Entenda por que os iranianos voltam às ruas em protestos
Manifestações contra o governo, relatadas em pelo menos 40 cidades e vilas em todo o Irã, começaram por questões econômicas, mas se tornaram políticas
O governo iraniano mobilizou dezenas de milhares de apoiadores na sexta-feira (13) em uma demonstração de força depois que semanas de protestos contra preços se tornaram violentos, levando a prisões e ferimentos em todo o país.
Milhares de apoiadores pró-governo se reuniram fora de Teerã, incluindo 50 mil pessoas da Guarda Revolucionária e membros da milícia Basij, segundo a mídia estatal.
Os protestos contra o governo, relatados em pelo menos 40 cidades e vilas em todo o Irã, começaram por questões econômicas, mas se tornaram políticos, com manifestantes cantando slogans contra o governo e pedindo a queda do regime, como mostraram vídeos de redes sociais postados por ativistas.
O que você precisa saber sobre os últimos protestos do Irã:
Quando os protestos começaram e o que os desencadeou?
No início de maio, protestos eclodiram em algumas das cidades mais pobres do Irã depois que o governo cortou os subsídios estatais aos alimentos, fazendo com que os preços disparassem em 300% para vários alimentos básicos à base de farinha. O preço de outros produtos básicos, como óleo de cozinha e laticínios, também disparou. O governo disse que a medida visa redistribuir subsídios para pessoas de baixa renda.
As mudanças nos subsídios, destinadas a controlar os preços de itens básicos, foram introduzidas pelo presidente iraniano Ebrahim Raisi no início deste mês, na tentativa de aliviar o efeito do aumento dos preços globais do trigo e das sanções dos Estados Unidos à economia iraniana.
Grandes multidões foram às ruas da província de Khuzestan, no Sudoeste do país, para protestar contra o aumento dos preços, com protestos depois se espalhando para outras províncias.
A maioria dos manifestantes são trabalhadores do setor público, disse Zep Kalb, visitante do think tank [instituições que desempenham um papel de advocacy para políticas públicas] Bourse & Bazaar Foundation, à CNN. Mas os manifestantes também incluem professores e motoristas.
Os protestos tiveram ecos de 2019, quando muitos foram às ruas por causa do aumento dos preços dos combustíveis em protestos que se tornaram os mais mortais desde a fundação da República Islâmica em 1979.
A guerra na Ucrânia tem algo a ver com esses protestos?
A economia do Irã, prejudicada pelas sanções ocidentais e pela pandemia de Covid-19, já estava enfrentando problemas. A guerra na Ucrânia foi um “golpe duplo” para ela, disse Kalb.
“Além dos preços mais altos do pão, as exportações russas de petróleo e gás com desconto para a China também tornaram mais difícil para o Irã vender hidrocarbonetos para seu principal parceiro comercial”, disse ele.
O Irã é um dos principais importadores globais de trigo, contando com a Rússia e a Ucrânia para quase 40% de seus suprimentos de trigo, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
Desde que seu petróleo foi sancionado pelos EUA em 2018, o Irã dependeu de compradores chineses. Mas suas exportações de petróleo para a China caíram acentuadamente desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, informou a Reuters, acrescentando que Pequim tem se inclinado cada vez mais para os barris com desconto da Rússia, já que o país enfrenta sanções ocidentais devido à sua guerra na Ucrânia.
Como o governo reagiu aos protestos?
O governo reconheceu os protestos, mas disse que eram pequenas manifestações. A mídia estatal também descreveu os manifestantes como “desordeiros e provocadores” e disse que dezenas foram presos.
As autoridades disseram que a agitação doméstica sobre os preços dos alimentos foi fomentada por “inimigos” estrangeiros e pelos “rumores que eles espalham e mentiras que contam”.
Alguns usuários de redes sociais dentro do Irã disseram que os serviços de internet foram interrompidos, mas as autoridades iranianas negaram a alegação.
Os protestos provavelmente terão um impacto mais amplo?
Os protestos não necessariamente derrubarão o regime iraniano, mas a falta de resposta adequada do governo pode permitir que o descontentamento ferva, escreveu Jason Razaian, ex-chefe da sucursal de Teerã do Washington Post, em um artigo de opinião.
“Ao mesmo tempo, o regime não tem remédio para o atual conjunto de queixas”, escreveu ele. “O que significa que eles continuarão, tornando-se ainda mais frequentes à medida que o desespero do público cresce”.
Os protestos também ocorrem quando o Irã tenta reviver um acordo de 2015 com potências mundiais que restringiu as capacidades nucleares do país em troca de alívio das sanções. A piora da situação econômica pode aumentar a urgência no Irã para chegar a um acordo, mas o país até agora se manteve firme em suas demandas.
“O governo iraniano planejou seu orçamento anual com a expectativa de maiores receitas do petróleo e potencialmente alívio de sanções”, disse Kalb. “Como qualquer uma dessas agora parece improvável, não ficaria surpreso ao ver medidas de austeridade não anunciadas e decisões para cortar gastos sociais em um futuro próximo”.
Mostafa Salem, da CNN, contribuiu para esta reportagem.