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    Eleições 2022

    Lula e Bolsonaro só falam em Lula. Sorte de Bolsonaro

    Caso Lula insista em fazer a campanha girar sobre ele, Bolsonaro pode ter um fio de esperança

    Alexandre Borges

    Na última pesquisa Ipespe, 61% dos pesquisados desaprovam o governo atual (62% desaprovam a condução da economia). É um índice muito alto. Lula abriu 19 pontos de vantagem no segundo turno e sua vantagem segue sólida e estável. É nesse momento de aparente calmaria que as surpresas aparecem.

    Numa eleição normal, um candidato à reeleição seria o centro das atenções e dos debates, como foi Donald Trump em 2020. O pleito serviria como um plebiscito que avaliaria seu governo e a opção do eleitor seria por dar ou não mais quatro anos ao presidente. No mundo real, o tema da campanha dos dois líderes é Lula, que presidiu o país entre 2003 e 2010. Sorte de Bolsonaro.

    Lula é visto por seus apoiadores como o ex-operário que traz “justiça social” ao povo e desenvolvimento ao país, o “melhor presidente da história”. Para eleitores de Bolsonaro, “aquele que deu o sangue por nós”, Lula representa corrupção desenfreada, a “volta do comunismo” e o “sistema”. Lula não tira votos de Bolsonaro e vice-versa, a briga hoje é pelos poucos indecisos e eleitores da esquálida terceira via.

    Bolsonaro tem um governo mal avaliado e alta rejeição. Seu estilo de fazer política, belicoso e divisivo como manda o manual de quem está na franja ideológica do debate, afasta moderados. A maneira como demoniza verbalmente adversários, reais e fabricados, como o Judiciário, queima as pontes para qualquer possibilidade de acordo.

    Com poucas exceções, como eleitores que choram a viuvez da morte da candidatura Moro e “liberais” da Faria Lima que poderiam preferir o Partido Novo, Bolsonaro mostra pouco potencial de crescimento. A eleição parece decidida, mas não está.

    A vaidade de Lula impede que ele, como mandaria o bom senso, faça da eleição um julgamento sobre o governo do adversário, explorando temas como as centenas de milhares de mortes na pandemia, a quase ausência de reformas, mesmo com um Congresso mais que cordato e embebido por uma torrente inédita de recursos para “emendas”, as suspeitas de corrupção no MEC, o aparelhamento de órgãos de estado como a PF e o MP, o discurso golpista, o ataque constante às instituições, Brasil como “pária internacional” e o fim da Lava Jato. Pauta é o que não falta.

    O que se tem visto é Lula ensimesmado, ranzinza, com o farol voltado para trás. Muito se falou, com razão, das pautas ideológicas de extrema-esquerda que ressuscitou como “regulação da mídia”, revogação da reforma trabalhista e, subentende-se, perseguição aos aplicativos, além de uma defesa absurda do ditador Daniel Ortega e “impeachment foi golpe”. Dentre todos os temas extemporâneos, nenhum é mais caro a ele do que dizer que sua prisão foi “injusta”.

    A desconexão de Lula com a parte do eleitorado que deveria conquistar não passou sem ser notada. O estreitamento da vantagem em relação ao adversário gerou tantos questionamentos internos que, há um mês, seu marqueteiro não resistiu e foi substituído. Lula transformou o próprio casamento em espetáculo político e continua obcecado por si mesmo.

    É natural que Lula, aos 76 anos, esteja preocupado com o próprio legado e queira lustrar sua biografia tirando as lembranças incômodas, mas ao fazer isso vai automaticamente para a defensiva, traz a bola para seu campo e chama o adversário para o ataque. É um erro estratégico evidente, mas política também é feita com o fígado.

    Bolsonaro é um político do confronto e fica muito à vontade na posição de acusador. Ele sabe que há um sentimento antipetista latente em parte da sociedade esperando para ser despertado e, caso Lula insista em fazer a campanha girar sobre ele, Bolsonaro pode ter um fio de esperança.

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