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    Dezenas de professores estão entre os presos em protestos nos campi nos EUA

    Pelo menos 50 professores foram presos em protestos em campi universitários em todo o país, de acordo com uma análise da CNN de registros policiais, processos judiciais e reportagens

    Scott GloverAudrey AshBob Ortegada CNN

    Enquanto a polícia reprimia os protestos contra a guerra de Israel nos campi universitários dos Estados Unidos nas últimas semanas, entre os detidos estavam dois professores de cabelos grisalhos de 65 anos, armados apenas com os seus celulares.

    Annelise Orleck foi derrubada no chão e contida com algemas de zip de plástico em um protesto no Dartmouth College, em New Hampshire. Mais tarde, ela reclamou de ter sido puxada com força.

    Steve Tamari foi abordado por policiais e detido em uma manifestação na Universidade de Washington, em St. Louis, um ataque policial que, segundo ele, resultou em múltiplas costelas e uma mão quebradas.

    Cada um deles filmava os protestos momentos antes de serem presos. Tanto Orleck, que é judia, quanto Tamari, que é palestino-americano, disseram que foram motivados a comparecer em parte pelo desejo de apoiar os manifestantes universitários no exercício de seu direito à liberdade de expressão.

    As suas histórias ilustram uma faceta dos protestos liderados por estudantes que recebeu comparativamente pouca atenção: o papel que os professores desempenharam nas manifestações e a resposta das suas administrações e da polícia.

    Orleck e Tamari estão entre os pelo menos 50 professores presos em protestos em campi em todo o país, de acordo com uma análise da CNN de registros policiais, processos judiciais e reportagens. Desde 18 de abril, mais de 2.400 estudantes foram presos em protestos em mais de 50 campi.

    Em alguns casos, os professores disseram que estavam participando ativamente em protestos com base nas suas próprias crenças. Outros disseram que compareceram para demonstrar apoio aos seus alunos.

    Nos últimos anos, as universidades nos EUA têm estado sob pressão crescente de políticos conservadores e doadores que as criticam como bastiões liberais do “woke”, termo político referente a percepção e consciência das questões relativas à justiça social e racial. Essa pressão aumentou após o ataque do Hamas a israelenses, em 7 de outubro, e a subsequente guerra de Israel contra o Hamas.

    Muitos políticos conservadores e doadores acusaram os campi de tolerar ou encorajar o antissemitismo ao permitir protestos contra a guerra, mesmo quando os estudantes manifestantes acusam as universidades de ignorarem o que chamam de genocídio.

    Protesto pró-Palestina na Universidade de Columbia, nos EUA / 25/04/2024 REUTERS/Caitlin Ochs

    Embora as administrações universitárias digam uniformemente que estão tentando permitir a liberdade de expressão nos campi, mantendo a ordem e a segurança dos estudantes, os críticos dizem que muitas escolas recorreram rapidamente à ação policial, suspensões e outras medidas disciplinares para encerrar os protestos.

    Na Universidade Emory, em Atlanta, uma professora de economia que tentou intervir na detenção de um manifestante foi fisicamente subjugada pela polícia quando não cumpriu imediatamente a ordem de um oficial de “pôr a bunda… no chão”.

    No vídeo do incidente, os óculos de Caroline Fohlin caem quando ela é forçada a deitar na calçada e ela pode ser ouvida dizendo aos policiais: “Você acabou de bater minha cabeça no concreto”. Fohlin foi acusada de conduta desordeira e agressão simples contra um policial.

    Em Nova York, um professor-associado de história japonesa aposentado recentemente da Universidade de Columbia disse ao New York Times que estava apenas tirando fotos de agentes da polícia reunidos antes de invadirem o campus de Columbia quando ele foi preso.

    Gregory Pflugfelder disse ao jornal que não atendeu às exigências dos policiais de voltar para seu prédio, mas não desempenhou nenhum papel no protesto.

    Dr. Isaac Kamola, diretor do Centro para a Defesa da Liberdade Acadêmica da Associação Americana de Professores Universitários, disse que os professores sendo algemados são “os momentos virais” que chamam a atenção, mas que as ameaças à liberdade acadêmica nos campi universitários são mais matizados e muito mais profundos.

