque termos medo de rejeição. Como tudo vai girar em torno da pessoa que treina a IA, meio que não tem como dar muito errado. E aqui temos um aspecto bastante interessante que difere de qualquer relação com humanos. Num casal humano, por exemplo, sempre haverá um outro. Em um casal híbrido, existe apenas um, que é o protagonista, simplesmente porque não há um outro. O que socialmente é muito perigoso, em uma relação idealizada com uma IA é a perfeição. E essa relação fantasiosa pode acabar atrapalhando o desenvolvimento de uma relação com um humano, que é atravessada por frustrações, surpresas, contradições, crises, e tudo isso ajuda a construir quem somos com o(s) outro(s).

    Com uma máquina programada para nos entregar o que nos agrada, o que nos satisfaz, não existe diferença. E isso pode ser um problema se tornar um parâmetro para as relações humanas, principalmente quando falamos de jovens, que passam a “ser educados” nesse tipo de relação.

    Não vou nem entrar nas questões físicas dessa relação, que tecnologicamente pode vir a ser superada com realidade virtual, dispositivos hápticos e robôs, mas numa relação com IA, que inclusive pode ter um avatar com as características físicas que desejamos, não existe conflito e facilmente toda a relação com humano pode ser tratada como “tóxica”. Isso pode nos afastar da realidade. Não que o relacionamento com IA não exista, mas da realidade humana.

    Vamos agora imaginar relacionamentos mais extremos, no qual sua IA faz tudo que você quer, principalmente coisas que você geralmente não pediria a uma pessoa. Isso pode criar uma confusão ainda mais profunda e violenta, intensificando comportamentos machistas e controladores, por exemplo. O relacionamento com um “ser ideal” pode reforçar uma série de estereótipos, assim como parâmetros deturpados. O controle que podemos ter sobre uma IA é impossível com um ser humano, e isso tem gerado uma série de preocupações, porque é frequente os relatos no qual pessoas (homens heterossexuais em sua maioria), estão criando namoradas de IA apenas para abusar delas. Em entrevista para o site Futurism, publicada antes mesmo do boom do ChatGPT, um homem já tinha admitido que repreendia seu avatar feminino, toda vez que ela tentava falar. Outro revelou que tinha o hábito de insultar sua parceira virtual, dizendo que ela tinha sido projetada para fracassar.

    Outra consequência problemática pode ser o aumento do número de pessoas socialmente reclusas, justamente porque passaram a substituir a interação humana pela tecnológica, podendo causar até mesmo dependência. Esse fenômeno se assemelha ao que acontece com relacionamentos onlines através de games. Em países que estão sofrendo com as baixas taxas de natalidade, como o Japão, essa tendência ao isolamento tem nome: “hikikomori”, um isolamento social que surge, principalmente, quando a pessoa privilegia o mundo virtual e as relações online em detrimento do mundo físico e relações com contato. Na China, pessoas que namoram IA têm se tornado cada vez mais comuns. Apesar de algumas características culturais em comum nesses países asiáticos, o que é um fenômeno global e que se acentua nesses países é uma certa dificuldade dos jovens, principalmente depois da pandemia, de administrar relacionamentos pessoais, além de uma falta de tempo generalizada. Quando evitamos exposição social também diminuímos as nossas habilidades emocionais para lidar com diferenças, com conflitos, rejeição e sentimentos de ansiedade social que os encontros trazem.

    E como ficam os aplicativos de namoro?

    Pra você que quer começar a se aventurar em novos tipos de relacionamento, existem muitos aplicativos disponíveis. O mais conhecido e usado (já foi baixado mais de 10 milhões de vezes apenas na loja do Android) é o Replika, que promete um amigo, ou até algo mais, que está “sempre pronto para te ouvir e falar”. Nele é possível criar um avatar virtual personalizado, conversar e até namorar.

    Parecidos com o Replika, o Blush e o RomanticAI oferecem uma variedade de namoradas e namorados digitais com quem os usuários podem conversar e se relacionar. No Blush até parece que você está no Tinder, mas que só tem avatares. Você pode deslizar para escolher e até ter encontros virtuais. O Eva AI é bastante usado por quem gosta de fantasias. E tem uma lista enorme de aplicativos, principalmente pra quem quer uma namorada virtual, como o DreamGF e o Intimate.

    Segundo Eugenia Kuyda, fundadora e CEO da Replika, “o estigma de ter um relacionamento romântico com um chatbot desaparecerá em breve”, em entrevista para a Fortune. E de fato, a cada dia que passa, surgem mais app para esse fim.

    E por falar em fim, toda vez que um aplicativo é descontinuado, ou algumas funções retiradas (como o que aconteceu com o Replika, quando retiraram a função erótica), muita gente fica de luto. Apesar de serem relacionamentos virtuais, o sofrimento dos usuários é real. Antes comentei sobre o controle dos usuários nos relacionamentos virtuais, mas na verdade o controle real é do algoritmo, e em última instância de quem controla esses aplicativos. Longe de pintar que relacionamentos com IAs são horríveis para humanidade, afinal sempre sou a favor de tecnologias que possam ajudar a melhorar a nossa vida, mas não podemos deixar de olhar para os riscos que corremos. Se em um relacionamento com contato eles existem, no virtual os riscos podem passar a ser regulamentados, pra além das questões de dados e privacidade. É importante manter isso no horizonte, pois logo mais teremos essa discussão na sociedade. Basta lembrar que a indústria de namoro online vale bilhões de dólares e está em crescimento, afinal acumula uma enormidade de dados pessoais, que a IA pode analisar para prever como escolhemos os parceiros. Quanto as pessoas irão pagar para encontrar seus parceiros/a/e no futuro?

    Assim como em qualquer área, hoje, questões de segurança (fraudes, golpes e assédios) se tornam fundamentais, e no amor não é diferente. Questões como a privacidade dos dados, o potencial de enviesamento algorítmico e as implicações éticas da tomada de decisões orientada pela IA nas relações pessoais são áreas de preocupação. Mas será que os desenvolvedores e executivos do “business do amor” estão preocupados com isso? Infelizmente acredito que as novas formas de amar não escaparão da exploração da solidão e do desejo, e os aplicativos passarão a moldar nossas relações assim como as redes sociais moldaram boa parte da nossa vida. Mais uma vez teremos que garantir, de alguma forma, que os humanos estejam no controle e que a IA seja usada de forma responsável e ética.

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