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    Fechamento de espaço aéreo russo recria rota da Guerra Fria com voos sobre o Polo Norte

    Restrições de uso do espaço aéreo da Rússia impostas após invasão da Ucrânia por tropas de Moscou resultou em voos mais longos e uso de até 40% mais combustível

    Jacopo Priscoda CNN

    O fechamento do espaço aéreo russo para algumas empresas aéreas internacionais, incluindo muitas na Europa, forçou as companhias a procurar rotas alternativas. Para alguns voos, como os que ligam a Europa e o Sudeste Asiático, isso é especialmente problemático, já que a Rússia, o maior país do mundo, fica diretamente no meio.

    O problema é melhor ilustrado pelo voo da Finnair de Helsinque para Tóquio. Antes da invasão da Ucrânia, aviões da empresa da Finlândia decolavam e se dirigiam rapidamente para o espaço aéreo da vizinha Rússia, cruzando mais de 4,8 mil quilômetros.

    Eles então entravam no espaço aéreo da China, perto da fronteira norte com a Mongólia, voavam em seu espaço aéreo por cerca de 1,6 mil quilômetros, antes de entrar na Rússia novamente ao norte de Vladivostok. Finalmente, atravessavam o Mar do Japão e viravam para o Sul em direção ao Aeroporto de Narita.

    A viagem levaria pouco menos de nove horas em média e cobriria quase 8 mil quilômetros. O último voo desse tipo partiu em 26 de fevereiro.

    Antes da invasão da Ucrânia por tropas de Moscou, muitas companhias aéreas tinham rotas sobre o espaço aéreo da Rússia
    Antes da invasão da Ucrânia por tropas de Moscou, muitas companhias aéreas tinham rotas sobre o espaço aéreo da Rússia / FlightRadar24

    No dia seguinte, a Rússia proibiu a Finlândia de usar seu espaço aéreo, forçando o cancelamento temporário da maioria dos destinos asiáticos da Finnair, incluindo Coreia do Sul, Cingapura e Tailândia.

    Desde então, no entanto, os planejadores de rotas da companhia aérea estavam trabalhando para encontrar uma solução. “Fizemos o primeiro cálculo muito aproximado cerca de duas semanas antes do fechamento real do espaço aéreo”, diz Riku Kohvakka, gerente de planejamento de voo da Finnair.

    A solução era sobrevoar o Polo Norte. Em vez de seguir para o sudeste até a Rússia, os aviões agora partiriam de Helsinque e iriam direto para o Norte, indo para o arquipélago norueguês de Svalbard, antes de atravessar o polo e o Alasca.

    Então eles se dirigiam para o Japão voando sobre o Pacífico, contornando cuidadosamente o espaço aéreo russo. Isso não é tão simples quanto antes: a viagem agora leva mais de 13 horas, cobre aproximadamente 12 mil quilômetros e usa 40% mais combustível.

    Segurança em primeiro lugar

    Rotas do voo AY73 da Finnair antes (em branco) e depois (em vermelho) do fechamento do espaço aéreo russo
    Rotas do voo AY73 da Finnair antes (em branco) e depois (em vermelho) do fechamento do espaço aéreo russo / FlightRadar24

    A Finnair começou a voar por essa rota polar para o Japão em 9 de março. Então, como uma companhia aérea redesenha completamente um de seus voos mais longos em pouco mais de uma semana?

    “Todas as principais companhias aéreas têm seu próprio sistema informatizado de planejamento de voo, que usam para planejar rotas e alterá-las”, explica Kohvakka. No software, o espaço aéreo de países específicos pode ser riscado e os pontos de passagem podem ser inseridos manualmente para ajudar a calcular rotas alternativas.

    O próximo passo é um novo plano de voo operacional, que diz à tripulação qual é a rota planejada, quanto combustível eles precisam, quanto o avião pode pesar e assim por diante.

    “Por experiência própria, sabíamos que tínhamos duas possibilidades: uma pelo Norte e outra pelo Sul”, diz Kohvakka.

