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    Alta de fertilizantes prejudica setor no Brasil, mas é oportunidade de expansão

    Produção nacional corresponde a 15% do total consumido, e três empresas controlam mais de 70% do setor

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    A guerra entre Ucrânia e Rússia afetou os preços de uma série de produtos, entre eles os fertilizantes, com um impacto ainda maior para países que importam a maior parte do que consomem, caso do Brasil. Essa alta acaba refletindo nos alimentos, piorando o quadro inflacionário.

    Atualmente, cerca de 85% dos fertilizantes usados no país são importados, e dados da consultoria Globalfert apontam que 23% desse total vem da Rússia. A Ucrânia também é um fornecedor relevante, assim como Belarus, que também está envolvido no conflito, piorando o cenário.

    Especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business apontam, porém, que por mais que o setor de fertilizantes brasileiro deva enfrentar dificuldades no curto prazo, a guerra gerou uma oportunidade de crescimento ao deixar à tona uma vulnerabilidade do país.

    Cenário brasileiro

    Diretor-executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert), Bernardo Silva, afirma que o setor de fertilizantes no Brasil possui hoje uma capacidade instalada de 13,95 milhões de toneladas por ano, mas produz efetivamente cerca de 6 milhões.

    Segundo ele, existem alguns fatores que explicam essa diferença, mas o principal é a falta de competitividade dos projetos nacionais em relação ao exterior.

    “Enquanto temos no país um ambiente institucional competitivo que privilegia e subsidia importação, as empresas alocam seus recursos seguindo esse cenário de competitividade e rentabilidade”, diz.

    As grandes produtoras de fertilizantes são multinacionais e, portanto, alocam recursos para produção em determinados países de acordo com o grau de rentabilidade. Se compensar mais produzir fertilizantes em um país e então exportar para o Brasil, esse é o caminho seguido.

    Silva também cita outras questões, como custos de produção e de maquinário elevados com problemas de logística, preço alto de energia elétrica —essencial na produção de fertilizantes— e um “olhar de curtíssimo prazo” que privilegiou e incentivou a importação por ser mais barata.

    Juliana Lemos, analista-chefe do Globalfert, afirma que existem dois tipos de empresas no setor de fertilizantes. As produtoras, que se encarregam das matérias-primas, geralmente nutrientes como nitrogênio, potássio e fósforo, usadas em fertilizantes. E as misturadoras, que compram esses nutrientes prontos e “montam” os fertilizantes. É comum também que existam empresas que realizem as duas atividades.

    Em 2021, o total de importação de fertilizantes, prontos ou para serem misturados, foi de 34,7 milhões de toneladas, cerca de 85% do total negociado, o que indica a força das misturadoras no país.

    “O Brasil é uma potência agrícola, então usamos a maioria dos tipos de fertilizantes que existem”, diz. O tipo depende principalmente das características do solo e da cultura que será plantada.

    Lemos diz que o Brasil produz principalmente potássio, usado em uma série de fertilizantes, mas que mesmo assim não é o suficiente para atender à grande demanda do agronegócio.

    Um estudo do Globalfert aponta que, em 2021, pouco mais de 70% do mercado de fertilizantes NPK (que contém nitrogênio, fósforo e potássio) do Brasil era controlado por três empresas.

    A maior, com 28%, é a Mosaic, originária dos Estados Unidos. Em seguida vem a Yara, empresa de origem europeia, com 23%, e a Fertipar, com 22%, uma das poucas grandes empresas do setor que ainda é nacional, fundada no Paraná.

    O peso de empresas estrangeiras vai além das duas maiores do setor. A suíça Eurochem, por exemplo, adquiriu entre 2020 e 2021 duas grandes companhias nacionais, a Fertilizantes Tocantins (13%) e a Heringer (4%). Ainda há a Cibra, com 5% de participação, e que faz parte do grupo norte-americano Omimex.

    Segundo Lemos, as aquisições recentes da Eurochem tornaram o mercado ainda mais concentrado, o que é uma característica comum em todo o mundo devido ao alto investimento que a obtenção de matérias-primas demanda.

    Das três maiores empresas, a Mosaic e a Yara atuam como misturadoras e produtoras, enquanto a Fertipar é apenas misturadora. Ao todo, são 513 unidades de mistura espalhadas pelo Brasil.

    Para Juliana Lemos, a dependência de importações do Brasil é um “problema antigo”. “Teve influência do baixo investimento em indústria ao longo de muitos anos, falta de incentivo, não ter direcionamento claro até por parte de governos sobre a importância no Brasil”.

