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    Interrompidos pela pandemia, 780 dias depois, Carnaval volta à Sapucaí

    Gabriel David, diretor da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), fala à CNN sobre retomada dos desfiles, Covid e a vontade de rejuvenescer a folia

    Leandro Resendeda CNN

    Enfim a sirene irá tocar às 21h desta quarta-feira (20), anunciando ao mundo que, 780 dias depois, o Carnaval das Escolas de Samba está de volta e a Marquês de Sapucaí vai ganhar cor, com cara nova e planos para o futuro.

    Adiado pela pandemia, os desfiles vão para rua agora após meses de intensos debates e negociações nem sempre simples nos bastidores da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) e na relação com o poder público.

    Sem plumas e lugar de destaque nas alegorias, vez ou outra empunhando um repique em suas bombadas redes sociais, o diretor de marketing da Liga, Gabriel David e um dos principais articuladores, conversou com a CNN, falou de novidades, da relação da festa com a contravenção e da pandemia.

    Filho de Anísio Abraão David, presidente de honra e mecenas da Beija-Flor de Nilópolis, David tem 24 anos e se sentou à mesa para tentar mudar a cara do Carnaval com septuagenários e octogenários que há anos ditam os rumos da festa. “Nenhuma instituição tem um choque de gerações tão grande como a Liesa”, afirma. Eis os principais trechos da conversa.

    CNN: Quem chegar para assistir a Em Cima da Hora (escola que abre os desfiles da série Ouro nesta quarta-feira) vai encontrar o que de diferente?

    Gabriel David: Tem dois pontos muito diferentes: a iluminação da avenida está bem diferente, e toda a operação de alimentos e bebidas está modificada. Antigamente as lanchonetes compravam um espaço e faziam o que queriam: tinha marca de hambúrguer, pizza, tudo. Agora, não: é uma fornecedora de alimentos só, que levará a marca Rio Carnaval. Agora todas as escolas vão ganhar com a venda de comida e bebida. Está mais organizado, vai ser melhor para o espectador.

    No Carnaval de fato, em fevereiro, o único lugar vazio da cidade foi a Sapucaí, e ainda vivíamos a Ômicron. Isso porque tivemos blocos lotados pela cidade e várias festas realizadas. Valeu a pena adiar?

    Sim. No dia 27 de fevereiro, o Rio teve o pico de mortes na onda provocada pela Ômicron, era o meio do Carnaval. Isso seria muito negativo, mas nós sofremos porque este é o preço do sucesso. Pagamos o preço na opinião pública dos eventos menores que de fato estavam todos liberados. Hoje, a gente está muito mais seguro de que estamos em um ambiente normal. Tinham festas, mas olha a faixa etária de quem desfila: tem baiana, velha guarda. Hoje estamos mais seguros.

    Como foi a relação com a Liga de São Paulo? As escolas do grupo especial das duas cidades desfilam no mesmo dia. Isso prejudicou quem trabalha em agremiações?

    Eles tentaram se sobrepor ao Carnaval do Rio, foi um erro estratégico deles de colocar o grupo especial no mesmo dia que o nosso. Agora você escuta falar pouco do Carnaval de São Paulo. Quando a pandemia impediu o Carnaval em 2021 e 2022, qual foi a imagem divulgada para o mundo? A Sapucaí vazia. Temos que trabalhar para o Carnaval de rua, de São Paulo, ser grande como um todo.

    Como atuar no marketing e tentar mudar uma instituição – a Liesa – que foi fundada por contraventores e vira e mexe muda as regras do jogo, com as viradas de mesa?

    Nós temos arte de sobra, público – que precisamos rejuvenescer – e estamos num caminho tecnológico. Estamos ficando menos arcaicos. Os ingressos eram vendidos por fax, hoje aceitamos pix, cartão de crédito. Temos uma marca própria, conseguimos uma inserção digital muito boa. Mas é fato que a Liesa perdeu credibilidade com essas viradas de mesa (mudança no resultado final do desfile, com impedimento de rebaixamentos de escolas do Grupo Especial para Série Ouro).

    Posso cravar que a era das viradas de mesa acabou na Liesa?

    Não depende de mim. Mas acredito de verdade que isso não vai mais acontecer.

    O jogo do bicho, a contravenção comandando os destinos das escolas, dos desfiles e da Liga. Acabou essa era também?

    Se o Carnaval tem hoje o tamanho que tem, o protagonismo mundial que ganha sobretudo a partir dos anos 1990, isso se deve à contravenção. Essa visibilidade toda vem de um trabalho sério e muito bem feito em prol do sambista. Mas hoje é uma outra sociedade, outro momento. Não se pode apagar o que foi feito no passado, mas hoje são necessárias pessoas totalmente focadas no Carnaval.

    As escolas se sustentam sem o dinheiro dos contraventores?

    Há muito tempo. As escolas fazem um trabalho magnífico nas comunidades, com trabalho social amplo – é a razão de ser delas. Os produtos são vendidos ao longo do ano todo. O meu trabalho é fortalecê-las com novos produtos – os minidesfiles que fizemos para marcar a abertura do Carnaval, por exemplo, são dessa realidade. E eles voltam em 2023, para abrir o Carnaval na cidade.

    Você “bomba” nas redes sociais e se relaciona com muitos famosos, muita gente que não é do samba, inclusive. Isso gera receio?

    Um dos meus grandes objetivos é rejuvenescer a Liga e apresentar o Carnaval para novos públicos. Por isso a gente precisa de uma linguagem mais próxima das gerações mais novas, ter uma inserção digital forte e conseguir um discurso contra quem ainda critica o Carnaval.

    Quando você chegou na Liesa, deu uma entrevista sugerindo mudar o lugar dos desfiles e acabar com a linearidade, essa ideia de a escola seguir uma ordem enquanto está na avenida. Ainda pensa o mesmo?

    O objetivo não é necessariamente mudar o Sambódromo de lugar, mas melhorá-lo. São ideias que estão postas na Liga. A gente ainda tem muita coisa pra evoluir nesse sentido. Preciso me preocupar com o Sambódromo. É uma área da prefeitura e o Eduardo Paes fez obras neste ano, mas ainda precisa muito ser feito para que esteja preparado. Hoje, como é, o espaço limita a capacidade do carnavalesco e sua arte.

    O que faltou melhorar?

    Queria ter feito mudanças mais radicais nas vendas dos ingressos e gerar mais conteúdo digital. Mas por conta da Ômicron, ninguém queria se associar ao Carnaval. Eu queria ter trocado todos os formatos de eventos da Liga. De pouco em pouco, a gente batalha no dia a dia. Eu tenho que tentar mudar tudo, para conseguir o mínimo e fortalecer as escolas.

    Você é declaradamente Beija-Flor, nem teria como não ser. Não levanta suspeita de que, nos bastidores, você possa dar uma forcinha para sua escola?

    Eu sempre deixei muito claro, como torcedor da Beija-Flor, que todas as escolas estejam bem. Que a minha escola seja campeã todo ano, mas as outras estejam muito fortes, fazendo os seus melhores carnavais. Luto por isso. E se eu tiver que prejudicar uma para que todas as outras fiquem mais fortes, farei. E já aconteceu.

    Como?

    A Beija-Flor e a Mangueira são as que levam mais torcida, e sempre venderam seus produtos. As escolas menores não conseguiam levar camisa, copo, nada. Um torcedor da São Clemente, por exemplo, ia torcer e não encontrava uma camisa. Agora, não: vamos vender produtos de todas as escolas, com igualdade de condições para todas.

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