    Além da rota polar, a Finnair também pode chegar ao Japão voando para o sul da Rússia — sobre os países Bálticos, Polônia, Eslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária, Turquia, Geórgia, Azerbaijão, Turcomenistão, Uzbequistão, Cazaquistão, China, Coreia e, então, o Japão.

    É mais longo, mas se as condições do vento forem particularmente favoráveis, pode ser usada, resultando em um tempo de voo semelhante.

    Em seguida, os dados de consumo de combustível, juntamente com as taxas de navegação, são usados para estimar o custo do voo.

    “Depois disso, precisamos verificar que tipo de terreno estamos sobrevoando. Por exemplo, para ver se a elevação em qualquer ponto da rota requer planejamento especial, caso percamos um motor ou pressurização – algo que é sempre considerado ao preparar um voo”, diz Kohvakka.

    Uma vez que a nova rota é aprovada, o foco muda para o equipamento da aeronave e os processos e regulamentos associados.

    Entre eles está um chamado Etops (na sigla em inglês, que significa “Padrões de Desempenho Operacional de Dois Motores em Alcance Estendido”), que remonta à década de 1950, quando os motores das aeronaves eram menos confiáveis e mais propensos a falhar.

    O Etops é uma certificação fornecida a aeronaves que determinava até que ponto um avião com apenas dois motores poderia voar do aeroporto mais próximo, caso precisasse de um pouso de emergência devido a uma falha no motor.

    “Precisamos ter um aeroporto adequado para onde possamos nos desviar dentro de um determinado limite de tempo”, diz Kohvakka.

    O regulamento foi inicialmente definido para 60 minutos, mas à medida que os aviões se tornaram mais confiáveis, foi gradualmente estendido. Apenas algumas semanas atrás, a Finnair estava operando sob a amplamente adotada regra de Etops 180, o que significava que sua aeronave poderia voar a até três horas de distância do aeroporto mais próximo a qualquer momento com apenas dois motores.

    A nova rota do Ártico, no entanto, voa por áreas muito remotas, onde os aeroportos são poucos e distantes entre si.

    Como resultado, a companhia aérea teve que solicitar uma extensão desse protocolo para 300 minutos, o que significa que o Airbus A350-900 que usa para voar para o Japão agora pode se afastar até cinco horas do aeroporto mais próximo, enquanto ainda cumpre todos os regulamentos internacionais e protocolos de segurança.

    Rota da Guerra Fria

    Voo de Londres para Tóquio da Japan Airlines antes (em branco) e depois (em vermelho) do início do conflito na Ucrânia
    Voo de Londres para Tóquio da Japan Airlines antes (em branco) e depois (em vermelho) do início do conflito na Ucrânia / FlightRadar24

    As companhias aéreas lidam rotineiramente com o fechamento do espaço aéreo, por exemplo, durante lançamentos de naves espaciais e exercícios militares. Conflitos anteriores reduziram ou interromperam voos sobre Afeganistão, Síria e Paquistão, por exemplo.

    Um fechamento dessa magnitude, no entanto, não ocorria desde os tempos da Guerra Fria.

    Como os direitos de sobrevoo são negociados entre nações e não entre companhias aéreas individuais, a Rússia e a Finlândia assinaram um acordo apenas em 1994, dois anos após a desintegração da União Soviética.

    Anteriormente, a Finnair, como a maioria das outras companhias aéreas europeias, não sobrevoava a União Soviética. Quando começou a operar em Tóquio, em 1983, também atravessava o Polo Norte e o Alasca. “Portanto, esta rota não é totalmente nova para nós”, diz Kohvakka.

    A Finnair foi a primeira companhia aérea a vooar a rota sem escalas, usando aeronaves DC-10, enquanto a maioria das outras na época tinha uma parada de reabastecimento em Anchorage, no Alasca.

    A nova rota aumenta o consumo de combustível em incríveis 20 toneladas, tornando os voos ambiental e financeiramente desafiadores.

