Em Bucha, famílias enterram jovens ucranianos e denunciam crimes de guerra
Autoridades ucranianas investigam ações brutais das tropas russas na região próxima a Kiev
Nas profundezas de uma floresta no distrito de Bucha, na Ucrânia, uma estrada de terra esburacada termina em um pequeno cemitério. Lá, uma figura vestida de preto, com a cabeça coberta por um lenço, curvada sobre um monte de terra coberto de flores e adornado com a foto de uma garotinha.
Seu corpo começa a tremer. Então seus soluços perfuram o silêncio da floresta. “Eu gostaria de poder trocar de lugar com ela”, diz a avó de 68 anos, Galina, de Vorzel, uma pequena vila no distrito de Bucha.
O túmulo contém o corpo de sua neta Anastasia, de sete anos, que foi assassinada enquanto a família tentava escapar da invasão russa de sua aldeia. Galina diz que a dupla – junto com mais seis crianças e outros dois adultos, todos membros da família – estavam dentro de um carro quando um atirador russo disparou contra o veículo.
“No primeiro tiro, ele atirou pela janela da frente e minha neta começou a gritar. No tiro seguinte, nosso carro parou e, novamente, atiraram em nós. Anastasia choramingou”, diz Galina. “Comecei a chorar e as crianças ficaram assustadas. Estavam todas gritando”.
Quando a gritaria e o pânico passaram, a tristeza tomou conta da família com a percepção de que Anastasia havia sido morta a tiros. Sua irmã Lida, 11, também ficou gravemente ferida.
“Pedi ao soldado que nos ajudasse. Eu estava implorando para eles dizendo: ‘Você não tem seus próprios filhos?'”, diz Galina. “Não fizemos nada para eles. Vivemos nossa vida, sem atacar ninguém… Foram eles que nos atacaram. Eles não se importavam se havia uma criança ou idosos. Eles não se importavam. E ainda não se importam”, acrescenta ela.
Este cenário é exatamente o que a família estava tentando escapar. Eles estavam cientes dos soldados russos que invadiram sua aldeia em março, assassinando humanos casualmente e depois deixando os corpos espalhados ao longo das estradas.
A verdadeira escala da ocupação de Bucha pela Rússia, que durou um mês, ainda não foi totalmente compreendida – mas a imagem que emerge dela chocou o mundo.
A Rússia se recusou categoricamente a aceitar a responsabilidade pelas atrocidades no local e de outros distritos ao redor de Kiev desde que suas tropas se retiraram da região no fim de março após não conseguir dominar a capital.
Em vez disso, o Kremlin afirmou repetidamente – sem provas – que os numerosos relatos de assassinatos, valas, desaparecimentos e saques são “falsos” e parte de uma “campanha planejada da mídia”.
Investigadores ucranianos estão ansiosos para ouvir relatos como o de Galina enquanto investigam possíveis crimes de guerra no distrito de Bucha e em toda a Ucrânia. O presidente do país, Volodymyr Zelensky, diz que 220 crianças ucranianas morreram desde que as tropas russas inundaram as fronteiras em 24 de fevereiro.
Não muito longe de Anastasia está outra jovem vítima da guerra: Anna Mishenko, de 15 anos, junto com sua mãe, Tamila Mishenko. Ambas foram baleados e queimadas até a morte em seu carro depois de encontrar tanques russos do lado de fora de um shopping center enquanto tentavam fugir de Bucha, segundo sua família.
Parentes e amigos procuraram por dias depois que as duas desapareceram. Eventualmente, foram identificadas através da placa do carro e do pequeno anel que Anna usava no dedo, de acordo com a diretora do cemitério e amiga da família, Anna Kalinichenko.
Dasha Markina, 14, se lembra de sua colega de escola como um “raio de luz” e alguém que “sempre olhava para o mundo com um sorriso”. “Ela era uma boa aluna, falava bem inglês e sabia pintar de maneira incrível”, diz Markina, mostrando com orgulho a fotografia de sua amiga em um anuário recente.
“É uma pena que uma pessoa tão maravilhosa não exista mais. Ela sempre gostou de se comunicar e de fazer novos amigos”, acrescenta.
Para Kalinichenko, o preço das últimas semanas está estampado em seu rosto. Ela já viu muitas mortes, viu muitas sepulturas novas e tentou sustentar muitas famílias.
“Os russos não os deixavam enterrar entes queridos no cemitério. As pessoas tinham que enterrá-los primeiro em seus próprios quintais… e depois no cemitério”, explica ela. “Nunca enterrei um número tão grande de pessoas”, lamenta. “Todas aquelas pessoas amaram suas vidas… Somos ucranianos, é nossa terra. Não precisa ser assim”.
Questionado se essas mortes constituíam crimes de guerra, Kalinichenko responde sem hesitação: “Crimes de guerra que nunca serão perdoados. Nem no céu nem na terra. Devem ser queimados no inferno”.