Conheça os enredos das escolas de samba de SP e prepare-se para o Carnaval
De homenagens a escritora e influencer, a manifestos contra o racismo e a discriminação, os temas das agremiações paulistanas prometem retorno histórico no Sambódromo do Anhembi após dois anos
Após dois anos em silêncio, os tambores voltarão a rufar no Sambódromo do Anhembi, na Zona Norte de São Paulo, a partir do dia 22 de abril, com os desfiles das escolas de samba do grupo especial do Carnaval.
Entre idas de vindas, as avenidas seriam preenchidas inicialmente com carros alegóricos e fantasias nos dias 25 e 26 de fevereiro. Entretanto, o aumento de casos de Covid-19 e o avanço da variante Ômicron adiaram a festa para o feriado de Tiradentes, em decisão conjunta com o Rio de Janeiro.
Com homenagens à fé nos orixás, aos antigos carnavais, a personalidades negras e manifestos contra o racismo e discriminações, as histórias que serão contadas na avenida são variadas, mas buscam o mesmo objetivo: a vitória.
Protocolos sanitários
Para a entrada no evento, a Prefeitura de São Paulo exige o passaporte vacinal, com ao menos duas doses; disponibilização de álcool em gel para higienização das mãos; medidas para adequação do ar em ambientes fechados, que sejam climatizados ou não, para minimização dos riscos de infecção.
Ainda solicitam o maior número possível de acessos de entradas e saídas de público, para que ocorram de maneira escalonada, sem provocar demais aglomerações.
Conforme adiantado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), em entrevista à CNN, em 17 de março, os componentes estão dispensados da utilização de máscaras.
A decisão ocorreu após o poder municipal retirar a obrigatoriedade da utilização da medida de proteção contra o coronavírus em locais fechados, estabelecida depois do parecer do então governador de São Paulo, João Doria (PSDB). A liberação para ambientes externos aconteceu em 9 de março.
Anteriormente, no primeiro protocolo definido em janeiro, era necessária a utilização de máscaras para o público e membros das agremiações carnavalescas.
Veja o que pode e não pode entrar no Sambódromo do Anhembi:
O que pode entrar
- Mochila;
- Capa de chuva;
- Bandeira sem mastro.
O que não pode entrar
- Substâncias tóxicas;
- Fogos de artifício;
- Papel em rolo (jornais, por exemplo);
- Balões em geral;
- Armas de fogo, branca ou de qualquer espécie;
- Comidas e bebidas em geral;
- Bandeiras com mastro;
- Guarda-chuvas.
Crianças menores de 6 anos não podem entrar. Entre 6 e 12 anos devem estar acompanhadas dos pais ou responsáveis. Já de 13 a 17 anos precisam estar assistidas por um responsável maior de idade.
Transporte
Nos dias de desfiles do grupo especial, de acesso e das campeãs, serão ativadas duas linhas exclusivas de ônibus que irão ao Anhembi partindo das estações Portuguesa-Tietê e Palmeiras-Barra Funda das linhas 1 – Azul e 3 – Vermelha do Metrô, respectivamente.
Se for de Taxi, o desembarque será realizado entre a ponte da Casa Verde e a avenida Braz Leme. No momento da saída, serão montados quatro bolsões para embarque.
O transporte para pessoas portadoras de deficiência será realizado pelo serviço Atende da prefeitura, com operação entre 18h e 8h partido dos seguintes destinos em ida e volta: Metrô Portuguesa-Tietê; estacionamento do Pavilhão do Anhembi; e o posto da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), na avenida Olavo Fontoura.
Quem necessitar de estacionamento, poderá utilizar o do Pavilhão do Anhembi, com cobrança à parte e capacidade para quatro mil veículos.
Confira a ordem dos desfiles e os enredos:
Grupo especial – 22 de abril
Acadêmicos do Tucuruvi
Em retorno ao grupo especial, a Acadêmicos do Turucuvi abrirá a primeira noite relembrando a história dos antigos carnavais, em desfile assinado pelos carnavalescos Dione Leite e Fernando Dias.
O Zaca propõe uma reflexão sobre quando uma das maiores festas populares do Brasil perdeu sua simplicidade e se tornou um espetáculo em que só impera a vaidade, deixando a raiz do samba para trás.
O esquecimento dos baluartes e a lembrança da antiga passarela na avenida Tiradentes, onde todos brincavam com liberdade, diferentemente da atualidade, em quem tem muito pode mais. Criticando o atual modelo de disputa, mas passando uma mensagem de resistência, em que a história da escola e dos sambistas não irão acabar.