    Por essa razão, a Finnair está priorizando a carga, onde a demanda é mais forte, e limitando a capacidade de passageiros a apenas 50 assentos (os Airbus A350-900 usados nos voos podem transportar até 330 pessoas).

    “A duração extra da viagem tornará menos voos economicamente viáveis”, diz Jonas Murby, analista de aviação da Aerodynamic Advisory.

    “Eles se tornam muito dependentes de uma alta mistura de passageiros premium e carga de alto rendimento; isso em um ambiente onde a demanda geral por viagens ao longo dessas rotas ainda é relativamente baixa. Duvido que esta seja uma estratégia amplamente adotada.”

    Até agora, a Japan Airlines é a única outra companhia aérea que usa a rota polar para seus voos entre a Europa e o Japão.

    O serviço de Londres para Tóquio agora sobrevoa o Alasca, Canadá, Groenlândia e Islândia, o que aumentou o tempo médio de voo de pouco mais de 12 horas para cerca de 14 horas e 30 minutos, de acordo com o Flightradar24.

    Luzes do Norte

    O A350, da Airbus, é um modelo de aeronave considerado resistente a baixas temperaturas
    O A350, da Airbus, é um modelo de aeronave considerado resistente a baixas temperaturas / Divulgação/Finnair

    Quatro horas extras de voo também têm impacto nos passageiros e na tripulação, aumentando ainda mais os custos.

    “Normalmente, voamos para o Japão com uma tripulação de três pilotos”, explica Aleksi Kuosmanen, vice-piloto-chefe da frota da Finnair, que também é capitão nos novos voos.

    “Agora nós o operamos com quatro pilotos. Temos um beliche específico da tripulação de voo onde podemos dormir e descansar, e também aumentamos o número de refeições.”

    Os passageiros reagiram alegremente à nova rota, de acordo com Kuosmanen. “Eu diria que as pessoas estavam entusiasmadas. Muitos estavam perguntando a que horas iríamos atravessar o Polo e se eram esperadasas luzes do Norte.”

    Há também uma vantagem de ter um avião de 300 lugares para apenas 50 passageiros: “Eu dei um passeio pela cabine durante a noite e… digamos que eles tinham espaço.”

    A Finnair também está distribuindo adesivos e “diplomas” que certificam aos passageiros que eles sobrevoaram o Polo Norte. Tecnicamente, a rota polar não representa nenhum risco extra de segurança.

    “O clima frio é provavelmente a primeira coisa que vem à mente, e é verdade que existem regiões com massas de ar frio em alta altitude, mas estamos bastante acostumados a isso quando voamos rotas do norte para Tóquio no espaço aéreo russo”, diz Kuosmanen.

    A Finnair está distribuindo 'diplomas' e adesivos para certificar que os passageiros sobrevoaram o Polo Norte
    A Finnair está distribuindo ‘diplomas’ e adesivos para certificar que os passageiros sobrevoaram o Polo Norte / Divulgação/Finnair

    Uma questão pode ser a temperatura do combustível se tornar muito baixa, mas o A350 é particularmente resistente ao ar frio, diz Kuosmanen, o que o torna ideal para a rota.

    Existem outras pequenas disputas. Por exemplo, as comunicações de voz por satélite não cobrem toda a região do Ártico, então as equipes precisam contar com o rádio HF, uma tecnologia que tem quase 100 anos.

    Além disso, há áreas com forte radiação magnética a serem consideradas durante o voo.

    “Temos uma boa e velha bússola magnética na aeronave, além de vários auxiliares de navegação modernos, e isso fica um pouco confuso enquanto voávamos sobre o Polo Norte magnético”, diz Kuosmanen (mas isso não causa nenhum dano à aeronave).

    No geral, do ponto de vista do piloto, a rota polar torna as coisas mais interessantes, mas não altera fundamentalmente o trabalho.

    “A área polar é, provavelmente, onde todos os pilotos que voam longas distâncias querem operar”, diz Kuosmanen. “Mas uma vez que alguém esteja bem preparado e bem informado, é apenas mais um dia de trabalho.”