Alta nas ações da Eletrobras supera rendimento do FGTS; saiba o que esperar
Desde a desestatização, em 13 de junho, papéis da empresa já subiram pouco mais de 14%
A Eletrobras concluiu o seu processo de privatização oficialmente em 13 de junho, quando houve a estreia após ofertas primária e secundária de ações que fizeram o governo deixar de ser o acionista majoritário. Desde então, o papel valorizou pouco mais de 14%, passando de R$ 40,10 para R$ 45,85, na última sexta-feira (1º).
Segundo um levantamento, o valor equivale a mais de um ano do rendimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), de onde algumas pessoas puderam retirar valores para comprar ações da empresa.
Ao CNN Brasil Business, especialistas apontam um novo cenário favorável para a Eletrobras com a capitalização, com potencial para que as ações subam ainda mais.
Mesmo assim, um alto rendimento em relação ao FGTS não significa que os investidores devam vender as ações assim que for possível, daqui a 12 meses, e é importante ter uma visão de longo prazo no investimento.
Causas para a alta
Responsável pelo levantamento, o sócio fundador da Casa do Investidor Michael Viriato aponta que, pelos valores atuais, o FGTS tem rendido entre 5% e 5,5% ao ano, mas existem alguns aditivos que podem fazer com que o rendimento chegue à casa de 9%.
Baseado nesse valor, e considerando a alta de mais de 14% nas ações da Eletrobras, uma pessoa que optou por usar parte do valor que possui no FGTS para comprar ações durante a oferta teve um rendimento de mais de um ano e meio do fundo.
Esse resultado, segundo Viriato, é importante porque “ilustra realmente que, com a desestatização, os investidores estão mais confiantes que a empresa vai ficar mais eficiente e entregar mais resultados”.
Outra questão é que um “sucesso” inicial do investimento é um ponto positivo ao representar uma diversificação de portfólio de pessoas que tinham um valor investido em uma modalidade com rentabilidade menor.
Flavio Conde, analista de ações da Levante Investimento, ressalta que a alta da Eletrobras ocorreu apesar de sucessivas quedas do Ibovespa nas últimas semanas, com o índice prejudicado por um cenário doméstico e internacional negativos, de retirada de investimentos.
Isso aponta que a Eletrobras passou a produzir fatos específicos que atraíram os investidores com a capitalização. Por um lado, o mercado deixa de temer, e precificar, possíveis interferências do governo, que deixou de ser o acionista majoritário.
Além disso, Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em Gestão Financeira da FGV, afirma que a privatização indica uma tendência de crescimento de competitividade e eficiência a partir de uma reformulação de sua estratégia de negócios e mudança de diretoria.
“Logicamente, se isso ocorrer, a tendência é que a Eletrobras tenha lucratividade maior, mas não é garantia”, observa.
Ainda no lado positivo, Teixeira avalia que o setor elétrico brasileiro tem uma perspectiva positiva no médio e longo prazo, já que o Brasil deve precisar cada vez mais de energia, com crescimento de demanda.
“É um horizonte positivo, de aumento de eficiência naturalmente acontecendo no setor, e levando provavelmente a um retorno maior para os investidores”, diz.
O otimismo com a empresa se reflete também nos valores alvo determinados por consultoras de investimentos. Conde, por exemplo, espera que a ação ordinária (ELET3) chegue a R$ 59,60 ao fim deste ano, uma alta de 48%.
Já o banco UBS BB tem um preço alvo de R$ 70, citando catalisadores de curto prazo como a definição de uma nova diretoria e redução de dívidas.
“Se o mercado continuar no nível que está, ou subir em direção aos 110 mil pontos, tem chance de chegar nesse nível”, afirma Conde sobre seu preço alvo atual.
O problema, segundo ele, é que o exterior tem trazido novos riscos de queda nas ações devido à desaceleração da economia dos Estados Unidos, o que pode levar a uma parada na tendência de alta da Eletrobras e impedir que ela chegue ao alvo.
Citando uma projeção da Bloomberg, Viriato afirma que, em 12 meses, a combinação da valorização da ação e outras rentabilidades apontam para mais de 30% de retorno, equivalente a pelo menos cinco anos de rendimento no FGTS.
