Análise: Política teve méritos no Sul, mas busca por palanque falou alto demais
Disputa por protagonismo eleitoral ofuscou os frutos da união institucional viabilizada pelo enfrentamento da tragédia no Rio Grande do Sul
É inegável que a tragédia no Rio Grande do Sul se traduziu, em diversos aspectos, em um fator de união institucional. Houve mobilização de todas as instâncias de governo em apoio às vítimas das chuvas, encontrou-se espaço nas contas públicas em meio ao aperto orçamentário e viabilizou-se a tramitação rápida dos projetos que ajudarão a levar recursos até a ponta. Mas nada disso estancou a sede político-eleitoral de boa parte dos agentes públicos envolvidos na tragédia.
O que se viu nas últimas semanas longe dos holofotes – e em menor grau diante deles – foi uma disputa incessante por protagonismo político, em meio à destruição deixada pelas enchentes. E essa disputa se deu desde os primeiros dias de crise.
Bastou o governador Eduardo Leite postar um vídeo nas redes sociais em que cobrava ajuda federal para escancarar o climão, desencadeando uma engrenagem que ainda promete guiar todo o processo de reconstrução.
O vídeo não foi um ataque expresso ao governo federal, embora carregasse alguns recados. Mas foi imediatamente recebido no Planalto como provocação das grandes. A partir daí, Lula virou sua agenda do avesso e entrou num avião para o Rio Grande do Sul. Era ministro para todo lado embarcando para o Estado, enquanto a primeira-dama anunciava a adoção de uma cachorrinha a e exaltava o resgate de um cavalo.
Nos gabinetes do Planalto, a ordem era que ministros mostrassem ao Brasil o que estava sendo feito em suas respectivas pastas. As agendas abriram-se imediatamente para pronunciamentos e entrevistas. Enquanto isso, os conselheiros mais próximos de Lula discutiam a melhor forma de assegurar que cada centavo federal investido ali fosse creditado ao presidente.
É legítimo que o governo reivindique a autoria de suas medidas e faz parte da política que os governos mostrem seus feitos à população. Mas salta aos olhos a forma como, em muitos momentos, os potenciais dividendos da tragédia falaram mais alto. Tanto é que muito do que se ouviu nos bastidores do governo federal nas últimas semanas tinha a ver com comunicação.
Em dado momento, o governo chegou a corrigir o rumo: estava gastando tempo demais rebatendo fake news e de menos mostrando o que estava fazendo pelo Rio Grande do Sul. Lula decidiu então ir mais uma vez ao Estado. Dessa vez, exigiu que tivesse plateia. Foi quase um comício: ministros em massa, claque, discurso e até convite aos chefes dos Poderes, embora muitos deles tenham recusado. Com direito a anúncio de que o governo federal dará R$ 5,1 mil para cada uma das famílias que perderam tudo.
Mas nada evidencia melhor a disputa político-eleitoral por trás da tragédia quanto a criação de um ministério extraordinário para tratar exclusivamente do tema. A iniciativa tem potencial de contribuir muito com a redução da burocracia, acelerando a chegada do dinheiro onde ele é mais necessário. Mas talvez contribuísse mais se não servisse como um possível trampolim para 2026.
Até alguns conselheiros próximos de Lula avaliaram que a escolha de Paulo Pimenta para a vaga poderia acirrar demais as tensões com o governo de Leite, dada a potencial candidatura dele ao Senado ou ao governo gaúcho. Tucanos como Aécio Neves logo colocaram a boca no trombone e criticaram a indicação.
Não bastasse isso, teve briga até para escolher o nome do ministério, como contou o analista Pedro Venceslau. O governador Eduardo Leite, que já estava incomodado por nem sequer ter sido avisado, teria se irritado ainda mais com o nome escolhido para a pasta: Secretaria Extraordinária da Presidência para a Reconstrução do Rio Grande do Sul. Depois de um vai-vém de recados, Lula mudou o nome da pasta. Incluiu uma palavrinha e criou a Secretaria de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.