    “Temos produção agrícola há muito tempo, mas o crescimento exponencial foi rápido e recente, não estávamos preparados para toda essa demanda”, acrescenta.

    Efeitos da guerra

    Para o diretor do Sinprifert, a guerra na Ucrânia atingiu um setor já pressionado no Brasil, com margens “apertadíssimas”. Ele avalia que o aumento de preços dos fertilizantes não deve se traduzir em um lucro maior porque os custos também aumentaram, em especial de energia e transporte devido às altas do petróleo e do gás natural.

    Ele aponta, porém, uma possibilidade de aumento de mercado, ou seja, aumentar a produção e se aproximar mais dos 13 milhões de toneladas potenciais, já que o cenário deve gerar uma redução nas importações, abrindo janelas de oportunidades.

    A combinação de todos esses fatores deve levar a um “aumento de participação, mas não de receita”.

    Juliana Lemos avalia que a demanda do agronegócio por fertilizantes está bastante favorável no Brasil, o que é positivo, mas também gera um “desafio monstruoso” de manter o fornecimento de matérias-primas para atender ao setor.

    Isso exigirá a criação de novos contratos, rotas de transporte e também novos fornecedores, mas atualmente são poucos países com capacidade para expandir a produção e atender mais mercados.

    “A expectativa é de mais vendas, mas é um grande desafio. Vai demandar estratégias certeiras para garantir o fornecimento”, diz.

    Ao mesmo tempo, ela acredita que a guerra deve fortalecer uma tendência de diversificação de fontes de fertilizantes, com aumento de alternativas como orgânicos e organo-minerais, mas não a ponto de suprir toda a demanda do agronegócio brasileiro.

    Bernardo Silva afirma que o cenário atual de elevação de preço dos fertilizantes, que na verdade começou na pandemia com o descompasso entre oferta e demanda, não é problema real do setor, mas ajudou a escancará-lo.

    O setor ficou no olho do furacão, mas há décadas já falávamos sobre isso. A resolução do curtíssimo prazo é algo que um setor como o nosso não olha porque não é o problema real. Só vai ter um equilíbrio saudável se começar a no curtíssimo prazo implementar medidas de longo prazo

    Bernardo Silva, diretor-executivo do Sinprifert

    “Se quiser resolver só essa questão pontual, é só perpetuar, só irá atrás de outros fornecedores e diluir esse risco [de quedas no fornecimento]”, diz.

    Nesse sentido, ele vê o lançamento do Plano Nacional de Fertilizantes pelo governo federal como um “passo realista” em direção a uma mudança verdadeira para o setor.

    Potencial

    A analista-chefe do Globalfert afirma que ainda é difícil entender qual é o potencial real do setor de fertilizantes no Brasil pensando na expansão de uma produção nacional, já que faltam estudos e um mapeamento detalhado de reservas minerais.

    Ela avalia que o plano divulgado pelo governo “é para daqui a 30 anos, e não deve dar independência total, mas pode levar a uma mobilização maior”.

    Segundo Bernardo Silva, o plano trouxe um diagnóstico aprofundado da situação atual do setor, com metas para o médio e longo prazo. O objetivo é reduzir a dependência brasileira de importações para cerca de 45% ou 50% do total até 2050.

    Ele diz que cada um dos três macronutrientes acabou tendo uma projeção diferente de alta de produção, que leva em conta as disponibilidades de obter as matérias-primas no Brasil. No caso dos nitrogenados, por exemplo, a importação poderia ser reduzida de 93% para 51%, e no caso dos fosfatados, de 78% para 5%.

    Para atingir isso, ele considera que o principal é “termos um ambiente de isonomia, um campo de jogo nivelado entre importação e produção nacional. Hoje não tem porque há subsídios, incentivos e desoneração à importação”.

    Como exemplo, ele cita a cobrança de ICMS sobre fertilizantes, que é praticamente isenta para importados e de cerca de 8,4% para a produção nacional. Também defende medidas como linhas de financiamento específicas para o setor, com taxas mais competitivas, e a implementação de medidas como o Marco do Gás para reduzir o preço da commodity.

    “É uma questão de resolver infraestrutura e logística, assim como acesso e disponibilidade de matérias-primas. Dar mais agilidade nos processos de licenciamento ambiental, projetos hoje parados nessa etapa, e não é diminuir exigências, é melhorar a burocracia”.

    “Um olhar de curtíssimo prazo permeou as políticas públicas nos últimos 25 anos, sempre olhou pelo caminho mais curto e fácil, de importar, e agora vemos que isso não trouxe os resultados esperados”, afirma.

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