Influenciadora de beleza relata fuga da Guerra na Ucrânia
Perfis antes dedicados à beleza e lifestyle são invadidos por relatos reais de pessoas que precisaram deixar o país ou que pedem por apoio e doações
Até semana passada, os stories de Karina More, moradora da cidade de Carcóvia, na Ucrânia, mostravam imagens de mulheres de várias partes do mundo fazendo tratamentos de beleza sugeridos por ela.
Influencer no Instagram desde 2018, Karina era conhecida por vender um curso de massagem facial. Ela já tinha uma grande audiência – hoje passa 1 milhão de seguidores -, e seu perfil contava com um bom engajamento, repleto de likes e comentários.
Sua mais recente postagem sobre beleza foi no dia 19 de fevereiro. Mas após uns dias em silêncio, na sexta-feira, 25 de fevereiro, o assunto já era outro: Karina, assim como milhares de ucranianos, estava fugindo do país levando poucos pertences e seu filho no carro. A invasão russa havia começado.
Desde então, os seguidores de Karina começaram a mandar mensagens de preocupação. As imagens que apareceram em seus stories chocavam: Karina tinha outra aparência, outro tom de voz, outro assunto e outra paisagem. Sumiu aquela expressão serena de quem ensina massagem facial. Sumiram as fotos de “antes e depois” de suas clientes.
Para sair da Ucrânia e chegar a Moldávia, o que, segundo suas mensagens era seu destino, ela teria de atravessar todo o país e não ter como se comunicar.
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Visitar o perfil do Instagram de uma influencer de lifestyle é ver uma paisagem de lindas imagens. Produtos de beleza, fotos cinematográficas, rostos bem cuidados, dicas de saúde, restaurantes, pets fofinhos. Com as blogueiras ucranianas não era diferente. Até que chegou a guerra. Imediatamente, as imagens são substituídas por fotos de cidades destruídas, crianças com suas famílias levando malas e pacotes, além de vídeos de depoimentos emocionantes.
Karina e seu filho dormiram no carro, onde ficaram, segundo ela contou, mais de 3 dias viajando. Assim que conseguiu conexão, passou a divulgar links de instituições que estão aceitando doações para ajudar os ucranianos. Como tem feito também blogueiras de outros países – inclusive Chiara Ferragni, italiana de Milão, para seus mais de 26 milhões de seguidores.
Durante a semana de moda de Paris, que ainda está acontecendo, algumas influencers fizeram o mesmo, como a ex modelo brasileira Isabela Fiorentino, que também falou sobre a guerra no intervalo entre um desfile e outro em Paris. “Muitas marcas estão cancelando suas comemorações após o desfile em respeito ao que está acontecendo”, disse em um de seus vídeos. Paris fica mais perto de Kiev do que São Paulo de Recife.
A influencer brasileira Lu Tranchesi repostou e traduziu uma publicação da famosa makeup artist Nam Vo, que tem 372 mil seguidores e é uma celebridade em sua área. Ela faz parte do grupo de maquiadores que trabalham para a Shop My Shelf, empresa que atua em curadoria e verificação de produtos de beleza, fundada por tecnólogos da Harvard. “Estou lavando meu rosto antes de dormir enquanto um país está em chamas”, dizia a primeira frase.
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Diana Razumow, nascida nos Estados Unidos e de origem ucraniana, tem acompanhado todas as notícias e se mobilizado para ajudar o país. “Estou em contato com blogueiras ucranianas e vejo grande suporte aqui na Filadélfia, de pessoas que trabalham na mesma área. Fico feliz em perceber que as pessoas se importam”, conta.
“Tenho divulgado informações sobre o que está acontecendo na minha página e percebi que cidadãos não-ucranianos estão postando também. Atualizamos com vídeos, fotos e mensagens inspiracionais sobre a Ucrânia. As blogueiras americanas que conheço estão organizando doações, levantando fundos”, continuou a influencer em entrevista à CNN por e-mail.
Diana trabalha com Marketing e Publicidade e sempre utilizou seu perfil na rede social para publicações de moda, gastronomia e decoração. Ela havia planejado visitar seus parentes na Ucrânia no próximo verão, mas agora não sabe mais quando ou como irá.
Não é simples para quem trabalha com conteúdo de redes sociais se posicionar, ainda que seja algo considerado tão fácil para quem fica estarrecido com a guerra. Cada palavra precisa ser medida, cada fato checado.
Tanto é que Imran Amed, editor e fundador do “Business of Fashion”, um dos veículos de moda mais importantes do mundo, publicou um artigo a respeito nesta semana. “Falar sobre a guerra ou ficar em silêncio?”, perguntou em uma mensagem em seu Instagram, assim como em um artigo no site. Imran escolheu falar.
Importante setor da economia, tanto no Brasil como no mundo, a indústria da beleza sofre ainda com preconceito em torno de suas influenciadoras. Provavelmente serão criticadas, posicionando-se ou não. Mas ter a timeline invadida por notícias de guerra as torna mais humanas e abatidas pela realidade.
Carcóvia, a cidade onde morava Karina More há oito anos, foi invadida pelos russos nessa quarta-feira, 2 de março.