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    CNN No Plural+: Qual o peso da LGBTfobia em você?

    “O ideal seria que o Congresso Nacional criminalizasse a homofobia com uma legislação própria, que efetivamente atendesse toda a população LGBT” explica Heloisa Alves, presidente da comissão da diversidade sexual e gênero da OAB-SP

    Rafael Câmarada CNN , São Paulo

    Como a gente sabe que foi vítima de LGBTfobia? 

    Imediatamente vêm à mente os assassinatos, espancamentos, xingamentos.

    Mas e aquela brincadeirinha “sem maldade alguma”? O apelido do tio, as brincadeiras na escola, exclusão do grupo…

    Eu e meu marido, depois de trabalharmos muito, conseguimos comprar o nosso sonhado apartamento. Contratamos empreiteiro, arquiteto e, com a marreta na mão, começamos a obra.

    Não deu uma semana: um vizinho entrou no nosso apartamento, ordenou parar a obra –eu disse ordenou– e, na sequência, disse que era “muito Homem, com ‘H’” para enfrentar a mim e ao meu marido.

    Homem com H”? Bom, deixamos para lá. Pensamos que ele quis dizer que éramos jovens e ele era um idoso –pelo menos foi o que pensamos.

    Deixamos para lá e, menos de uma semana depois, foi a vez da esposa do tal vizinho nos chamar de “rainhas da cocada preta”.

    E agora? Deixamos para lá? 

    Não. Seguindo o mesmo prazo das ofensas homofóbicas, em uma semana, obrigamos o prédio a aplicar uma multa administrativa ao casal e fomos à delegacia registrar ocorrência por injúria de cunho homofóbico. Fizemos valer a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2019, que equiparou os crimes raciais aos que tiveram motivação homofóbica.

    O ideal seria de fato que o Congresso Nacional criminalizasse a homofobia com uma legislação própria, com uma legislação que efetivamente atendesse toda a população LGBT, que ainda sofre muito dessa violência. Mas enquanto a gente não tem uma legislação específica, essa decisão do Supremo atende aos anseios, pelo menos por ora, para que a gente tenha efetivamente uma tipificação criminal, penal nas práticas de violência LGBTfóbicas”. Quem explica é Heloísa Alves, advogada e presidente da comissão da diversidade sexual e de gênero da OAB-SP.

    Além disso, como a decisão do STF é juridicamente recente (2019), são poucos os casos em que os agressores foram condenados com base nos crimes de racismo e os processos. Ou seja, ainda precisamos de mais precedentes.

    E para além da normalização dessa jurisprudência, é mais que urgente uma lei de criminalização que nos proteja como comunidade LGBTQIA+, porque as estatísticas de crimes não nos deixam esperar.

    Só no ano passado, segundo um relatório do “Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+”, 316 pessoas da comunidade morreram de forma violenta no Brasil, 285 delas assassinadas e a maioria somos nós, gays.

    Não está suficiente? Vamos lá:  

    De acordo com um levantamento da CNN obtido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), só no estado de São Paulo, no primeiro trimestre de 2022, houve um aumento de 16,6% nos casos de lesão corporal contra pessoas LGBTQIA+ em comparação com 2021.

    Eu acho que se a gente hoje tá aqui discutindo isso, é uma amostra que a sociedade está querendo discutir. 17 de maio tem o significado de você discutir essa violência e tentar encontrar caminhos para mudar esse cenário de índices altos de violência.

    Heloísa Alves, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP

    17 de maio: Dia Internacional da luta contra a LGBTfobia.

    A data coincide com a decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) de retirar a homossexualidade do rol de doenças (o CID). Isso já tem 32 anos.

    Mesmo assim, somos agredidos todos os dias. E seguimos resistindo.

    No interior de São Paulo, um casal de mulheres lésbicas foi agredido verbalmente e ameaçado por um homem dentro do supermercado, em Lençóis Paulista.

    Sabe o motivo? Elas deram um selinho.

    O processo ainda não acabou, mas elas procuraram a Justiça e esse homem já foi condenado com base no entendimento no STF nas duas instâncias às penas de reclusão.