    A polícia intervém e prende mais de 100 estudantes da Universidade de Nova York (NYU) que continuam sua manifestação no campus em solidariedade aos estudantes da Universidade de Columbia e para se opor aos ataques de Israel a Gaza, em Nova York, Estados Unidos Estados Unidos em 22 de abril de 2024.
    A polícia intervém e prende mais de 100 estudantes da Universidade de Nova York (NYU) que continuam sua manifestação no campus em solidariedade aos estudantes da Universidade de Columbia e para se opor aos ataques de Israel a Gaza, em Nova York, Estados Unidos Estados Unidos em 22 de abril de 2024. / Selcuk Acar/Anadolu via Getty Image

    “Você não vê os momentos mais sutis, de professores sendo afastados do ensino, sendo sancionados sem o devido processo”, disse ele. Há um efeito assustador em que os professores não têm certeza do que podem ou não dizer. O problema é agravado, disse ele, pelo número crescente de docentes não titulares que “se sentem incrivelmente vulneráveis” ao se posicionarem publicamente sobre uma questão controversa como a guerra em Gaza.

    Cada vez mais, disse Kamola, os administradores universitários estão apelando às autoridades para resolver o que deveriam ser debates internos sobre os parâmetros da liberdade acadêmica. “Houve uma normalização ter policiais nos campi”, disse ele.

    Autoridades de diversas universidades onde professores foram presos em conexão com protestos recentes se recusaram a comentar casos individuais. Em termos gerais, as autoridades afirmaram que estão comprometidas com a liberdade de expressão no campus, mas que existem limites quando se trata de segurança e quando esta viola os direitos de outros membros da comunidade do campus.

    Na Emory, que anunciou no dia 6 de maio que iria transferir as cerimônias de formatura para fora do campus, o presidente Gregory Fenves escreveu aos membros do corpo docente e aos estudantes prometendo rever os acontecimentos de 25 de abril, quando a polícia removeu um acampamento de protesto.

    Fenves disse que a revisão incluiria reexaminar “como a Emory envolve agências externas de aplicação da lei”. Mas, ao mesmo tempo, ele disse que, embora a Emory apoie estudantes e professores na expressão pacífica de seus pontos de vista, “não toleraremos condutas que prejudiquem esses esforços”.

    Algumas faculdades resistiram contra sua liderança. Na quarta-feira (8), o senado docente da Universidade do Sul da Califórnia votou 21-7 para censurar a presidente da USC, Carol Folt, e o reitor Andrew Guzman, pela remoção de um acampamento de protesto do campus e pelo uso da polícia de Los Angeles para prender manifestantes, entre outras questões.

    Professor associado de sociologia comunitária e ambiental Samer Alatout é visto sendo detido por policiais da Universidade de Wisconsin-Madison
    Professor associado de sociologia comunitária e ambiental Samer Alatout é visto sendo detido por policiais da Universidade de Wisconsin-Madison em protesto pró-Palestina / Tyler Katzenberger/The Daily Cardinal

    Em 26 de abril, o senado da Universidade de Columbia não chegou a censurar a presidente Minouche Shafik, mas aprovou uma resolução dizendo que a sua administração tinha minado a liberdade acadêmica e violado os direitos do devido processo ao chamar a polícia e encerrar protestos naquele campus.

    No dia 29 de abril, um grupo de docentes vestiu coletes de segurança amarelos e deu os braços para bloquear a entrada do acampamento de estudantes no campus. Joseph Howley, professor associado de Clássicos, disse que isso foi feito para diminuir as tensões e manter os alunos protegidos “de desordeiros e da polícia”.

    Em Los Angeles, o professor associado Graeme Blair disse à CNN que estava entre “uma fila de 15 membros do corpo docente” da UCLA que se juntou a uma manifestação para apoiar os direitos dos seus estudantes de protestar. Todos os professores, disse Blair, “esperavam ser presos”. Embora o próprio Blair não tenha sido preso, pelo menos quatro outros professores da UCLA foram detidos naquele dia.

    “Peguei a vovó”

    Orleck, a professora de Dartmouth presa no início deste mês, disse que ficou chocada ao ver a grande presença policial no campus na noite de 1º de maio.

    “Foi como se fosse uma invasão armada”, lembrou Orleck, que é judia, em entrevista à CNN. Ela descreveu “linha de policiais de choque com capacetes e cassetetes” e disse que “nunca tinha visto nada parecido” em suas mais de três décadas como professora.