De lá pra cá, o que mudou?
Acadêmicos do Tucuruvi
Daqui pra lá, o que será?
O samba não acabou nem vai acabar
Sou resistência e você tem que respeitar
Colorado do Brás
A Colorado do Brás passará pelo Anhembi contando a história de Carolina Maria de Jesus. Nascida em 1914, na cidade de Sacramento, em Minas Gerais, a futura escritora estudou por pouco tempo. Migrou em 1937 para São Paulo, quando a capital paulista vivia um processo de expansão, ao mesmo tempo em que surgiam as primeiras favelas.
Junto de seus três filhos, viveu por um tempo na comunidade do Canindé, na região central. Para seu sustento, coletava materiais recicláveis como papéis e ferros pelas ruas da cidade. Do seu hábito de leitura surgiu a paixão pela escrita, começando a registrar seu cotidiano em cadernos que recolhia do lixo, no que mais tarde ficou conhecido como seu primeiro livro, “O Quarto de Despejo”, de 1960.
Toda transformação aconteceu após ser descoberta pelo jornalista Audálio Dantas na década de 1950. Fez sucesso e vendeu trinta mil exemplares na sua primeira edição. Passou dos 100 mil livros comercializados em edições posteriores, que foram traduzidas para 13 idiomas e distribuídas em mais de 40 países. Ainda publicou outras obras: “Casa de Alvenaria” (1961), “Pedaços de Fome” (1963) e “Provérbios” (1963).
A Cinderela Negra morreu em 1977, em um pequeno sítio da periferia paulistana. Em 1982, teve a publicação de um livro póstumo, intitulado “Diário de Bitita”, oriundo de seus manuscritos.
Samba da favela, nega batucada
Colorado do Brás
A Colorado é a voz da emoção
Um grito de coragem pra cantar o amor
Respeita a minha cor
Mancha Verde
A água que conduz a vida, que germina as sementes, que cobre mais de 70% do planeta e do corpo humano será o enredo da Mancha Verde, atual vice-campeã do Carnaval paulistano.
Inspirado pela canção “Planeta Água” de Guilherme Arantes, o desfile irá conscientizar para o consumo racional do bem natural, bem como sua importância no cotidiano e em plantações e lavouras.
Serão celebradas ainda as águas de Iemanjá, a orixá que conduz a preciosidade e é a rainha do mar.
Água de benzer, purificar
Mancha Verde
Água da fonte do rio que corre pro mar
Planeta água, nascente da vida
Sou Mancha Verde e mato a sede na avenida
Tom Maior
A vermelha e amarela do Sumaré contará a história de “O Pequeno Príncipe”, do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, em uma versão no sertão brasileiro.
A lenda popular diz que o autor se inspirou na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, para a obra. A Tom Maior promete levar ao Anhembi uma viagem pela Zona da Mata pernambucana até os Lençóis Maranhenses.
O carnavalesco Flávio Campello mostrará o folclore e as tradições da região, utilizando as mensagens do livro como tempo que dedicamos às pessoas que amamos, os sentimentos que nos movem, o valor da amizade, da responsabilidade e da resiliência. Desta maneira, olhando a vida de adulto com o olhar de uma criança, vivendo com o coração mais aberto e livre de preconceitos.
Um chamego é bom demais, coração sabe de cor
Tom Maior
O planeta da alegria é onde canta a Tom Maior
O menino avisou pro meu povo arretado
Que o príncipe voltou pra regar o chão rachado
Unidos de Vila Maria
“O Mundo Precisa de Cada Um de Nós”, essa é a mensagem que a Vila Maria pretende mostrar em seu desfile. Em uma viagem pelas civilizações, a escola retratará o tempo de trevas do Império Romano, que em uma luta pelo poder absoluto promove guerras promovendo o sofrimento do povo.
O carnavalesco Cristiano Bara retomará a vida antiga do homem, assistindo ao aumento do caos causado pela ganância, despontando uma fraqueza a partir do desgoverno de poderosos. Assim, prejudicando crianças, negros, brancos, patrões e desempregados.
A partir da fé, será suplicado o encontro do amor, que libertará os corações de toda angústia, isolando o mal para longe da humanidade. Apenas o mais puro sentimento levará ao caminho da salvação. Que a união lavará nossa alma, mente e coração, de acordo com a escola.
