CNN No Plural+: No caminho da cura para o HIV, cientistas brasileiros
Eles estão presentes nos principais estudos que buscam a vacina para uma das maiores pandemias que o mundo já enfrentou: a Aids
Quantos testes de HIV você já teve que fazer na vida?
Eu não faço a mínima ideia, mas com certeza me lembro do primeiro.
As mãos suavam, os ouvidos totalmente surdos para qualquer um ao meu lado, e a cabeça que não parava de pensar numa só pergunta: O que eu vou fazer se der positivo?
Felizmente, com tratamentos como PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) e PEP (Profilaxia Pós-Exposição), essa tensão diminuiu bastante –deixo claro que não zerou, mas já consigo ouvir quem está ao meu lado, enquanto o resultado não chega.
Realmente, isso só vai acabar quando alcançarmos a cura.
Após 40 anos de pandemia de Aids, o mundo nunca esteve tão perto desse momento.
E felizmente tem muito médico brasileiro nesse caminho.
Um deles é o infectologista da Unifesp Ricardo Diaz. “O nosso principal objetivo na pesquisa é tentar aproximar as pessoas da cura, e eventualmente conseguir aquilo que hoje em dia tem nome, que chama a remissão sustentada do HIV sem antirretrovirais”, diz o médico.
O nome parece complicado, mas a explicação é fácil:
É quando os médicos retiram os medicamentos do paciente e ele consegue sozinho controlar o vírus, a partir das defesas do próprio corpo. E isso pode acontecer por dois motivos: ou há uma quantidade tão pequena do vírus HIV no corpo que ele perde a função ou porque o corpo tenha realmente eliminado todos os vírus.
Existem três barreiras que a gente tem para eliminar o vírus de uma forma definitiva do corpo. A primeira delas é que o tratamento que a gente tem hoje em dia não diminui o vírus em 100%. A segunda barreira a gente chama de latência, e é uma palavra que significa que o vírus fica dormindo dentro da casinha dele, que é a célula, e dessa forma, os medicamentos não funcionam. Outra barreira a gente chama de santuário. Santuário é local do nosso corpo onde o vírus vive, e o medicamento não chega direito. Por exemplo, o cérebro, testículo, ovário e os órgãos sexuais também e algumas partes do intestino mais profundo.
Ricardo Diaz, infectologista da Unifesp
Identificar onde o vírus se esconde e eliminá-lo.
Um sonho, que os pesquisadores liderados pelo doutor Ricardo Diaz perseguem todos os dias. E parecem ter encontrado o caminho.
“Na hora que a gente combina estratégias para diminuir a multiplicação do vírus com os tratamentos que a gente tem hoje em dia, tirar o vírus da latência ou matar essas células latentes, acordando o vírus, o remédio funciona. Na hora que a gente associou tudo isso, a gente conseguiu uma resposta melhor em termos de diminuição da quantidade de células que tem vírus no corpo da pessoa e isso aí foi um resultado inédito”, nos explica dr. Ricardo.
Dois dos cinco voluntários da pesquisa, que receberam o tratamento experimental, conseguiram controlar espontaneamente o vírus depois que os antirretrovirais foram retirados.
A gente começou a ter algumas evidências que o vírus poderia estar lá ainda. E então voltamos com o tratamento desses dois candidatos. Isso foi até criticado por alguns pesquisadores internacionais, que achavam que a gente deveria observar um pouco mais, mas agora a gente vai refazer tudo e esperamos reproduzir numa escala um pouco maior, com número maior de pessoas
Dr. Ricardo Diaz, infectologista da Unifesp
Inédito e promissor também é a pesquisa que o infectologista Bernardo Porto, do hospital Emilio Ribas, faz parte. Mais um brasileiro em busca da tão aguardada vacina, o chamado Estudo Mosaico.
