Ao tirar o foco de Kiev, saiba qual é a estratégia militar da Rússia agora
Segunda fase da invasão inclui ofensiva no leste de Donbass e visa progresso tangível até 9 maio, quando russos celebram Dia da Vitória contra Alemanha nazista
A segunda fase da invasão russa da Ucrânia – uma ofensiva na região leste de Donbass – está em andamento. A questão é se essa será mais bem-sucedida e competente do que a fase um, e se a Ucrânia terá tropas e armas suficientes para impedir ou mesmo bloqueá-la.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, disse na terça-feira (19) que a operação em Donbass é “um momento muito importante de toda essa operação especial”.
O objetivo russo é claro e publicamente declarado: garantir as regiões orientais da Ucrânia de Donetsk e Luhansk – partes das quais os separatistas apoiados pela Rússia controlam desde 2014. Um segundo objetivo é esmagar o que sobrou da resistência na cidade portuária de Mariupol para consolidar uma ponte terrestre ligando a região russa de Rostov à Criméia, que a Rússia tomou da Ucrânia há oito anos.
Para esses fins, as forças russas que foram destacadas ao norte e leste de Kiev foram redistribuídas e, em alguns casos, reconstituídas após sofrerem pesadas perdas.
Agora, essas forças – e novas unidades – estão se juntando na Ucrânia a partir do nordeste do país. Autoridades dos Estados Unidos estimam que a Rússia mobilizou cerca de 78 batalhões de grupos táticos no leste da Ucrânia – provavelmente cerca de 75 mil soldados. Outros mais estão sendo montados nas regiões fronteiriças russas.
Até agora, suas táticas foram tiradas diretamente do manual russo: uso maciço de artilharia, sistemas de foguetes e mísseis seguidos pelo avanço de blindados. Cidades em Luhansk, como Severodonetsk, Popasna e Rubizhne, foram reduzidas a escombros, com fornecimento de energia, gás e água sendo destruídos.
Mas o progresso russo por chão tem sido modesto. Isso pode ser resultado de não ter tido tempo para se reagrupar após ataques que levaram em fevereiro e março.
O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês) diz que “as forças russas não fizeram a pausa operacional que provavelmente era necessária para reconstituir e integrar adequadamente as unidades danificadas retiradas do nordeste da Ucrânia nas operações no leste da Ucrânia”.
Autoridades dos EUA avaliaram que a Rússia perdeu até 25% do poder de fogo de combate que tinha antes da invasão.
Cercando Donbass
A análise da CNN de imagens de satélite, dezenas de vídeos de mídia social e as declarações de ambos os lados sugerem que os russos estão tentando avançar em três eixos.
Imagine Donbass como um quadrado: as forças russas já alcançaram três lados – deixando apenas o oeste aberto aos ucranianos para reforços e, se necessário, recuo.
Do sul e do leste, as unidades russas avançaram apenas alguns quilômetros neste mês, na melhor das hipóteses. No sul, eles já haviam feito progressos na região de Zaporizhzhia, vizinha de Donetsk. Esta semana, eles começaram a bombardear vilarejos dentro de Zaporizhzhia.
Do norte, depois de tomarem a cidade de Izium no início deste mês, eles fizeram pouco progresso.
O que não está claro neste estágio é se os russos podem e vão mudar de estratégia, e se uma ofensiva melhor coordenada está a caminho. O relatório de Kiev sugere o contrário, mas as autoridades dos EUA acreditam que, por enquanto, a Rússia ainda está realizando “operações de modelagem […] para garantir que tenham logística e sustentação no lugar”.
Mesmo assim, o Instituto para o Estudo da Guerra avalia que “é improvável que os militares russos tenham abordado as causas básicas – má coordenação, incapacidade de conduzir operações entre países e o estado de espírito enfraquecido – que impediram ofensivas anteriores”.
Táticas ucranianas
Os ucranianos se mostraram estrategistas astutos neste conflito, cedendo território para preservar recursos, mas usando seu conhecimento da terra e sua mobilidade para infligir perdas às unidades russas.
Esta semana, unidades ucranianas se retiraram da cidade de Kreminna, na região de Luhansk, quando confrontadas com um poder de fogo esmagador.
Agora, precisam decidir se vão montar defesas estáticas, o que pode levar à destruição ou ao cerco de unidades diante da artilharia, foguetes e ataques de blindados da Rússia. A alternativa é a defesa móvel – lutando e retirando-se de terrenos menos vitais, atingindo os russos enquanto eles recuam e, em seguida, mantendo suas linhas em terreno de sua escolha.
Simultaneamente, os ucranianos tentarão interromper as linhas de suprimentos russas – semeando confusão enquanto desafiam a logística e o ânimo russos. E o ânimo em algumas unidades russas – redistribuídas para sua segunda ofensiva em tantos meses – pode ser frágil.