A nossa união
Unidos de Vila Maria
O dom de partilhar
Revelam na cadência
Que a cura pra dor
É o amor
Acadêmicos do Tatuapé
Nas montanhas de Kaffa, localizada na Etiópia, frutas vermelhas nasciam em arbustos selvagens. Guiado por Deus Pai Zambi, o pastor de cabras Kaldi descobriu a preciosidade. Ao oferecê-las aos animais, percebeu um aumento de sua motivação. Chamou um monge para conhecê-las, que as condenou, ateando ao fogo para exorcizá-las.
Interrompeu a combustão ao perceber o aroma que subia pelo ar. Derramou água sobre elas e viu que algo delicioso poderia ser divino. Com a fama, o café logo se espalhou por todo mundo.
No Brasil, o “ouro negro” logo conduziu a economia, enriquecendo os barões do café a partir do trabalho escravo de negros e negras. A Acadêmicos do Tatuapé narrará a história do grão a partir de Preto-Velho, entidade anciã da Umbanda que foi baseada em homens e mulheres que viveram os horrores das senzalas, suportando os maus tratos com fé e atingindo a evolução espiritual a partir de sua sabedoria. Nos cultos de matriz africana com sua presença é comum a presença do café.
Saravá, saravá
Acadêmicos do Tatuapé
Preto velho mirongueiro
Saravá
É a luz desse terreiro
Adorê as almas, irmão café
Odara ê, Tatuapé
Dragões da Real
A Dragões da Real fechará a primeira noite resgatando a vida e obra de Adoniram Barbosa, em desfile assinado pelo carnavalesco Jorge Silveira.
Sua trajetória profissional começou aos 12 anos, como entregador de marmitas para ajudar os pais, imigrantes italianos. Entretanto, buscava ser um artista. Começou como ator, depois tentou ser cantor, mas realmente se consagrou como compositor.
Suas letras exploram o cotidiano, a urbanização, a vida dos operários e os problemas habitacionais da metrópole, que são retratadas no samba da escola tricolor.
Levei frechada do olhar, chorei no pé do fogão
Dragões da Real
Vi o progresso chegar, sem dó nem educação
A vida é dura, mas a rima é sempre boa
Em cada canto dessa terra da garoa
Grupo especial – 23 de abril
Vai-Vai
Maior campeã do carnaval paulistano, a Vai-Vai retorna ao grupo especial abrindo a segunda noite de desfiles com o movimento alado do pássaro Sankofa, ave sagrada que nos transporta até o coração da África no império Axante.
Sua simbologia remete ao ensinamento: “Nunca é tarde para voltar atrás e buscar o que ficou perdido”, que se tornou um norte para pensadores do movimento negro moderno, chegando até a “Pequena África”, como a escola denomina o bairro do Bixiga, onde está localizada.
Resgatando a cultura e valores do continente que foram abandonados com a escravidão, a escola recorrerá aos provérbios Adrinkas, sistema de escrita usado na era pré-colonial, mostrando um novo horizonte para a atualidade.
Tambor africano, de negra bravura
Vai-Vai
É o mesmo tambor da Saracura
Quilombo do samba não morre jamais
Eu sou Vai-Vai
Gaviões da Fiel
“Basta!”, é um grito dos Gaviões da Fiel contra as mazelas e injustiças que permeiam a sociedade, causando a fome, mantando o povo negro, que atentam contra os povos indígenas, que promovem o racismo e a desigualdade entre homens e mulheres.
O enredo permeará os nefastos imperadores e inquisidores que condenaram à morte todos que foram contra suas ordens, os senhores de engenho que enriqueceram a partir do trabalho de escravos, os ditadores que conseguiram glórias espalhando o terror e a intolerância.
E também a atualidade, com a desigualdade que provoca a opressão, com vidas sendo destruídas pela violência e a pobreza. Com os devastadores de florestas e invasores de terras indígenas. E a escravidão moderna, que se esconde nas lavouras pelo país. A esperança de vitória virá a partir de um mundo sem desigualdade, sem miséria e sem tortura.
Escute o meu clamor
Gaviões da Fiel
Oh, pátria amada
É hora da luta sair do papel
Basta é o grito que embala o povo
Eu sou Gaviões, sou a voz da fiel
Mocidade Alegre
A Morada do Samba entra na avenida atrás de seu 11º título apresentando a história da sambista Clementina de Jesus. Nascida em 1901, em um reduto de jongueiros em Valença, no interior do Rio de Janeiro, ela mudou-se aos 7 anos com sua família para o bairro de Oswaldo Cruz, na zona oeste da capital fluminense.