    Ativação em semáforos de pedestres, em homenagem a Parada LGBT virtual
    Ativação em semáforos de pedestres, em homenagem a Parada LGBT virtual / Foto: Prefeitura de SP

    Para a coluna, fomos atrás de todas as delegacias e grupos atendimento especializados em crimes de racismo e homofobia no país e, para nossa surpresa, descobrirmos que 19 estados no Brasil possuem atendimento à comunidade LGBTfobia+. Ou seja, 70% dos estados do Brasil recebem e atendem membros da comunidade vítimas de crimes que foram motivados pelo preconceito.

    E não apenas atendimento, é necessário acolhimento. No estado de São Paulo, por exemplo, policiais recebem, ainda dentro da academia, treinamento para ajudar a identificar um crime motivado por homofobia. É preciso furar a bolha.

    Nossa sociedade é preconceituosa, então a gente desconstruir isso leva tempo. Não é fácil, e qualquer autoridade policial também faz parte dessa sociedade. Dentro da profissão, ela tem que ser treinada e capacitada não só para respeitar, mas como efetivamente no caso de delegados e investigadores a entender o que é um crime, o que é um crime de segunda classe, um crime que merece um tratamento especial.

    Heloísa Alves, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP

    Precisamos nos sentir seguros para denunciar. E confiantes de que haverá punição.

    Galileu… Guarda esse nome com você.

    “Eu tomo medicação controlada, então basicamente todo mês eu estou na farmácia comprando. E quando você se cadastra, há desconto na medicação e você recebe alguns avisos de SMS, e-mail. No começo de 2021 eu recebi alguns SMSs com o meu nome, falando ‘Galileu, o seu remédio está prestes a vencer’. Em março, eu percebi que o meu nome tinha sido trocado. Então a partir do momento que eu recebi o primeiro SMS em que meu nome agora estava escrito como ‘Gaylileu”. Eu olhei aquela mensagem e falei ‘ué, é um erro de digitação?“, nos conta Galileu.

    Será? A gente quer acreditar que sim. Mas depois daquele torpedo, veio uma sequência de constrangimentos e humilhações.

    Eu pensei ‘Vou à farmácia, aqui do lado tem uma, e vou comprar novamente a medicação para ver o que acontece’. Quando eu fui ver os cupons, estava escrito ‘Gaylileu’ lá. Só que o funcionário não conseguia pronunciar o meu nome. E aí quando eu fui passar no caixa ele me perguntou: ‘seu nome é Gaylileu mesmo?’ e eu falei: ‘cara, esse não é o meu nome. Essa foi uma brincadeira de mau gosto.

    Mais uma vez, não é brincadeira. É homofobia.

    E Galileu, diferentemente do casal de meninas de Lençóis Paulista, não procurou uma delegacia para denunciar, e sim a área cível para comprovar a humilhação sistemática que sofreu.

    O publicitário entrou com uma ação de indenização por danos morais contra a rede de farmácias e, depois de um ano e meio, fechou um acordo para que a empresa o pagasse R$ 40 mil.

    Acho que a maior vitória, quando eu penso nisso, é que tudo isso pode inspirar outras pessoas a não se calarem. Então, entender que isso faz sentido: pode ser uma alteração no seu nome no SMS que você recebeu, mas se você entender a sua orientação sexual sendo levada como uma piada, vá atrás, comece a processar. Por mínimo que seja, por menor que as pessoas achem que é, isso não pode ser uma piada. Acho que a nossa orientação sexual não pode ser levada como uma piada por uma empresa, principalmente em relação ao cliente.

    Galileu Nogueira, publicitário

    Galileu doou a metade do dinheiro para a ONG Casa 1, um centro de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ e que já mostramos aqui na coluna. A outra metade virou bolsa de estudos em uma escola de marketing, que ele dá aula.

    Pra você Galileu, meu muito obrigado por não desistir.

    E para o casal de meninas, parabéns por não abaixarem a cabeça e irem buscar a justiça no meio criminal – que é tão pouco acolhedor para mulheres, principalmente da comunidade LGBTQIA+.

    Isso ensina muito para todos nós.

    • Produção: Letícia Brito
    • Apoio: Carol Raciunas e Giovanna Bronze

     

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