Grupos LGBT do Peru criticam decreto que classifica transexualidade como doença
Norma leva em consideração regulamentação da OMS que não é válida desde 2022
A comunidade LGBTQIA+ no Peru criticou um decreto do Ministério da Saúde do país sul-americano que qualifica a transexualidade e outras categorias de identidade de gênero como “pessoas com problema de saúde mental”.
O governo peruano emitiu um decreto na sexta-feira (10) que atualiza o Plano Essencial de Saúde (PEAS). Este plano, assinado pela presidente Dina Boluarte, que representa o plano de benefícios mínimos que uma pessoa recebe ao aderir a um seguro de saúde público, privado ou misto.
No PEAS, são especificados os procedimentos médicos básicos que uma pessoa pode acessar.
A atualização inclui o que o governo chama de “transexualismo, travestismo de duplo papel, transtorno de identidade de gênero infantil, transtorno de identidade de gênero sem outra especificação, travestismo fetichista e orientação sexual egodistônica” em “pessoas com problemas de saúde mental” no PEAS.
No domingo (12), o Ministério da Saúde pontuou em comunicado que a diversidade de gênero e sexual “não são doenças” ou “distúrbios”.
“Expressamos o nosso respeito pelas identidades de gênero, assim como a nossa rejeição à estigmatização da diversidade sexual no país”, diz o comunicado.
No comunicado do Ministério da Saúde, a pasta afirma que os regulamentos foram atualizados para “garantir que a cobertura dos cuidados de saúde mental seja completa”.
A nota não esclarece se haverá modificação na norma já publicada no jornal oficial, destacando apenas que, para o ministério, “gênero e diversidade sexual não são doenças”.
Ainda assim, sustenta que a atualização da norma se baseia na CID-10, regulamentação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que estabeleceu o “transexualismo” como um “transtorno de identidade sexual” e que não é válido desde 2022.
O que diz a norma?
Segundo o decreto, esta incorporação é feita com base na CID-10, regulamento da OMS que inclui uma Classificação Internacional de Doenças composta por códigos utilizados em todo o mundo.
A instituição explica, no comunicado, que a CID-10 permanece “em vigor no nosso país” enquanto se inicia a implementação progressiva da CID-11, assim como em outros países da região.
A Organização Mundial da Saúde publicou a CID-11 como uma nova Classificação Internacional de Doenças que entrou em vigor em 2022, que elimina categorias de identidade de gênero do capítulo das doenças.
Possíveis protestos
A comunidade LGBQIA+ no Peru não excluiu a realização de um protesto pacífico, destacando que a decisão do governo os coloca “em grave perigo”.
A CNN conversou com Jorge Apolaya, porta-voz do coletivo Marcha do Orgulho LGBTI, que disse que é “um sério perigo e um retrocesso aplicar a CID-10 em todo o aparato estatal”.
Apolaya explica que os novos regulamentos da OMS, ou seja, a CID-11, deixam de “considerar a orientação sexual, a identidade de gênero e a expressão de gênero como uma doença”.
“Ou seja, um funcionário que cuida de uma pessoa LGBTI poderá confiar com tranquilidade na CID-10 para poder dizer ‘na verdade, o que você tem é uma doença, porque somos regidos pela CID-10, portanto, é uma porta aberta para a patologização [da transsexualidade]”, avaliou.
“É também uma porta aberta para o perigo que isso significa, porque a terapia de conversão tenta converter pessoas, supostamente, em heterossexuais”, adicionou.
No comunicado de domingo, o Ministério da Saúde afirmou que a orientação sexual e identidade de gênero de uma pessoa “não constitui por si só um distúrbio de saúde física e mental” e que, portanto, “não deve ser submetida a tratamento, cuidados médicos ou às chamadas terapias de conversão”.
As organizações LGBTQIA+ “têm se reunido numa plataforma e provavelmente hoje em dia seremos capazes de concordar em sair num protesto ou marcha pacífica”, disse o porta-voz do grupo.
Por sua vez, a organização Más Igualdad Perú apresentou na segunda-feira (13) uma carta dirigida ao Ministério da Saúde do Peru em protesto contra a inclusão da CID-10 no decreto.
A carta é assinada por 414 profissionais de saúde mental e conta com o apoio de 176 organizações de direitos humanos, observou o grupo.
A CNN entrou em contato com o Ministério da Saúde do Peru, mas não obteve retorno.