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    A política de ajuste do salário mínimo precisa ser repensada

    A literatura econômica é incrivelmente dúbia sobre os resultados de impacto do salário mínimo, com resultados robustos tanto para indicar aumento quanto queda de emprego

    Sergio Valeda CNN

    A sinalização do governo de elevar o salário mínimo para R$ 1.294 em 2023 trouxe à discussão novamente o papel dessa importante variável do ponto de vista fiscal e econômico. Se, de um lado, o controle do aumento real do mínimo ajudou a segurar o impacto no gasto público, já que boa parte da Previdência Social é paga atrelada ao mínimo, por outro tem o impacto na economia ao diminuir o poder de consumo da população.

    O salário mínimo é importante pois baliza o salário de quase 60 milhões de pessoas e ao vermos que haverá queda real do mesmo ao longo do governo Bolsonaro, algo inédito desde os anos 1990, notamos o impacto que isso pode ter para o poder de compra da população (gráfico 1).

    Gráfico 1- Salário mínimo em reais (a preços de março de 2022)
    Gráfico 1- Salário mínimo em reais (a preços de março de 2022) / CNN

    A literatura econômica é incrivelmente dúbia sobre os resultados de impacto do salário mínimo, com resultados robustos tanto para indicar aumento de emprego quanto queda de emprego. Mas algumas lições podem ser tiradas, pois o caso brasileiro tem especificidades que não existem lá fora.

    Primeiro, o salário mínimo brasileiro é muito próximo da média salarial nacional e está em torno de 50%. Quando se sobe o salário mínimo acaba havendo impacto na média nacional com mais intensidade e isso pode levar a impacto negativo no emprego como alguns estudos mostram. Isso porque o aumento do salário mínimo acima da produtividade acarreta pressão de custos para as empresas e eventualmente aumento de demissões.

    Esse cenário foi mais comum quando o salário mínimo subia em termos reais acima da produtividade brasileira, o que não tem ocorrido nos últimos anos. Mas é um elemento a se preocupar em uma eventual revisão do cálculo de ajuste do mínimo.

    Segundo ponto refere-se à Previdência. O salário mínimo é atrelado a boa parte do que é pago de aposentadoria à população mais pobre, dado que o piso é o próprio mínimo. Quase metade da população que recebe esse salário é de aposentados. Qualquer política pública que venha a mudar sua fórmula de reajuste precisa pensar também sobre as consequências fiscais, o que torna o assunto ainda mais difícil pelo impacto que causa depois de uma reforma da previdência intensa que tivemos em 2019.

    Terceiro ponto é que dado o caráter inercial de nossa inflação ainda muito presente, os reajustes do salário mínimo são mais frequentes do que se vê acontecer em outros países, especialmente desenvolvidos e olhando mais o passado do que o futuro. Era assim, por exemplo, no mecanismo que era usado até alguns anos atrás de reajustar o salário mínimo pelo INPC do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes.

    Ao invés disso, o ajuste do mínimo deveria acompanhar algum critério de evolução da produtividade estimada do ano de vigência do salário, o que é mais difícil de fazer, mas mais correto do ponto de vista econômico.

    Por fim, há uma questão importante que apareceu na literatura de salário mínimo, especialmente americana, que se refere ao poder de monopsônio das empresas contratantes. Em geral falamos de monopólio, que é o poder concentrador de venda, mas existe também o monopsônio, que é o poder concentrador de comprar. Nos últimos anos, com o fortalecimento das grandes empresas americanas, esse poder cresceu e fez com que os salários fossem ajustados aquém do que poderiam simplesmente pelo poder concentrador de contratação dessas empresas.

    Isso tem sido usado como referência para justificar o ponto de aumentar o mínimo sem causar impacto no emprego e no lucro das empresas: elas teriam espaço para absorver isso. Não está claro ainda esse impacto no caso brasileiro em que esse poder de monopsônio não é tão claro e em cima de um salário que é determinado todo ano pelo governo (diferente do caso americano que está com o salário mínimo apenas agora em discussão de ajuste). Ajustar o mínimo de forma coerente impediria o comportamento de empresas predatórias na contratação.

    Todos esses elementos tornam a questão do salário mínimo muito difícil de ser resolvida no caso brasileiro. Seu papel na queda da desigualdade de renda foi essencial, mais até do que o Bolsa Família. Mas desconsiderar os impactos fiscais e uma boa fórmula que englobe os ganhos de produtividade é um desafio para o próximo governo.

    Baseando-se na ideia de que o mínimo teria que ser ajustado pela produtividade a referência fica evidente sobre o impacto de quem está no mercado de trabalho.

    Não faz sentido ajustar salário por produtividade para quem está aposentado. Neste caso, haveria uma justificativa técnica de separar os salários, criando-se um salário mínimo de Previdência que seria reajustado de forma diferente, talvez pela inflação do ano anterior. Dessa forma damos sentido econômico correto para o mínimo e não impactamos a Previdência. Mas, de novo, não será simples. Desatrelar o salário mínimo da previdência talvez seja o passo politicamente mais desafiador.
    Enquanto isso, por conta do peso fiscal da previdência, deixamos de ajustar o mínimo com mais coerência econômica. Perdem todos no final.

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