Visão de longo prazo
Mas quem comprou as ações da Eletrobras pelo FGTS e quer já retirar os lucros com essa alta terá que esperar. Pela regra, a venda da ação, com o valor retornando ao fundo, só poderá ocorrer após 12 meses da desestatização.
Entretanto, mesmo quando o prazo se confirmar, os especialistas indicam que o momento não seria o ideal para a venda.
“É preciso ter uma visão de longo prazo, e todo investidor deve ter horizonte do que quer atingir ao fazer investimento. Se tiver elevação rápida no valor das ações e atingiu o que pretendia, o certo é reavaliar a estratégia: vender e sair da posição ou estabelecer uma nova meta”, diz Teixeira.
Ele observa que uma ação promissora hoje pode não continuar assim amanhã. Mesmo assim, não existe um “momento ideal” para a venda, que depende do contexto de cada investidor.
Por exemplo, se uma pessoa quer evitar os riscos ligados ao mercado de ações, ter um lucro com a compra e busca um rendimento mais “fácil”, o retorno para o FGTS pode ser o mais indicado.
Teixeira observa que “a maioria das pessoas que aplicou via FGTS quer um rendimento maior que o que teriam, mas não necessariamente vão estar jogando com essas ações, então tem que imaginar um horizonte, com o que teriam com o FGTS, o que seria um valor das ações que a deixariam plenamente satisfeita e acompanhar a partir daí”.
A definição de objetivos claros em relação aos valores das ações, tempo de investimento e horizonte para o ativo são citados pelo professor como elementos essenciais na hora de tomar decisões sobre investimentos, assim como a busca por ajuda especializada.
“A Eletrobras deve ter uma alta esperada devido à inflação, outra pelo aumento eficiência e outra pela procura pelo ativo. Essa análise que tem que ser feita, e o comprador médio provavelmente precisa de algum tipo de assessoria”, opina.
Já Conde afirma que o mais importante para esses investidores é “pensar no longo prazo”. Riscos como as eleições e a situação econômica dos Estados Unidos são de curto prazo, e ele avalia que, no longo, a Eletrobras é um “baita investimento”.
“Quem usou o FGTS não só está feliz como está tranquilo pensando no longo prazo, que é dez anos. É ótimo ver a alta no curto prazo em uma bolsa em queda, mas tem que pensar no longo prazo”, ressalta.
Para ele, o investimento via FGTS foi uma “oportunidade única de entrar em uma ação que ia ser desestatizada e que tem perspectiva de melhora muito grande e em um setor muito menos arriscado que petróleo e mineração”.
Viriato afirma que um investidor que não quer correr mais riscos e pretende retornar para o FGTS depois dos 12 meses “já vai ter feito um bom negócio”.
Ele ressalta que, mesmo com a tendência de alta, as ações da Eletrobras podem passar por altos e baixos, que muitas vezes assustam os investidores pessoa física, e não há garantia que as projeções vão se concretizar.
“Uma coisa é a expectativa daqui a 12 meses e outra é a estrada até lá, que pode passar por montanhas e vales, momentos de euforia muito positivos, subindo mais que o esperado, e negativos, caindo mais que o esperado”, pontua.
Mesmo assim, ele diz que o próprio comportamento das pessoas em relação ao FGTS e às ações acaba sendo diferente.
“Poucas pessoas ficam abrindo o aplicativo da Caixa para ver o saldo do FGTS, só vão ver quando deixam ou mudar de emprego. A mesma visão deveria ter com essas ações agora, não ficar olhando todo dia”, aconselha.
O problema, na visão dele, é que o investimento em ações acaba sendo mais visível, tornando as pessoas mais suscetíveis a decisões de compra ou venda no momento que, no futuro, podem se mostrar errados.
Ele avalia que “não existe um momento ideal para vender ações. Eventualmente algum investidor muda um plano, precisa do dinheiro, aí resgata, mas sem ele, não tem por que resgatar daqui a um ano”.