A rainha Quelé, como é conhecida, cresceu vendo a mãe rezar em jejê nagô e cantar em dialeto iorubá, que iriam inspirar suas canções futuramente. Até os 15 anos, participou do grupo Folia de Reis, e posteriormente entrou para o bloco “As Moreninhas das Campinas”, embrião da escola de samba Portela.
Entretanto, sua história mudou aos 63 anos, após o produtor musical Herminio Bello de Carvalho a encontrar na festa da Penha em 1963, enquanto cantava na Taberna da Glória. A partir desse momento não parou mais de desempenhar seu talento profissionalmente. Gravou 13 discos, entre álbuns solos e participações especiais.
Clementina morreu aos 86 anos, em 1987, deixando uma significativa marca no mundo musical e na história negra brasileira, que será retratada pela Mocidade Alegre.
É lindo ver a mulher negra lutar!
Mocidade Alegre
Quem te vê sorrir, não há de te ver chorar!
Rainha Quelé, vem ser coroada!
Na minha, na sua, na nossa Morada!
Águia de Ouro
A atual campeã do Carnaval paulista defenderá seu título com o enredo “Afoxé de Oxalá — No ‘Cortejo de Babá’, Um Canto de Luz em Tempo de Trevas”, usando como inspiração a música “Cortejo de Babá”, do historiador Luis Antônio Simas.
Em um afoxé, a escola trará os valores de Oxalá para a avenida como amor, respeito e esperança, em uma aliança da mitologia com o subjetivo.
Exaltando a diversidade étnica, a pluralidade cultural e fazendo um manifesto contra a intolerância religiosa.
Epa Babá
Águia de Ouro
Xeu Epa Babá
Vai ter xirê até o dia clarear
Nesse afoxé, Águia de Ouro lava a alma
Nas Águas de Oxalá
Barroca Zona Sul
Com o enredo “A evolução está na sua fé… Saravá Seu Zé!”, a Barroca Zona Sul contará a história de Zé Pilintra, entidade cultuada nas religiões de matriz africana.
Zé Pilintra é descrito como um homem negro, vestido de terno branco, chapéu tipo panamá branco de fita vermelha, gravata da mesma cor e sapato bicolor. É um apreciador de bebidas e rei do carteado e da encruzilhada.
Quando o couro do tambor, arrepia
Barroca Zona Sul
Abre a gira pra saudar meu protetor
Incorpora na avenida
A Barroca é quem te chama
Salve Zé Pilintra de Aruanda
(Respeite quem veio vencer demanda!)
Rosas de Ouro
“Sanitatem”, a palavra vinda do latim que significa cura, será o condutor da Rosas de Ouro no Carnaval. O enredo autoral do carnavalesco Paulo Menezes abordará os ritos de cura dos males, desde a antiguidade à contemporaneidade.
No princípio, cada civilização elaborou ritos específicos, e essa será a centralidade apresentada pela escola. Contando, assim, como a humanidade se comporta por meio da magia, da fé e da ciência para se ver livre do que lhe faz mal.
O samba aborda o orixá Obaluê, conhecido como senhor da terra, que a partir de sua vestimenta de palha faz a cura e tem em seu xaxará uma ferramenta para limpar as doenças do mundo.
Dança, pajé
Rosas de Ouro
É magia da floresta
Deixa girar
O povo de Aruanda
Amém, pro santo louvar
Canta, Roseira, deixa a fé te guiar
Império de Casa Verde
Exaltando o poder da comunicação, a Império de Casa Verde fechará o Carnaval paulistano contando como a atividade é uma ferramenta de transformação, que transpõe barreiras, transmite ideias, compartilha informações, conecta pessoas e expressa sentimentos.
O influenciador digital Carlinhos Maia será o protagonista do desfile idealizado pelos carnavalescos Mauro Quintaes e Leandro Barbosa. Sua vida será utilizada como exemplo, após conquistar milhões de seguidores e visualizações com vídeos humorísticos.
Sou eu, sim, a voz da Casa Verde
Império de Casa Verde
Vou assim, balançando a rede
A cara do Brasil, um povo vencedor
Orgulhoso donde vim, Imperiano eu sou
(*Com informações da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais e do Museu Afro Brasil)