Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Ex-refugiada procura mulher que lhe deu nota de US$ 100 e mudou sua vida anos atrás

    Ayda Zugay busca por Tracy, de quem recebeu um envelope com uma mensagem durante voo para os EUA; ela e a irmã fugiam da ex-Iugoslávia, em 1999

    Catherine E. Shoichetda CNN

    Ayda Zugay não é uma pessoa que normalmente gosta de guardar coisas. As paredes de sua casa em Boston estão vazias. Ela mantém uma pequena bolsa cheia de itens essenciais para o caso de precisar sair rapidamente.

    Mas, por mais de duas décadas, guardou um envelope que ela espera que a ajude a desvendar um mistério.

    Zugay explica que tinha quase 12 anos quando se tornou uma refugiada e fugiu da ex-Iugoslávia com sua irmã mais velha, quando uma estranha lhes entregou um envelope no voo que seguia para os Estados Unidos, em 1999. A mulher as fez prometer não abrí-lo até que desembarcassem do avião.

    Mais tarde, as meninas ficaram chocadas ao descobrir um par de brincos e uma nota de US$ 100 dentro do envelope.

    Uma mensagem rabiscada do lado de fora do envelope foi assinada apenas com o primeiro nome – Tracy. E Zugay diz que está tentando encontrá-la por quase uma década.

    Envelope que Ayda Zugay recebeu de uma mulher quando tinha 12 anos
    Envelope que Ayda Zugay recebeu de uma mulher quando tinha 12 anos / Ayda Zugay / arquivo pessoal

    Ela quer que Tracy saiba o quanto esse presente significou. Ela imagina que para Tracy, ou para outras pessoas que ouvem a história, o envelope pode parecer um pequeno gesto.

    Mas Zugay diz que para ela e a irmã, que tinha 17 anos na época, foi muito mais do que um ato momentâneo de generosidade.

    Esse dinheiro, diz ela, ajudou a alimentá-las por um verão inteiro, enquanto as duas meninas se esforçavam vivendo com o irmão, que era um estudante universitário em Iowa. E ainda está moldando a maneira como as duas irmãs vivem suas vidas 23 anos depois.

    Em um vídeo que várias organizações de defesa de refugiados estão compartilhando nas mídias sociais, Ayda Zugay pede ajuda para encontrar a mulher por trás do envelope e sua mensagem de boas-vindas
    Em um vídeo que várias organizações de defesa de refugiados estão compartilhando nas mídias sociais, Ayda Zugay pede ajuda para encontrar a mulher por trás do envelope e sua mensagem de boas-vindas / Refugees International/Twitter

    Zugay olhou para o envelope em busca de dicas, perseguiu as pistas, lidou com dúvidas e chegou a becos sem saída. Ela entrou em contato com hotéis, companhias aéreas e empresas de turismo. Ela conversou com repórteres e postou sobre isso no Reddit.

    Mas até agora, ela diz que não encontrou Tracy. Então ela está tentando lançar uma rede mais ampla.

    Várias organizações de defesa de refugiados postaram um vídeo de Zugay compartilhando sua história no Twitter esta semana e estão pedindo ao público que entre em contato com qualquer pista.

    “Quero poder encontrar Tracy para agradecê-la por sua generosidade, por sua gentileza, por sua empatia e por acolher a minha irmã e eu”, diz Zugay, olhando para a câmera enquanto uma música toca ao fundo. “Eu queria saber se você poderia me ajudar a encontrá-la. Você já ouviu um membro da família, um amigo ou alguém compartilhar uma história semelhante a esta?”.

    Essa é uma história que Zugay contou muitas vezes. Mas ela ainda não sabe como isso termina.

    As pistas que iniciaram sua busca

    A mensagem que Tracy escreveu do lado de fora do envelope está em letra cursiva “para as garotas da Iugoslávia”.

    “Lamento muito que o bombardeio de seu país tenha causado problemas à sua família. Espero que sua estadia na América seja segura e feliz para vocês – Bem-vindas à América – por favor, use isso para ajudá-las aqui. A amiga do avião – TRACY”.

    O bilhete parece estar rabiscado em um envelope de hotel – possivelmente de algum lugar em que ela estava hospedada. No canto superior esquerdo, está impresso em azul “Holiday Inn Garden Court”.

    O envelope em si não é a única pista que Zugay tem. Ela diz que também conhece alguns outros detalhes do voo – alguns de suas próprias lembranças e alguns detalhes que sua irmã compartilhou.

