Jornalistas afegãs falam da “prisão psicológica” para cobrir os seus rostos na TV
A ordem veio na quarta-feira (18) do Ministério da Propagação da Virtude e da Prevenção da Imoralidade, que substituiu o Ministério das Mulheres, depois que o Talibã recuperou o controle do Afeganistão
É uma manhã de quinta-feira sombria na TOLOnews, o principal canal de notícias independente do Afeganistão. No dia anterior, a equipe foi informada que o Talibã ordenou que as apresentadoras deviam cobrir seus rostos no ar.
A ordem veio na quarta-feira (18) do Ministério da Propagação da Virtude e da Prevenção da Imoralidade, que substituiu o Ministério das Mulheres, depois que o Talibã recuperou o controle do Afeganistão em agosto.
Na redação, com sede no centro de Cabul, duas apresentadoras choraram na conversa com a CNN.
“Querem que as mulheres sejam removidas das telas. Eles têm medo de uma mulher educada”, diz Khatera, de 27 anos, que tem ancorado as notícias matinais nos últimos cinco meses.
“Primeiro, privaram as meninas de irem para a escola e, em seguida, vieram atrás dos meios de comunicação. Tenho certeza de que eles não querem a presença das mulheres em geral”, acrescenta.
Durante a reunião editorial da manhã de quinta-feira, um grupo de cerca de 30 funcionários, mais de um terço delas mulheres, discutem a pauta do dia. O noticiário da TOLOnews e seus dois canais de televisão irmãos passam atrás deles, juntamente com os de agências de notícias internacionais.
O diretor da estação, Khpolwak Sapai, diz à equipe que considerava fechar o canal depois de receber a ordem do governo. Mas, depois, diz que, se as mulheres da equipe estiverem dispostas a ancorar com os seus rostos cobertos, elas podem fazer isso.
Meses atrás, as apresentadoras já tinham se ajustado à tomada do poder pelo Talibã, usando os lenços para esconder os cabelos.
A comunidade internacional deixou claro que o respeito pelos direitos das mulheres e pela educação das meninas e jovens será uma condição fundamental para o reconhecimento que os novos governantes do Afeganistão procuram.
Mas muitas mulheres afegãs temem o futuro.
O decreto mais recente acrescenta uma longa lista aos desafios já enfrentados pelo principal canal de notícias independente do Afeganistão nos últimos nove meses, incluindo a fuga do país de mais de 90% de sua equipe após a chegada do Talibã ao poder.
“Todos os repórteres que trabalhavam nesta sala – todos os apresentadores, homens e mulheres – saíram”, conta Sapai à CNN em entrevista em seu escritório. “E todos os produtores… Todos os recursos humanos que trabalhavam na TOLOnews foram embora. No nível da gestão, fiquei sozinho”, desabafou. “Eu só pensei em manter a tela acesa para não ficar tudo escuro. Nem dá para acreditar que fiz isso”.
No meio do caos, Sapai não teve tempo para temer por sua própria segurança enquanto se concentrava em como manter as luzes acesas.
Agora, as apresentadoras da rede, que tiveram seus direitos mantidos por vinte anos, temem um retrocesso.
O que devemos fazer? Não sabemos. Estávamos prontas para lutar até o fim para fazer nosso trabalho, mas eles não deixam”, diz a âncora Tahmina, de 23 anos, em lágrimas.
“É uma prisão psicológica e desmotivadora”, acrescenta. “Não temos motivação para aparecer na tela de forma livre e aberta.”
Sua colega Heela, que costumava ficar à frente das câmeras, agora trabalha como produtora por razões des segurança.
Um grupo de apresentadoras e produtoras no TOLOnews, do Afeganistão.
O temor não é infundado. Só nos últimos cinco anos, 24 jornalistas foram mortos no Afeganistão, de acordo com dados compilados pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas.
Ainda assim, a rede realiza debates no ar sobre as vestimentas do Talibãs e se elas são preconizadas pelo Islã. E até convidam as autoridades talibãs a debater estas questões, às vezes com uma apresentadora.
Do outro lado da cidade, o porta-voz do governo talibã, Zabihullah Mujahid, participava num encontro com jornalistas locais para marcar tardiamente o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que aconteceu em 3 de maio. Nós o paramos para perguntar por que é que as mulheres têm de cobrir os seus rostos.
“É um conselho do ministério”, responde. Quando perguntado se o uso é obrigatório, Mujahid responde que “elas devem usar” e faz uma comparação com o uso de máscaras durante a pandemia. “É como durante a pandemia de covid-19, quando a máscara era obrigatória”.