    Orleck participou do que ela descreveu como um protesto pequeno e pacífico no início do dia que foi patrocinado pelo corpo docente e pelos Estudantes pela Justiça na Palestina, em Dartmouth. Mas depois de sair para jantar, um colega a disse que as coisas haviam ficado mais tensas.

    Quando ela voltou ao campus do College Green naquela noite, por volta das 20h30, ela se juntou a várias outras professoras mais velhas. Ela disse que elas acreditavam que a polícia nunca as machucaria e que poderiam proteger os manifestantes estudantis ficando entre eles e os policiais.

    Professora Annelise Orleck é vista confrontando a polícia durante um protesto no Dartmouth College, em New Hampshire, em 1º de maio de 2024 / WMUR

    “E cara, eu fui ingênua”, disse ela. “Não cometerei esse erro novamente”.

    O vídeo feito no evento mostra Orleck se aproximando dos policiais, dizendo “deixem nossos alunos em paz, eles não são criminosos!”. Orleck é então arrastada para além da linha policial e forçada a deitar no chão. Ela foi amarrada com um zip de nylon e presa com outras 89 pessoas, incluindo um outro professor.

    Em uma carta dirigida à comunidade de Dartmouth, a reitora da universidade, Sian Leah Beilock, manteve a sua decisão de envolver o departamento de Polícia de Hanover, mas escreveu que “lamentava os danos que essa decisão impossível causou”.

    Em uma postagem no Instagram, três dias após o protesto, Orleck escreveu que os policiais gritaram “peguei a vovó” quando ela foi levada sob custódia.

    Embora Orleck não se considerasse uma participante ativa no protesto, ela disse que compartilhava das preocupações dos manifestantes sobre a situação dos palestinos na guerra. Ela estava convencida de que toda a manifestação foi pacífica.

    Ela disse que os estudantes manifestantes foram respeitosos e nunca fizeram comentários antissemitas. Ela disse à CNN que estava feliz por estar lá, dizendo que esperava que sua história chamasse a atenção para o quão violenta foi a resposta da polícia a uma manifestação pacífica de estudantes.

    “Quero dizer que alguns dos meus colegas, especialmente na Emory e na Universidade de Washington, foram tratados de forma muito mais brutal. Quero dizer, muito, muito brutalmente. Sim, eu tenho ferimentos, mas, você sabe, os meus vão sarar”, disse ela.

    Um dos colegas a quem Orleck se referia era Tamari, um professor palestino-americano que foi preso em 27 de abril durante um protesto na Universidade de Washington, em St. Louis, no Missouri.

    Estudantes e manifestantes de Yale cantam e protestam enquanto bloqueiam o cruzamento da College Street com a Grove Street, em Connecticut, 22 de abril de 2024, durante um protesto pró-Palestina depois que cerca de 45 estudantes foram presos
    Estudantes e manifestantes de Yale cantam e protestam enquanto bloqueiam o cruzamento da College Street com a Grove Street, em Connecticut, 22 de abril de 2024, durante um protesto pró-Palestina depois que cerca de 45 estudantes foram presos / Aaron Flaum/Hartford Courant/Tribune News Service via Getty Images

    Tamari não respondeu a um pedido de entrevista da CNN. Sua esposa disse em uma postagem no X que ele não estava concedendo entrevistas à mídia e que “estamos pedindo um tempo para descansar e nos curar”. Tamari, no entanto, descreveu sua provação em uma declaração detalhada que sua esposa também postou no X.

    O professor, que leciona em uma universidade do outro lado do estado de Missouri, em Illinois, disse que se juntou ao protesto de 27 de abril na Universidade de Washington na esperança de acabar com a guerra em Gaza e de “apoiar e proteger os estudantes”, de acordo com a declaração.

    Uma vez lá, escreveu ele, seu corpo foi atingido e esmagado pelo peso de vários policiais do condado de St. Louis, resultando em “múltiplas costelas e uma mão quebradas”. Ele atacou a Universidade de Washington por defender “da boca para fora” a liberdade de expressão, “enquanto eles atropelam qualquer coisa que possa abalar o complexo militar-industrial ao qual estão tão em dívida”.