    A Tracy que lhes deu o envelope estava viajando com uma amiga, diz Zugay, e ela acha que o nome dessa amiga também era Tracy.

    Para Zugay, elas pareciam ter idades entre o final dos 30 ou início dos 40 anos. Uma era uma morena e tinha o cabelo preso em rabo de cavalo. A outra tinha cabelos loiros e de comprimento médio. Ambas as mulheres carregavam raquetes de tênis que colocaram no compartimento superior do avião. Elas falavam sobre jogar tênis em Paris. E Zugay acha que elas poderiam morar em Minnesota, possivelmente a poucas horas do Aeroporto Internacional de Minneapolis-Saint Paul.

    Ela se lembra de ajudar as mulheres com tricô. Zugay não falava inglês na época, mas sua irmã mais velha conseguiu conversar mais.

    Em seu vídeo recente, é assim que Zugay descreve quem ela imagina que Tracy seja com base nas pistas que ela tem:

    “Tracy, neste momento, seria uma mulher de meia idade ou mais velha que é incrível no tênis e já tinha viajado para isso no passado. Ela teria vindo de Paris, onde ficou em um Holiday Inn e onde jogou tênis, para Amsterdã, onde nos encontramos naquele voo. Ela voou de Amsterdã para Minnesota, e isso aconteceu em 31 de maio de 1999”.

    Por que a mensagem significa ainda mais para ela agora

    Zugay ainda se lembra de como se sentiu na primeira vez que leu a mensagem no envelope. Ela notou que a palavra “segura” estava sublinhada.

    “Foi a primeira vez que senti, tipo, alívio. Este é um lugar seguro, e podemos construir um futuro aqui”, diz ela. “Acho que é por isso que a carta realmente ressoou em mim naquela época, porque passamos de um horror drástico para esse belo ato de bondade”.

    Sua irmã, Vanja Contino, não se lembra de muitos detalhes do voo em si. Mas ela diz que se lembra do momento em que abriram o envelope e encontraram os US$ 100 dentro.

    “Nós duas apenas olhamos uma para a outra, eu e minha irmã, e apenas nos abraçamos”, diz ela. “Porque era tudo o que tínhamos […] E foi incrível que alguém estivesse disposto a gastar tanto dinheiro conosco”.

    Zugay diz que o presente foi surpreendente em seus primeiros dias na América, mas só se tornou mais com o passar do tempo.

    “Na parte externa do envelope havia uma incrível mensagem de boas-vindas”, diz Zugay em seu vídeo recente. “Eu valorizo isso porque, com o passar do tempo, experimentei que na maioria dos espaços, boas-vindas como essa são muito incomuns”.

    Ela nunca esquecerá esse ato de generosidade. Mas ela também tem muitas outras memórias – histórias que são dolorosas para ela contar, sobre como foi recomeçar sua vida nos Estados Unidos.

    Como a mulher que uma vez se recusou a aceitar as moedas que ela e sua irmã tentaram usar para pagar algo em uma loja, dizendo a elas que não pertenciam aquele lugar.

    Como as pessoas que lhe disseram que ela deveria se autodeportar depois que Mitt Romney usou o termo durante um debate em 2012.

    Ou como aqueles que ela ouviu fazendo julgamentos injustos sobre se certos imigrantes merecem estar na América.

    Experiências como essas foram tão marcantes, diz Zugay, que durante anos ela não gostou de falar sobre ser refugiada. Ela fez aulas de redução de sotaque e fez tudo o que podia para se misturar.

    “Eu apenas tentei apagar toda a minha identidade para me sentir aceita”, diz ela, “apenas para perceber que isso nunca iria acontecer”.

    Para Zugay, o bilhete de Tracy é um “diamante no escuro” – e essa é uma grande razão pela qual ela o guardou e continua procurando pela mulher que o escreveu.

    Ela reinicia a busca todos os anos quando o Memorial Day se aproxima

    Zugay diz que reinicia sua busca por Tracy todos os anos próxima a data do Memorial Day, o aniversário de quando ela e sua irmã chegaram aos Estados Unidos. O Dia de Ação de Graças é outro momento em que ela frequentemente começa a procurar pistas novamente. A celebração anual da gratidão, diz ela, a faz refletir sobre como aquele momento de bondade moldou sua vida.

