Como os países combatem o aumento dos combustíveis pelo mundo; veja medidas
Projetos vão de mudanças em impostos a subsídios e fundos de estabilização, e dependem de perfil do país
Com o petróleo atingindo preços vistos pela última vez em 2008, o Brasil e diversos países aumentaram a discussão e a implementação de medidas para evitar que essa alta chegue no mesmo nível para os combustíveis.
Esse movimento começou em 2021, quando o petróleo saiu dos US$ 50 o barril para mais de US$ 80. Mas ele ganhou força em 2022 devido aos efeitos da guerra da Ucrânia sobre o preço da commodity.
A tentativa de evitar que os preços dos combustíveis também disparem está ligada ao próprio combate à inflação, que se disseminou por vários países no ano passado por fatores ligados majoritariamente à pandemia.
William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), afirma que os projetos sobre o tema se espalharam pelo mundo.
Entretanto, as características deles, e formas de lidar com os preços, variam pelas especificidades de cada país.
Cada país, uma sentença
Nozaki produziu um levantamento preliminar desde o fim de 2021 para identificar em quais lugares do globo foram implementadas medidas para conter os preços dos combustíveis.
Na Ásia, ele cita como exemplo o corte de impostos sobre combustíveis, que ocorreu na Índia e na Coreia do Sul, onde o corte chegou a cerca de 20%. Já o Japão implementou um programa de subsídios para arcar com os custos energéticos de setores como transporte, além de subsidiar as contas da população de baixa renda.
A Tailândia também cortou impostos, mas apenas sobre o diesel, e criou um limite de preços nos postos. Já a China reduziu tarifas e aumentou a oferta de crédito para cobrir custos ligados à energia.
Na América, ele cita o caso do México, que decidiu fixar um teto de preços para o gás, mas que varia dependendo de cada região do país.
Entretanto, Nozaki afirma que a região com mais projetos é a Europa. “É a região mais afetada, mais vulnerável pela guerra na Ucrânia e pela dependência da Europa com a Rússia por gás”, avalia.
Na Estônia, foi criado um subsídio para famílias de baixa renda na compra de combustíveis ou pagamento de conta de energia. A Finlândia criou um imposto sobre ganhos de empresas para financiar subsídios à energia, enquanto a França congelou temporariamente os preços no segundo semestre de 2021.
Países como Grécia e Irlanda também aumentaram os subsídios já existentes para famílias de baixa renda, enquanto a Itália passou a incentivar a adoção de energias renováveis para reduzir a dependência do petróleo.
Mesmo a Noruega, importante produtora de petróleo, decidiu aumentar benefícios sociais e cortar impostos sobre a eletricidades, enquanto os Países Baixos cortaram impostos sobre combustíveis. No Reino Unido, foi criado um fundo de apoio para famílias vulneráveis, pagando parte das contas de luz e gás.
Há, ainda, o caso de Portugal, que implementou uma espécie de voucher exclusivo para compra de combustível, fornecido pelo governo e financiado pelo aumento de arrecadação com os impostos sobre combustíveis.
No caso dos Estados Unidos, Nozaki cita o esforço do governo Joe Biden para reduzir a dependência de combustíveis fósseis pela expansão de fontes renováveis.
Enquanto isso não ocorre, já tramita no Senado do país um projeto que propõe suspender temporariamente os impostos federais sobre combustíveis.
Formas de lidar com os preços dos combustíveis
Edmar Almeida, professor da UFRJ, diz que alguns países já tinham medidas para tentar conter os preços antes da pandemia. É o caso do Chile, Peru e Colômbia, que têm fundos de estabilização de preços, ou de países europeus que têm impostos sobre combustíveis flexíveis.
Nesse caso, o valor da taxa depende do preço do petróleo. Se a commodity sobe, o imposto cai. A variação pode ser determinada de forma arbitrária pelo governo ou seguindo fórmulas de cálculo.
“O preço do petróleo subiu muito. É impensável para o planejamento energético de praticamente todos os países, e eles precisam lidar com isso via políticas para evitar uma inflação de combustíveis afetando o mercado interno. Pode ser renúncia fiscal, isenção tributária, liberar reservas, subsídios ou controle de preços”, diz Nozaki.
Todos esses casos mostram, segundo o pesquisador, que o Brasil não está sozinho nas tentativas de reduzir o impacto do preço do petróleo sobre os combustíveis.
Almeida lembra que esse movimento não é exatamente novo. Em 2018, durante a greve dos caminhoneiros, o governo implementou um subsídio para o diesel, arcando com uma parte do valor para que importadoras e produtores não fizessem o repasse na totalidade para os consumidores.
Entretanto, o projeto foi encerrado em 2019 por uma série de fatores. O professor cita a alta do diesel no exterior, que tornou o desconto de preço pequeno, o processo burocrático para entrar no programa e a incerteza sobre o repasse dos valores menores para o consumidor final.
Outra tentativa de subsídio de preço veio durante a pandemia, com o vale-gás, mas Almeida critica o fato de ele não ser associado exclusivamente ao consumo do produto, como em Portugal.
