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    Exportador, Brasil se recusa a aderir convenção contra uso de bombas de fragmentação

    Conferência que tenta abolir o uso deste tipo de munição já tem adesão de 110 países desde 2008; produto brasileiro já foi exportado para outras quatro nações

    Stéfano SallesLucas Janoneda CNN , no Rio de Janeiro

    A Rússia tem sido acusada pela Anistia Internacional e por outras organizações de defesa de direitos humanos de utilizar bombas de fragmentação na Guerra da Ucrânia. Esse é um tipo de munição em que várias bombas menores se desprendem da bomba mãe, para ampliar o potencial de dano aéreo.

    Há uma cruzada internacional, representada pela Convenção de Oslo (2008), que pede a erradicação deste equipamento bélico. A medida já conta com a adesão de 110 países e outros 13 ainda não o ratificaram. O Brasil, no entanto, não apenas não é signatário do tratado como está na lista de 16 nações que a produzem, além de exportá-la.

    Especialistas apontam que há uma proporção relevante de falhas nas submunições das bombas de fragmentação. Uma taxa, que varia de acordo com ano de produção e fabricante, tende a não explodir no primeiro impacto. Com isso, elas se espalhariam por uma grande área, com risco de detonação por meses ou anos depois, colocando civis em risco mesmo quando as partes em conflito tenham chegado a acordos de cessar-fogo ou tratados de paz.

    As bombas utilizadas na Ucrânia são de produção russa. No entanto, o relatório da Comissão contra a Munição Cluster (CMC), de 2021, aponta que o Brasil tem três indústrias capazes de produzir este tipo de armamento e já o exportou para Arábia Saudita, Irã, Iraque e Malásia. A remessa enviada para os sauditas foi utilizada contra civis no Iêmen, de acordo com a entidade.

    Professor de Direito Internacional da Universidade Federal do Pampa (Unipampa-RS), Cristian Wittmann, defensor da adesão do Brasil à Convenção de Oslo, entende que o uso deste tipo de munição é condenado por outros tratados internacionais já vigentes.

    “O direito internacional impõe uma obrigação de conduzir esforço somente contra alvos militares. Esse tipo de bomba, na Ucrânia, atingiu hospitais, o que reforça o caráter indiscriminatório deste tipo de munição, que flui ao sabor do vento e cai onde menos se espera. Muitas vezes, em árvores ou telhados, onde seguem ativas e de onde vão cair muito tempo depois”, explica.

    Para Gustavo de Oliveira Vieira, professor de Direito Internacional e ex-reitor da Universidade Federal de Integração Latino Americana (Unila), esse tipo de munição é uma ameaça especial para as crianças. “É um tipo de arma que não reconhece cessar-fogo e não distingue se lida com combatente ou civis. Por se assemelhar a um brinquedo, muitas dessas munições acabam fazendo crianças como vítimas. Elas as levam para dentro de casa, onde explodem, matam e mutilam”, avalia.

    Diretora editorial da Coalizão contra a Munição Cluster (CMC), Marion Loddo atua baseada em Genebra. A pesquisadora aponta que, em 2020, a bomba de fragmentação gerou 360 vítimas fatais. Deste universo, 44% eram crianças.

    “É importante salientar que o número de vítimas deve ser muito maior do que o mapeado. É uma tragédia humana global. O uso de munição cluster é uma tragédia humanitária, independente de onde seja utilizada. Essas armas matam, mutilam e colocam em risco a população local. E também impedem que as pessoas usem suas terras, dificultam o desenvolvimento e o crescimento”, avalia a ativista.

    Para os especialistas, a recusa à adesão tem a ver com pressões dos setores militares e com a indústria bélica brasileira ao longo dos sucessivos governos e legislaturas. Propostas de proibição do uso deste tipo de munição já foram debatidos diversas vezes na Câmara dos Deputados, onde um projeto deste tipo, do então deputado federal Fernando Gabeira, de 2009, foi rejeitado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa em outras legislaturas. Na ocasião, o relator foi o então deputado federal Jair Bolsonaro, que emitiu parecer pela rejeição.

    A iniciativa foi reapresentada em 2019 por Rubens Bueno (Cidadania-PR), e foi analisada no colegiado em dezembro, onde foi novamente rejeitada, após parecer negativo do deputado Luiz Phillippe de Orléans e Bragança (União Brasil-SP). Ele entende que a proposta encontra dificuldade para obter ampla aceitação internacional, e defende que privar o Brasil do uso desta tecnologia prejudicaria o desenvolvimento da indústria bélica nacional.

    “A maioria dos países que aderiram à Convenção de Oslo não produz armamentos. O Brasil talvez seja o único que produza e não o utilize. Essa munição faz parte de uma curva de aprendizado de nossa indústria bélica, é importante para outras atividades do setor. É uma arma de dissuasão estratégica, e aderir a esse tratado seria assumir que a nossa tecnologia está sendo usada exclusivamente para o mal. A bomba brasileira não está sendo utilizada na Rússia, como muita gente quer fazer parecer”, afirma o deputado.

    Sobre eventuais danos produzidos pela munição cluster em populações civis, Orleans e Bragança entende que não cabe ao Brasil fazer juízo de valor em relação aos governos, possíveis compradores. Para ele, isto representaria a escolha de linhas ideológicas, e o país deve procurar fazer negócios com quem esteja aberto a eles. O parlamentar defendeu ainda a tecnologia empregada pela Avibras nas munições cluster produzidas no Brasil.

    “Não posso dizer sobre os outros produtores, mas, aqui, não existe isso de a bomba cluster proporcionar um campo minado. Não a que é produzida aqui no Brasil, pelo menos, isso não acontece. Se não explodir no momento esperado, ela não explode mais. Talvez queiram é que o Brasil fique como a Ucrânia, que entregou todas as suas armas, num gesto pacifista, e agora está passando pelo que passa hoje com a Rússia”, conclui o parlamentar.

    Procurada para confirmar detalhes da tecnologia de sua bomba de fragmentação, citados pelo deputado federal, a Avibras afirmou que não vai se manifestar. Questionado sobre a recusa à adesão do Brasil ao tratado que, atualmente, tem o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) como depositário, o Ministério das Relações Exteriores limitou-se a destacar que o emprego deste tipo de munição pelo Brasil deve ocorrer diante do respeito de princípios e obrigações assumidos pelo Direito Internacional Humanitário.

    “Incluindo os da proporcionalidade, necessidade e de distinção entre combatentes e civis. O Brasil é parte das Convenções de Genebra e de seus protocolos, além do Protocolo 5 da Convenção sobre Certas Armas Convencionais, que garantem o eventual uso de munições daquela natureza se dê sempre de acordo com os aludidos princípios de Direito Internacional Humanitário”, informou o Itamaraty, sem entrar no mérito da decisão de o Brasil não integrar o acordo.

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