    “Eu tenho tentado fazer isso todo Memorial Day e todo Dia de Ação de Graças, tentando pesquisar, procurar online, alcançar pessoas diferentes e tentar estratégias diferentes”, diz Zugay.

    A cada tentativa vem uma mistura de emoções.

    “Definitivamente, é difícil voltar no tempo e viver essas experiências de novo”, diz ela.

    Às vezes, ela deseja ser mais como sua irmã, focada em prosperar no presente, em vez de viver no passado.

    Mas há algo sobre Tracy que ela não consegue abrir mão. Ela diz que a procurou tantas vezes e de tantas maneiras.

    Quando começou as buscas, ela não conseguia encontrar o envelope e temia que ele estivesse perdido para sempre. Então, ela confiou em detalhes vagos de sua memória para começar a procurar.

    Ela se lembrou das raquetes de tênis no compartimento superior, então ela buscou informações nas associações de tênis. Ela diz que tentou entrar em contato com a American Airlines também, com base em sua memória de um logotipo no avião. Mas não teve sorte.

    O envelope apareceu alguns anos depois, dando-lhe mais detalhes para investigar. Lá dentro, ela encontrou um itinerário manuscrito que ela acha que seu pai havia dado a elas antes de saírem de casa. Ele especificou uma companhia aérea e um número de voo diferentes – KL 655.

    Ela tentou entrar em contato com a companhia aérea KLM, mas chegou a outro beco sem saída.

    “Tentamos obter algumas informações sobre este caso, mas infelizmente a KLM não mantém nenhum dado de voo antigo, então foi impossível encontrar algo internamente”, disse a porta-voz da KLM, Ilse Heemskerk, em um e-mail à CNN.

    A companhia aérea compartilhou a história em seu blog há alguns anos, e algumas pessoas postaram alguns comentários. Vários observaram que é bastante provável que os clientes americanos no avião estivessem voando com a KLM em um voo codeshare [acordo no qual duas ou mais empresas aéreas compartilham o mesmo voo] com a Northwest Airlines. “Minneapolis era o hub da NW [Northwest Airlines]”, comentou uma pessoa. “Poderia estar voando para qualquer lugar no meio-oeste ou oeste dos EUA”.

    Zugay diz que ainda se pergunta se foi mesmo um voo da KLM, afinal.

    Foto recente mostra Vanja Contino e Ayda Zugay. As irmãs dizem que um envelope que receberam de um estranho com US$ 100 dentro ainda está moldando suas vidas, décadas depois
    Foto recente mostra Vanja Contino e Ayda Zugay. As irmãs dizem que um envelope que receberam de um estranho com US$ 100 dentro ainda está moldando suas vidas, décadas depois / Ayda Zugay / aquivo pessoal

    No Reddit, onde Zugay postou sobre o envelope várias vezes pedindo ajuda, ela encontrou uma comunidade de apoio que a encorajou e compartilhou suas próprias teorias.

    Se ela se lembra de alguma coisa sobre como era o avião? Se ela sabia se as mulheres jogavam tênis competitivamente? Que tal conversar com um repórter local em Minneapolis?

    As pessoas que comentavam no post rapidamente perceberam a data e lembraram que o Aberto da França seria disputado nessa época. Alguém sugeriu que ela entrasse em contato com empresas de turismo de tênis.

    Enquanto muitos responderam aos seus posts no Reddit com ideias de onde procurar, outros foram mais céticos. Um sugeriu que as chances de sucesso eram tão pequenas que sua energia seria mais bem gasta pagando a outra pessoa o bem feito por ela, em vez de tentar rastrear estranhos com tão poucas pistas.

    “As chances são muuuuito baixas e, ao mesmo tempo, não me sinto desencorajada”, escreveu Zugay em resposta. “Quero permanecer implacável o máximo que puder […] Elas nos deram nossas primeiras boas-vindas e nunca serão esquecidas. Quero que elas saibam como a história termina”.

    Vanja Contino, irmã de Zugay, agora tem 40 anos e é anestesista. Ela diz que receber aquele envelope quando chegaram aos EUA continua a moldar a maneira como ela vive sua vida. Ela tenta ser generosa e fazer o bem ao próximo sempre que pode.

    Zugay não falava inglês quando conheceu Tracy, pouco antes de seu aniversário de 12 anos. Ela tem 34 anos agora e adoraria conversar com Tracy em inglês – para contar a ela como ela trabalha com organizações sem fins lucrativos, cofundou uma empresa de consultoria e representa Massachusetts como delegada no Congresso de Refugiados.