Um dos alvos russos é a cidade de Sloviansk, mas o território ao redor inclui florestas, rios e pântanos – difíceis de transitar e exigindo equipamentos especializados. Onde os russos estão presos às estradas, como ficou claro ao norte de Kiev, eles são mais vulneráveis tanto aos drones ucranianos quanto aos mísseis antitanque leves.
Os ucranianos também não estão apenas na defesa; nos últimos dias, pequenas unidades obtiveram ganhos modestos ao leste e ao sul de Kharkiv, potencialmente ameaçando as linhas de suprimentos russas. Se eles puderem sustentar isso, os russos teriam que dedicar unidades para proteger essas linhas.
Já existem sinais de que as forças especiais ucranianas estão operando atrás das linhas russas: na semana passada, uma ponte rodoviária em uma rota principal da Rússia foi explodida. Também houve danos inexplicáveis em uma ponte ferroviária dentro da Rússia, na orla de Belgorod. Os militares russos dependem das ferrovias para grande parte de sua logística. Nesse aspecto da batalha, o apoio da inteligência ocidental pode desempenhar um papel crítico.
Outro aspecto importante da luta que está por vir é cultural. As unidades ucranianas gozam de alguma autonomia e são encorajadas a explorar as oportunidades no campo de batalha. Mesmo na ausência de uma direção ou ordens claras, eles têm motivação para lutar. Em contraste, a cadeia de comando russa é rígida e a cultura não encoraja o empreendimento.
Mesmo assim, os ucranianos também enfrentam riscos consideráveis. Eles estão lutando, essencialmente, dentro de uma caixa que poderia fechar se os russos tivessem sucesso em uma ou mais direções. Eles terão que manobrar com inteligência como fizeram em Kiev, constantemente alertas para o risco de serem cercados.
Se Mariupol cair, os russos podem redirecionar as forças que se dedicaram a esse ataque, mas elas foram degradadas e estão exaustas por quase dois meses de combate.
Acima de tudo, em uma corrida contra o tempo, a Ucrânia precisa de um constante reabastecimento de armas e munições, muitas das quais devem agora vir de fora do país através de uma longa linha de abastecimento vulnerável a ser interditada. Eles precisam de mais armas antitanque e defesas aéreas móveis.
Os contra-ataques para interromper a ofensiva russa precisariam ser protegidos do ar.
Na terça-feira, um funcionário do alto escalão dos EUA disse que Washington estava trabalhando “ininterruptamente” para levar armas para a Ucrânia em uma velocidade “sem precedentes”. Os Estados Unidos já autorizaram US$ 2,3 bilhões em remessas de armas e equipamentos para a Ucrânia desde a invasão.
“O que é inédito aqui é a quantidade de envios sucessivos que estamos movendo nessa velocidade”, disse o funcionário.
Visando o ‘Dia da Vitória’
Há rumores de que o Kremlin deseja um progresso tangível até 9 de maio, quando a Rússia comemora o Dia da Vitória, que marca a derrota da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. No ritmo atual de progresso, isso parece improvável. Uma questão muito maior é se esse conflito se estende até o verão, em uma terrível guerra de desgaste.
Os militares russos teriam que alternar unidades, com reservas limitadas, para sustentar um conflito que já atingiu suas forças terrestres. Seu cálculo (e a estratégia política do Kremlin) será afetado pela eficácia da resistência ucraniana e pela capacidade dos governos ocidentais de fornecer mais e melhores equipamentos à Ucrânia.
Escrevendo para o War on the Rocks, Jack Watling, do Royal United Services Institute, em Londres, disse: “o desafio da Ucrânia comprou tempo e oportunidade não apenas para evitar mais ganhos russos em Donbass, mas também para moldar a batalha além disso. Se os aliados da Ucrânia agirem hoje, eles podem deter ou, pelo menos, se preparar para a ofensiva no verão”.
Há uma urgência sobre o reabastecimento. Na semana passada, o governo Biden autorizou outro pacote de segurança de US$ 800 milhões, que incluía radares de artilharia e antiartilharia. Na terça-feira, o presidente indicou que mais está por vir.
A Ucrânia exigirá ferramentas ofensivas para punir qualquer vulnerabilidade nas linhas russas, e isso inclui blindagem pesada (como tanques prontos para a batalha), bem como uma série de outros sistemas.
Watling diz que não há tempo a perder. “Fornecer à Ucrânia sistemas táticos de defesa aérea móvel, como o National, permitiria à Ucrânia manobrar perto da fronteira russa e retomar cidades enquanto ataca as linhas de suprimentos russas”.
O National – ou NASAMS – é um sistema de mísseis terra-ar avançado e móvel.
Os governos ocidentais entendem que este é um momento crítico: elevar o custo da “operação militar especial” da Rússia ao ponto de torná-la inacessível. Os ucranianos estão clamando por mais e melhores armas, especialmente enquanto tentam manter sua força aérea voando.
Ainda em menor número e desarmados, eles precisarão de agilidade, determinação e reforços para evitar a segunda fase da guerra de Vladimir Putin contra a Ucrânia.
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