Da origem à privatização: entenda a história da Eletrobras
- 1 de 15Apesar de a discussão ter reacendido recentemente, não é a primeira vez que a privatização da Eletrobras vira tópico de debate na política e sociedade. Conheça a história da companhia, da sua criação até a MP 1.031/2021 Crédito: REUTERS/Brendan McDermid/File Photo
- 2 de 15Em 1961, o presidente Jânio Quadros assinou a Lei 3.870-A, que autorizava a construção das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. A instalação da empresa ocorreu oficialmente em 1962, pelo presidente João Goulart—nascia, então, a Eletrobras Crédito: Agência Brasil
- 3 de 15Após a posse do presidente Fernando Collor de Mello em 1990, foi anunciado o “Plano Brasil Novo”, que instituiu, entre outras medidas, a MP 155/90. Ela implementava o Programa Nacional de Desestatização (PND) que, como o nome já diz, visava transferir atividades exercidas pelo setor público ao setor privado Crédito: Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil
- 4 de 15A Eletrobras foi incluída no plano, e as reformas institucionais e privatizações na década de 1990 acarretaram a perda de algumas funções da estatal e mudanças em seu perfil. Ela só foi removida do PND em 2004 --e adicionada novamente em 2021 Crédito: REUTERS/Mike Blake
- 5 de 15Em 2012, a MP579 mudou completamente o rumo da companhia. A medida provisória propunha a renovação antecipada de uma série de usinas hidrelétricas, com a condição do regime de cotas Crédito: George Becker/Pexels
- 6 de 15Isso significa que a empresa passa a ser obrigada a vender energia pelo preço que cobria basicamente o custo de operação e manutenção daquelas plantas. Quando não estão submetidas a ele, o preço de mercado da energia elétrica cobrados pelas usinas chega a R$180/MWh. Nas usinas que estão sob o regime, o valor fica em torno de R$60/MWh. Na Eletrobras, cerca de 40% da energia vendida acabava saindo por esse preço Crédito: REUTERS/Pascal Rossignol
- 7 de 15Além disso, a MP cortou cerca de 70% das receitas da companhia em transmissão. Isso provocou uma queda de R$10 bilhões no faturamento da Eletrobras, que somadas à crise econômica e ambiental, quase levaram a empresa à falência. Crédito: Pixabay
- 8 de 15Em 2016, Wilson Ferreira Júnior, CEO escolhido pelo então presidente Michel Temer, melhorou o cenário da empresa com um projeto de "turnaround" Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
- 9 de 15Ele demitiu cerca de 53% dos funcionários da companhia, reduziu para menos da metade o número de subsidiárias e ordenou a venda das distribuidoras de energia da empresa --a medida mais polêmica do projeto. Isso fez com que o PMSO— ou seja, as despesas gerenciáveis da empresa com pessoas materiais, serviços e outros— fosse de RS$ 12 bilhões em 2016 para RS$ 9 bilhões em 2020 Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
- 10 de 15Em 2018, a empresa volta a ser tópico de discussão em todo o país: Temer deu o primeiro passo legal para a privatização da empresa, enviando ao Congresso o PL 9463/2018. Ele argumentava que a Eletrobras estava perdendo espaço para a iniciativa privada e, diante do acúmulo de dívidas, tornava-se custosa para a sociedade. O projeto ficou parado e nem sequer chegou à fase de votação Crédito: Isac Nóbrega/PR
- 11 de 15O presidente Jair Bolsonaro (PL) reacendeu a discussão em 2019, com o PL 5877/2019. Esse projeto buscava demonstrar, assim como o anterior, o decaimento da estatal, sua perda de espaço no mercado e seus custos ao contribuinte. Mas ele também ficou parado no Poder Legislativo Crédito: 16/1/2021REUTERS/Adriano Machado
- 12 de 15Em 2021, em um cenário que o governo julgou de relevância e urgência, a MP 1.031/2021 foi editada. Na foto, vemos o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante declaração após entrega da MP Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
- 13 de 15A ideia é a seguinte: a Eletrobras é uma empresa de capital misto. Como o governo detém 60% de seus papéis, ela é considerada uma empresa estatal. A MP propõe reduzir a participação da União para menos de 50%, por meio da venda de novas ações no mercado Crédito: Alan Santos
- 14 de 15A capitalização da Eletrobras foi aprovada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O processo foi finalizado em junho de 2022, em uma operação que movimentou mais de R$ 30 bilhões Crédito: 3/01/2019REUTERS/Pilar Olivares
- 15 de 15Hoje, a Eletrobras é responsável por 1/3 da energia elétrica do Brasil. Ela detém 43% das linhas de transmissão, e cerca de 29% da geração de energia do país –fazendo dela a maior companhia do setor elétrico da América Latina Crédito: Reuters