    Ela encontra força ao compartilhar sua história.

    Agora, várias organizações de refugiados se juntaram na busca

    Quando Sarah Sheffer ouviu sobre a busca de Zugay, ela soube imediatamente que tinha que fazer o que pudesse para ajudar.

    Zugay estava falando em um congresso no outono passado, quando dezenas de milhares de afegãos começaram a chegar aos Estados Unidos depois da queda de Cabul.

    Muitos dos ex-refugiados que compartilharam suas histórias naquele dia mencionaram simples atos de bondade que permaneceram com eles por anos, diz Sheffer, diretora interina do Refugee Advocacy Lab e vice-presidente da Refugees International.

    “Os momentos mais permanentes de boas-vindas que os ex-refugiados no webinar refletiram foram realmente pequenos atos de bondade e generosidade – alguém dizendo ‘bem-vindo ao lar’ quando chegaram ao aeroporto, ou um vizinho que checou para ver se precisavam de alguma coisa”, diz Sheffer.

    E a história de Zugay, diz Sheffer, se destacou.

    “Temos que encontrar Tracy”, pensou Sheffer.

    Essa história poderosa, diz Sheffer, é mais importante agora do que nunca, com o número de refugiados deslocados no mundo atingindo um recorde histórico.

    O vídeo ainda não ganhou muita força nas redes sociais desde que várias organizações e defensores de refugiados o compartilharam esta semana. E Sheffer diz que até agora nenhuma pista apareceu no e-mail da organização. Mas ela sabe que é cedo, e você nunca sabe quem pode, sem querer, ver uma postagem no Twitter.

    Ao compartilhar o vídeo, Sheffer diz que as organizações com as quais trabalha esperam não apenas encontrar Tracy, “mas mostrar que um pequeno ato de boas-vindas realmente tem o poder de mudar o curso da vida de alguém”.

    Uma pista em falso, mas ela permanece esperançosa

    Zugay diz que uma possível pessoa que combinava as características surgiu há vários anos, quando ela compartilhou sua história com um repórter do Minneapolis Star Tribune: uma mulher chamada Tracy, que jogava tênis, havia viajado por esse caminho no passado e até viajou com uma amiga chamada Tracy também.

    Mas essa Tracy não se lembrava de ter conhecido Zugay e sua irmã, nem de ter escrito o bilhete, nem de ter dado 100 dólares a refugiados em um avião. Ela pediu à amiga para ter certeza e soube que a viagem que elas fizeram de Amsterdã a Minneapolis não foi em 1999.

    Zugay ainda tem a mensagem de texto: “Minha amiga, Tracy, confirmou que não era nenhuma de nós… boa sorte com a missão, no entanto”.

    Ainda seria possível que fosse a Tracy certa?

    Zugay diz que pensou assim a princípio, mas saber que as mulheres não viajaram em 1999, afinal, a convenceu de que a Tracy que ela estava procurando ainda está por aí em algum lugar.

    “Acho que não encontramos a Tracy […] Sinto que alguém se lembraria de algo assim”, diz Zugay.

    Ela espera que o vídeo tenha um público maior online e possa levá-la a novos caminhos que ela nunca havia enxergado antes.

    “Achei que talvez o alcance tivesse que ser mais amplo para poder encontrar aquela Tracy”, diz ela. “E talvez a Tracy não ouça, mas uma amiga sim, e ela se lembra da história”.

    Claro, existem muitos obstáculos que estão no caminho.

    Alguns dos detalhes sobre Tracy podem ter se perdido no tempo ou na tradução.

    Zugay sabe que ela pode nunca encontrar Tracy. Ela também tem conhecimento de que Tracy pode não querer ser encontrada.

    Ainda assim, Zugay diz que vale a pena continuar tentando.

    Talvez Tracy veja essa história.

    Ou talvez Zugay não precise encontrar Tracy para que sua busca seja bem-sucedida.

    Zugay se lembra de uma das respostas do Reddit que ela recebeu anos atrás. Foi linda, ela diz – outro diamante no escuro.

    “Eu não posso te ajudar nessa busca, mas você pode me dizer como eu poderia ser uma Tracy para alguém que vem ser meu novo vizinho/cidadão/amigo?”.

    Talvez, mais pessoas ouçam sobre a Tracy e se esforcem para serem acolhedoras também.

    E talvez algum dia, mensagens como a que Tracy escreveu não sejam tão raras.