Análise: insultos de Milei tentam esconder reais problemas da Argentina
Crise diplomática com a Espanha não traz nenhum benefício ao país, mas ajuda o presidente a manter mobilizada sua base eleitoral
Os insultos dirigidos pelo presidente Javier Milei à mulher do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, têm dois objetivos claros.
O primeiro é criar uma crise desnecessária para desviar o foco dos reais problemas da Argentina. O segundo, manter mobilizada a sua base eleitoral no país.
Esse tipo de tática é cada vez mais comum entre populistas de viés autoritário, que fabricam crises artificiais para chamar a atenção da população e de adversários políticos e abafar debates nacionais que são cruciais.
No caso da Argentina, a questão fundamental é o desastre social das políticas implementadas atabalhoadamente por Milei. E esconder isso é sua primeira prioridade.
Um estudo da Universidade Torcuato Di Tella mostrou que mais da metade da população do país (ou, mais exatamente, 51.8% dos argentinos) vive abaixo da linha da pobreza.
E este número vem piorando mês a mês, especialmente depois da posse de Milei, em dezembro do ano passado. Só nos três primeiros meses deste ano, 3.2 milhões de argentinos entraram na pobreza – ou mais de um milhão por mês.
Milei já assumiu um país falido por péssimas administrações anteriores, é verdade. Mas ele optou por ignorar os programas sociais e o sofrimento de sua própria população para tentar cortar custos de qualquer forma, o mais rápido possível.
Do ponto de vista matemático, conseguiu um surpreendente superávit fiscal. Do ponto de vista social, ampliou uma tragédia anunciada.
Pior do que tudo isso, quis impedir o debate honesto sobre essas políticas e empurrar reformas draconianas goela abaixo do povo argentino.
Na tentativa de conter parte do desgaste que tais políticas vão gerar, o presidente resolveu abusar da artimanha de criar crises. E, em geral, crises internacionais.
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Desde que assumiu o poder, ele já ofendeu e criou problemas com os governos da Venezuela, Colômbia e México – todos liderados por políticos de esquerda.
Em entrevista à CNN, por exemplo, Milei chamou o presidente colombiano, Gustavo Petro, de “assassino terrorista”.
Eleito democraticamente e fazendo um governo de centro-esquerda, Petro foi um membro do Movimento 19 de Abril (M-19), mas não há nenhuma confirmação de que tenha se envolvido em lutas armadas.
O incidente acabou provocando o rompimento das relações entre os dois países, que historicamente têm bons laços e são grandes parceiros econômicos.
No último fim da última semana, mais um capítulo. Em plena Espanha, num comício do partido de extrema direita Vox, Milei chamou Begoña Gomez de “corrupta” – sem citar o nome dela, mas dando todas as indicações de que se referia à companheira de Sánchez.
A resposta do primeiro-ministro foi imediata, retirando de forma permanente a embaixadora espanhola de Buenos Aires e exigindo desculpas públicas do argentino.
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Milei continuou surfando na onda artificialmente fabricada e passou a usar uma linguagem que tem a intenção de manter a sua base eleitoral radical unida.
Ele disse que jamais pediria desculpas. E afirmou que o governo espanhol é que lhe deve uma retratação, dizendo que um funcionário teria insinuado que ele usaria drogas.
O argentino chegou a dizer que a reação de Sánchez era um “disparate típico de um socialista arrogante”.
Resta saber por quanto tempo o eleitorado argentino vai tolerar esses arroubos verbais e concordar com uma linguagem que mistura um nacionalismo tosco com a demonização quase infantil de adversários de esquerda.