Indigenista e jornalista inglês estão desaparecidos no Amazonas, diz organização
Dom Phillips, correspondente do jornal "The Guardian", iria fazer entrevistas em Lago do Jaburu; associações indígenas dizem que Bruno Araújo Pereira foi ameaçado
O indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, correspondente do jornal “The Guardian”, estão desaparecidos desde domingo (5) no Vale do Javari, no Amazonas, de acordo com a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Phillips estava indo para uma localidade, chamada Lago do Jaburu, para entrevistar indígenas e Pereira o acompanhava. De acordo com as entidades, o indigenista é alvo de ameaças de madeireiros e garimpeiros que tentam invadir terras indígenas na região.
A nota divulgada nesta segunda-feira (6), assinada também por outras associações representantes de povos indígenas, informa que a dupla desapareceu no trajeto entre a comunidade Ribeirinha São Rafael até a cidade de Atalaia do Norte, pontos de ida e ponto de retorno respectivamente, no estado do Amazonas.
Os dois se deslocaram com o objetivo de visitar uma equipe de Vigilância Indígena que se encontra próxima ao Lago do Jaburu, localidade próxima da Base de Vigilância da Funai (Fundação Nacional do Índio) no rio Ituí.
Os dois chegaram no local de destino na sexta-feira (3) às 19h25. No domingo, a dupla retornaria pela manhã para a cidade de Atalaia do Norte, porém, antes pararam na comunidade São Rafael, em uma visita previamente agendada.
O indigenista faria uma uma reunião com um membro da comunidade apelidado de Churrasco. O encontro iria tratar de trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado por invasões, de acordo com a Univaja.
“Pelo que consta nas informações trocadas, via Dispositivo de Comunicação Satelital [SPOT, na sigla em inglês], eles chegaram na comunidade São Rafael por volta das 6h, onde conversaram com a esposa do Churrasco, visto que este não estava na comunidade e depois partiram rumo a Atalaia do Norte, viagem que dura aproximadamente duas horas. Assim, deveriam ter chegado por volta de 8h, 9h na cidade, o que não ocorreu”, informou a nota das associações indígenas.
Por volta das 14h, uma equipe de busca saiu de Atalaia do Norte formada por indígenas “extremamente conhecedores da região”, de acordo com o comunicado. A equipe percorreu o mesmo trecho que Pereira e Dom Phillips supostamente teriam percorrido, mas nenhum vestígio foi encontrado.
A última informação de avistamento deles é da comunidade São Gabriel com relatos de que avistaram o barco passando em direção a Atalaia do Norte. Às 16h, outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, novamente nenhuma pista foi encontrada.
De acordo com o comunicado, Pereira é experiente e profundo conhecedor da região já que foi Coordenador Regional da Funai de Atalaia do Norte por anos.
“Os dois desaparecidos viajavam com uma embarcação nova, 40 HP, com 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem e sete tambores vazios de combustível. Enfatizamos que na semana do desaparecimento, conforme relatos dos colaboradores da Univaja, a equipe recebeu ameaças em campo. A ameaça não foi a primeira, outras já vinham sendo feitas a demais membros da equipe técnica da Univaja, além de outros relatos já oficializados para a Policia Federal, Ministério Público Federal em Tabatinga, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e ao Indigenous Peoples Rights International”, afirmou a associação.
Temor pela segurança do jornalista
Em nota, o The Guardian confirmou o desaparecimento do jornalista britânico, que está trabalhando em um livro sobre meio ambiente com apoio da Fundação Alicia Patterson. Atualmente, Philips está sediado em Salvador e faz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos para jornais como “The Guardian”, “Washington Post”, “New York Times” e o “Financial Times”.
“Crescem os temores sobre a segurança de um jornalista britânico e de um especialista indígena brasileiro que desapareceram em um dos cantos mais remotos da Amazônia poucos dias depois de receberem ameaças. O ‘Guardian’ está muito preocupado e busca urgentemente informações sobre o paradeiro e a condição de Phillips. Estamos em contato com a embaixada britânica no Brasil e autoridades locais e nacionais para tentar apurar os fatos o mais rápido possível”, informou o Guardian News & Media.
Phillips se juntou a uma das expedições de Pereira à mesma região em 2018 para relatar as tribos perdidas da Amazônia para o “Guardian”.
