Kamala Harris diz à CNN que ‘nunca acreditou’ que indicados de Trump na Suprema Corte preservariam lei do aborto
Em primeira entrevista desde que caso Roe vs Wade foi derrubado, vice-presidente dos EUA disse estar chocada com decisão e que teme revisão de outros direitos existentes
Em sua primeira entrevista desde que o caso Roe vs Wade foi derrubado na sexta-feira (24), a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, disse a Dana Bash, apresentadora da CNN internacional, que nunca acreditou que os escolhidos pelo ex-presidente Donald Trump na Suprema Corte, em quem ela votou contra no Senado, preservariam a histórica lei do aborto.
“Eu nunca acreditei neles. Eu não acreditei neles. Por isso votei contra eles”, disse a vice-presidente em uma entrevista na segunda-feira (27) quando Bash, apontando para as declarações anteriores dos juízes Brett Kavanaugh e Neil Gorsuch, ressaltando o precedente de longa data do caso Roe vs. Wade, perguntou a Kamala Harris se ela acreditava que os dois juízes enganaram intencionalmente o público e o Congresso durante o processo de confirmação.
“Ficou claro para mim quando eu estava sentada naquela cadeira como membro do Comitê Judiciário do Senado, que eles eram […] muito propensos a fazer o que acabaram de fazer. Essa era a minha perspectiva. Essa era a minha opinião. E é por isso que eu votei como votei”.
Os comentários da vice-presidente vêm logo depois que a senadora republicana do Maine, Susan Collins, dizer publicamente que se sente enganada por Kavanaugh, que, segundo ela, lhe garantiu que não derrubaria o caso Roe vs Wade.
Kamala Harris estava voando de Washington a Illinois no avião Air Force Two na sexta-feira, para revelar a mais recente estratégia do governo para melhorar a saúde materna nos EUA, quando a decisão foi tomada. Ela disse que ficou chocada.
“Isso não acabou”, acrescentou, referindo-se a como ela vê as intenções da maioria conservadora do tribunal sobre outros direitos existentes.
O juiz conservador, Clarence Thomas, indicou em um parecer concordante para a decisão que o tribunal deve rever outros casos de precedentes que garantam direitos relacionados ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à contracepção.
“Acho que ele acabou de dizer a parte silenciosa em voz alta”, disse Kamala Harris sobre Thomas. “E eu acho que é por isso que todos nós devemos realmente entender o significado do que acabou de acontecer. Isso é profundo. E a maneira como essa decisão foi tomada, foi tão impulsionada, eu acho, pela política da questão contra quais deveriam ser os valores que colocamos na liberdade e na autonomia em nosso país”.
Kamala Harris disse que o governo “fará tudo” ao seu alcance para defender o acesso aos medicamentos para aborto. E ela sugeriu que o governo está procurando maneiras de fornecer às mulheres os recursos de que precisam em estados onde o procedimento é proibido, como creche e financiamento de viagens, para acessá-lo em outros estados.
Mas parecendo rejeitar um pedido crescente de legisladores democratas, a vice-presidente disse que o governo não está discutindo o uso de terras federais para serviços de aborto dentro e ao redor dos estados que proibirão o procedimento.
“Não é o que estamos discutindo agora”, disse Harris.
Pedidos para que Biden permita que provedores de aborto trabalhem em propriedades federais levantaram preocupações entre alguns advogados. E fornecer financiamento federal para mulheres viajarem para fora do estado tem o potencial de entrar em conflito com a Emenda Hyde, que proíbe o financiamento federal de abortos em quase todos os casos.
Um funcionário da Casa Branca fez um argumento semelhante na segunda-feira, dizendo: “Embora esta proposta seja bem-intencionada, ela pode colocar mulheres e provedores em risco. E o mais importante, em estados onde o aborto agora é ilegal, mulheres e provedores que não são funcionários federais podem ser processados”.
Quando pressionado sobre o que mais a Casa Branca, o Senado e a Câmara controlados pelos democratas poderiam fazer para proteger os direitos ao aborto, Kamala Harris apontou especificamente para o Congresso e o papel que o poder legislativo poderia desempenhar na codificação dos direitos ao aborto – se os democratas tivessem os votos. Ela repetidamente apontou a importância das eleições de meio de mandato em 2022 como uma oportunidade para eleger mais senadores democratas que apoiem o direito ao aborto.
Mas quando perguntada se o Congresso poderia fazer algo mais cedo se a obstrução do Senado fosse eliminada, ela não disse se apoiaria a eliminação do limite de 60 votos para aprovar as proteções ao aborto.
“Acho que (o presidente) foi claro sobre onde estamos nessa questão de saúde reprodutiva e o que o presidente e nosso governo têm em nosso kit de ferramentas para fazer e, até agora, é isso que temos buscado”, disse Harris.
Biden disse a Anderson Cooper, da CNN, no ano passado, que estaria aberto a alterar a obstrução para aprovar a legislação de direitos de voto “e talvez mais”.
Durante a ampla entrevista de segunda-feira, Harris enfatizou que a inflação continua sendo uma prioridade para o governo Biden. Mas ela não respondeu diretamente quando perguntada se acredita que os Estados Unidos estão caminhando para uma recessão ou discutiu quaisquer novas ferramentas que o governo poderia usar para lidar com o aumento dos preços.
“Acho que não pode haver prioridade maior do que a que temos claro como nossa maior prioridade, que é reduzir os custos e os preços o máximo que pudermos – e continuaremos focados nisso”, a vice-presidente respondeu.
Enquanto o comitê seleto da Câmara que investiga a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 se prepara para uma audiência inesperada na terça-feira (28), Bash perguntou a Harris se as audiências até agora mudaram suas percepções sobre seu antecessor.
Harris elogiou o ex-vice-presidente Mike Pence “por ter a coragem de fazer seu trabalho” quando se recusou a anular os resultados das eleições presidenciais de 2020, apesar da pressão de Trump.
A vice-presidente se recusou a dizer se apoiaria a apresentação de acusações criminais contra Trump com base nas conclusões apresentadas pelo comitê.
Kamala Harris não mediu palavras quando perguntada sobre 2024, já que alguns críticos questionaram se o presidente de 79 anos buscará a reeleição. Bash perguntou a ela sobre os comentários do líder da maioria na Câmara, Jim Clyburn, um aliado de Biden que representa a Carolina do Sul, de que se o presidente não concorresse, Clyburn apoiaria Kamala Harris na liderança da chapa.
“Joe Biden está concorrendo à reeleição e eu serei seu companheira de chapa”, disse Harris. “Ponto final”.
*Com informações de Kevin Liptak e Donald Judd, da CNN.