    Os manifestantes naquele dia exigiam que a universidade se desvencilhasse de Israel e cortasse relações com a Boeing Company, uma empreiteira de defesa que forneceu bombas usadas pelas Forças de Defesa de Israel em Gaza.

    O reitor da universidade, Andrew Martin, respondeu às perguntas do jornal estudantil sobre o desinvestimento com a única palavra “Não”, em uma entrevista publicada em 6 de março.

    “Não machuquem ele”

    Enquanto a polícia atacava Tamari naquela tarde, um professor da Universidade de Washington, em St. Louis, gravou o confronto com seu telefone. “Não o machuquem”, pode-se ouvir Michael Allen, que ensina estudos culturais americanos, gritando.

    “Eles estão sendo extremamente brutais hoje aqui”, Allen diz em voz alta para si mesmo. Ele também repreendeu a polícia com gritos de “fascistas, vão para casa” e “que vergonha”, enquanto continuava a documentar a cena.

    Enquanto Allen seguia um detido amarrado com zip de nylon que era conduzido em direção a uma van da polícia, dois policiais lhe disseram para ficar para trás. “Tudo bem, vou ficar para trás”, disse Allen, acrescentando: “Sou um membro do corpo docente. Estou preocupado com a possibilidade de meus alunos serem presos”.

    Professor Steve Tamari é visto sendo levado sob custódia durante uma manifestação na Universidade de Washington, em St. Louis / Michael Allen/Arquivo Pessoal

    Segundos depois, o próprio Allen foi levado sob custódia. Ele disse à CNN que estava seguindo as ordens dos policiais para recuar quando esbarrou em outros dois policiais e foi imediatamente preso. A situação foi parcialmente capturada quando seu telefone caiu no chão.

    Allen disse que recebeu uma carta de funcionários da universidade dois dias depois descrevendo várias acusações contra ele e colocando-o em licença administrativa remunerada, com efeito imediato.

    De acordo com a carta, cuja cópia foi obtida pela CNN, Allen foi sumariamente “dispensado de todas as funções profissionais” e “proibido de estar em qualquer parte do campus da Universidade”. Ele foi até impedido de se reunir com estudantes fora do campus, afirma a carta.

    Entre as alegações estava a de que ele ajudou a montar um acampamento nas dependências da universidade e ignorou “múltiplos avisos” da polícia para se dispersar, resultando em sua prisão por invasão. Ele negou ambas as acusações em entrevista à CNN.

    “Não só não tive envolvimento na criação do acampamento”, disse ele, “como nunca coloquei os pés no acampamento”.

    Quanto à invasão da área, disse Allen, as ordens de dispersão dadas pela polícia foram dirigidas a pessoas que não possuíam carteira de identidade universitária. Como ele tinha uma, disse ele, não acreditava que a ordem fosse para ele.

    Allen disse que se sentiu pego de surpresa e “completamente sem apoio” pela universidade. “Não houve nenhuma tentativa de ouvir minha opinião antes de escrever aquela carta”, disse ele.

    O chanceler Martin, que neste semestre ministrou um curso sobre liberdade de expressão na universidade, emitiu uma declaração em 3 de maio dizendo que a Universidade de Washington em St. Louis tomou as medidas que “considerou necessárias para manter nosso campus seguro” e “não comentará publicamente sobre qualquer uma das especificidades” do comportamento de alunos, funcionários ou professores.

    Alguns professores foram presos voluntariamente. Bikrum Gill e Desirée Poets, ambos professores assistentes na Virginia Tech, estavam entre os pelo menos cinco membros do corpo docente que apoiavam o acampamento estudantil em seu campus que optaram por não sair quando a polícia alertou os estudantes na noite de 28 de abril para saírem ou seriam presos.

    “Como docente, o que você faz? Decidimos ficar com eles para que não ficassem sozinhos naquele momento”, disse Poets.

    Ela e Gill lecionam na Virginia Tech desde o outono de 2018 e logo serão efetivados. Mas eles concordaram que não podiam deixar que isso afetasse o seu apoio aos protestos.

    “Os estudantes veem o que está acontecendo em Gaza e dizem que não queremos normalizar isso. Isso nos informa”, disse Gill à CNN. “Se o preço da efetivação é permanecer calado sobre Gaza, não vale a pena”.

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