“A gente pega em laboratório vários genes, mesmo de diversos subtipos e formas recombinantes do HIV, e a gente os agrupa numa forma de mosaico e esse mosaico é acoplado num outro vírus, inativado aí no laboratório, é incapaz de causar doença e ele funciona como um Cavalo de Tróia”, conta dr. Bernardo.
Quem não se lembra do Cavalo de Tróia?
Um cavalo gigante de madeira, oco por dentro e que escondia soldados gregos, que de surpresa, no meio de uma festa e tomaram a cidade de Tróia.
Ele (o Mosaico) é inovador em relação aos demais estudos de vacina contra o HIV, porque pela primeira vez a gente testa um produto, que visa cobrir aí 94% da variabilidade genética do HIV
Bernardo Porto Maia, infectologista e coordenador do Estudo Mosaico no Hospital Emílio Ribas
Quando ouvi isso precisei perguntar por que cobrir quase 100% da variação genética do vírus é tão importante. A resposta é que o HIV se multiplica tão rápido que em cada região do globo terrestre ele apresenta uma forma diferente.
Então não é toda a vacina, mesmo depois de descoberta, que vai conseguir proteger a todos nós.
O estudo, que entra na fase 3, recrutou quase 4.000 pessoas nas Américas e Europa, regiões foco do estudo. São oito países que participam dos testes clínicos.
Os voluntários, todos da comunidade LGBTQIA+, principalmente homens que fazem sexo com outros homens, receberão quatro doses da potencial vacina ou placebo.
“A gente já sabe que esse produto do Estudo Mosaico é seguro e também capaz de induzir a uma resposta de defesa específica. Agora a gente quer saber, na fase 3, testando as pessoas em mais territórios, se essa imunogenicidade se traduz em eficácia. Se, além de induzir uma resposta, essa resposta é competente no sentido de evitar a transmissão sexual do HIV tipo 1”, explica o infectologista.
Quem também contribui para o fim da infecção por HIV no mundo é mais uma médica aqui do Brasil: eu apresento a doutora Maria Notomi Sato, professora associada da Faculdade de Medicina da USP. Em uma pesquisa publicada no final de 2021, os estudos da médica apontaram uma possível cura do vírus a partir de um dos primeiros vínculos que temos com a vida: o cordão umbilical.
Uma das descobertas do estudo foi que as células do neonato, do bebê, são de uma certa forma ‘naive’, ingênua, menos experientes – mas se você dá um adjuvante (como se fosse um reagente), você consegue potencializar a resposta imunológica a frente da infecção por HIV in vitro
Maria Notomi Sato, professora da FMUSP
E se por aqui esperamos resultados, o mundo já mostrou que é possível que a pesquisa da Dra. Sato esteja correta. Em fevereiro deste ano, uma mulher nos EUA se tornou a terceira pessoa a ser curada do HIV. A partir de um tratamento com sangue do cordão umbilical, ela já está há mais de 14 meses sem sinais do vírus no sangue –e sem a necessidade de medicamentos antirretrovirais.
Medicamentos antirretrovirais que, por sua vez, também seguem em pleno desenvolvimento científico. Afinal, no mundo, mais de 28 milhões de pessoas convivem com esse tipo de terapia.
Você se lembra quando falamos aqui na coluna sobre PrEP e PEP?
Hoje trazemos para você dois avanços nesses medicamentos:
- No Brasil: a Fiocruz estuda um método de PrEP injetável, uma alternativa à medicação oral que é disponibilizada hoje em dia;
- Nos EUA: o FDA (a Anvisa dos Estados Unidos) autorizou, em novembro de 2021, o uso do Apretude, o primeiro medicamento injetável para PrEP. Primeiro, são aplicadas duas injeções em um intervalo de um mês. Depois, as injeções são dadas a cada dois meses.
São mais de 40 anos convivendo com HIV. Além de orgulho, é um alívio saber que, quando a cura sair, haverá uma parte importante dela vinda do Brasil.
- Produção: Letícia Brito, Carol Raciunas e Duda Lopes