“Ele é conhecido por seu amor pela região amazônica e viajou para lá extensivamente para relatar a crise que o meio ambiente do Brasil e suas comunidades indígenas enfrentam”, diz o comunicado do jornal.
Na semana passada, Phillips postou um vídeo em seu perfil no Instagram em um dos rios amazônicos. “Amazônia sua linda”, postou o jornalista.
“Ele é um jornalista cauteloso, com um conhecimento impressionante das complexidades da crise ambiental brasileira”, escreveu Margaret Engel, diretora executiva da Fundação Alicia Patterson, que financia o livro de Phillips. “E ele é um belo escritor e uma pessoa adorável. O melhor do nosso investimento.”
O “The Washington Post”, onde Phillips também é colaborador há anos, lamentou o desaparecimento e lembrou que “em setembro de 2019, um funcionário da agência de assuntos indígenas foi morto a tiros em Tabatinga, a maior cidade da região”, disse o veículo. “O crime nunca foi solucionado”, lembrou.
A Human Rights Watch no Brasil, se manifestou em um comunicado nesta segunda-feira.
“É de extrema importância que as autoridades brasileiras dediquem todos os recursos disponíveis e necessários para a realização imediata das buscas, a fim de garantir, o quanto antes, a segurança dos dois homens”, disse Maria Laura Canineau, diretora da Human Rights Watch no Brasil.
Por meio de nota, a Funai informou que acompanha o caso e está em contato com as forças de segurança que atuam na região, além de colaborar com as buscas. Ele não está em missão oficial do órgão.
“Embora o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira integre o quadro de servidores da Funai, ele não estava na região em missão institucional, dado que se encontra de licença para tratar de interesses particulares”, informou a nota.
O MPF instaurou um procedimento administrativo para apurar o desaparecimento e acionou a Polícia Federal, a Polícia Civil, a Força Nacional, a Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, e a Marinha do Brasil. De acordo com o comunicado do MPF, a Marinha afirmou que conduzirá as atividades de busca na região por meio do Comando de Operações Navais.
“O MPF seguirá intermediando as ações de buscas e mobilizando as forças pra assegurar a atuação integrada e articulada das autoridades, visando solucionar o caso o mais rápido possível”, informou o órgão.
A Polícia Federal afirmou, em comunicado, que já está acompanhando e trabalhando no caso do desaparecimento da dupla. “As diligências estão sendo empreendidas e serão divulgadas oportunamente”, diz a instituição.
Em nota, o Ministério da Defesa afirmou que tanto a pasta quanto as Forças Armadas “estão prestando o apoio necessário nas buscas aos desaparecidos”.
A Embaixada Britânica no Brasil informou que está em contato com as autoridades locais após relatos do desaparecimento. “Estamos fornecendo apoio consular para a sua família”, diz a nota do órgão.
Reforço em Atalaia
O Governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), determinou à Secretaria de Segurança Pública o envio de reforço policial especializado para o município de Atalaia do Norte, para apoiar as buscas e as investigações do desaparecimento do indigenista e do jornalista inglês.
O titular da 50ª Delegacia Interativa de Polícia Civil (DIP), delegado Alex Perez, montou uma força-tarefa entre as polícias Militar e Civil, além de voluntários para intensificação das buscas na região, que já começaram.
“A SSP-AM está tomando todas as medidas cabíveis para auxiliar na elucidação do caso, em colaboração ao MPF, Polícia Federal e Funai”, afirmou o governo do Estado.
O que diz a Marinha
Por meio de nota enviada à imprensa, a Marinha afirmou que enviou na manhã desta segunda-feira uma equipe de busca e salvamento da Capitania Fluvial de Tabatinga para o município de Atalaia do Norte (AM) para “auxiliar nas buscas a uma embarcação de pequeno porte com dois tripulantes”.
“Sete militares da Marinha do Brasil, com auxílio de uma Lancha, atuam nas atividades de busca. Durante toda a tarde foram realizadas ações nos rios Javari, Itaquaí e Ituí, no interior do Amazonas. Logo nas primeiras horas da manhã desta terça-feira (7), um helicóptero do 1º Esquadrão de Emprego Geral do Noroeste será empregado, além de duas embarcações e uma Moto Aquática”, disse a Marinha.
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