E nesta quinta-feira (10), o Senado aprovou dois projetos sobre o tema, que ainda serão analisados pela Câmara. Um muda a forma de cobrança do ICMS e isenta alguns produtos de PIS/Cofins, enquanto outro cria um fundo de estabilização de preços.
No caso do fundo de estabilização, o governo subsidia parte do valor dos combustíveis, estabelecendo uma banda de valor mínimo e máximo de venda nos postos.
O principal mecanismo de financiamento é a verba advinda dos dividendos que o governo recebe pela participação acionária na Petrobras e de outros projetos de petróleo e gás.
Há a opção, ainda, de usar os valores estabelecidos para permitir que, se o valor de venda for maior que a cotação internacional, parte do lucro seja usado para capitalizar o fundo. Como isso não seria possível no momento, a única forma é via dividendos, que anteriormente seriam destinados a outras áreas, como educação.
Para Almedia, o Brasil acaba tendo uma limitação nas medidas que pode tomar porque o mercado é liberalizado, ou seja, não há um controle de uma única empresa, geralmente estatal. Em países como a Bolívia, essa centralização permite interferências mais diretas nos preços, mesmo que às custas do lucro da empresa ou até o seu prejuízo.
Nozaki afirma que países mais dependentes de importação de petróleo costumam ter uma margem de manobra menor. Nesses casos, o foco acaba sendo em medidas fiscais, como subsídios e cortes de impostos.
Já os grandes produtores conseguem reagir melhor, em especial os com muitas refinarias. O mais comum é a presença de uma grande empresa estatal, que abre mão dos lucros adicionais dessa alta para segurar elevações de preços.
Mesmo sendo um grande produtor e com parque de refino razoável, o Brasil optou por não mudar a política de preços da Petrobras, que segue a paridade internacional. Por isso, Nozaki diz que as medidas tomadas acabam sendo semelhantes às de um país importador.
“A resposta que o Brasil está dando não é no tempo e na intensidade necessários de um país grande produtor. Teria instrumentos como política de preço, mas é um tema sensível, envolve interesses do mercado”, afirma.
- 1 de 9O petróleo é considerado uma commodity. O termo se refere a recursos finitos que têm origem na natureza e são comercializados. No caso, o petróleo é usado principalmente como combustível, mas também dá origem a materiais como o plástico Crédito: REUTERS/Vasily Fedosenko
- 2 de 9O petróleo pode ser de vários tipos, dependendo principalmente do seu grau de impureza. Os dois principais, Brent e WTI, são leves (pouco impuros), e a diferença se dá pelo local de negociação: bolsa de Nova York no caso do Brent e bolsa de Londres no caso do WTI Crédito: Instagram/ Reprodução
- 3 de 9Os preços do petróleo seguem uma cotação internacional, e flutuam pela oferta e demanda. No Brasil, o preço de referência adotado pela Petrobras - maior produtora no país - é do Brent, seguindo a cotação internacional, em dólar Crédito: REUTERS
- 4 de 9Quando se fala da comercialização de petróleo, um fator importante é a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Com 13 membros, ela é responsável por quase 50% da produção mundial de petróleo, e portanto consegue regular a oferta - e preços - pelos fluxos de produção Crédito: Reuters/Dado Ruvic
- 5 de 9A partir de 2020, os preços do petróleo foram afetados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. A Opep+ (que inclui países aliados do grupo, como a Rússia) decidiu cortar a produção temporariamente devido à baixa demanda com lockdowns, e os preços caíram. A média em 2020 foi US$ 40, distante da de anos anteriores, entre US$ 60 e US$ 70 Crédito: REUTERS
- 6 de 9Em 2021, porém, o cenário mudou, com o avanço da vacinação, os países reabriram rapidamente, e a demanda por commodities decolou, incluindo pelo petróleo. A Opep+, porém, decidiu manter os níveis de produção de 2020, e a oferta baixa fez os preços saltaram, ultrapassando US$ 80 Crédito: REUTERS/Nick Oxford
- 7 de 9Já em 2022, a situação piorou. A guerra na Ucrânia, e as sanções ocidentais a um dos maiores produtores mundiais da commodity, a Rússia, fizeram os preços dispararem, ultrapassando os US$ 120. Atualmente, o barril varia entre US$ 100 e US$ 115 Crédito: 03/06/2022REUTERS/Angus Mordant
- 8 de 9A alta dos preços do petróleo, porém, trouxe consequências negativas para o Brasil. Como a Petrobras segue a cotação internacional e o dólar está valorizado ante o real, ela subiu o preço nas refinarias, o que levou a uma elevação da gasolina e outros combustíveis. Até o momento, o preço da gasolina já subiu 70% Crédito: REUTERS/Max Rossi
- 9 de 9A alta do petróleo não afetou só o Brasil. Países dependentes da commodity, como EUA, Índia e Reino Unido, também viram os preços dos combustíveis subirem, e têm tentado pressionar a Opep+ a retomar os níveis de produção pré-pandemia, o que tem ocorrido lentamente enquanto a organização aproveita para se recuperar das perdas em 2020 Crédito: Reuters