Veja os setores que mais ganharam e perderam na bolsa brasileira com a guerra
Levantamento exclusivo mostra variações setoriais desde início do conflito entre Rússia e Ucrânia; empresas ligadas a commodities têm trajetória positiva, ao contrário das associadas a transporte
As ações da bolsa de valores brasileira ligadas às commodities registaram as maiores altas desde o início do conflito na Ucrânia, enquanto setores ligados a transporte e veículos foram os que mais perderam.
Segundo levantamento da consultoria Economatica, feito a pedido do CNN Brasil Business, as maiores altas foram dos setores de siderurgia e metalurgia (11,4%), químicos (9,97%), agropecuária (9,9%), mineração (7,08%) e petróleo, gás e biocombustíveis (6,03%).
Já as maiores quedas foram em transporte (-4,33%), automóveis e motocicletas (-4,29%), holdings diversificadas (-4,22%) e construção civil (-3,65%).
O levantamento levou em conta a variação das ações por setor entre os dias 23 de fevereiro, véspera da invasão russa, até o dia 2 de março, sétimo dia de conflito.
Foi tomada como referência a ação mais líquida da empresa nos últimos 30 dias, no caso de mais de um tipo, com volume médio diário de negociação de R$ 5 milhões por dia no período.
Trajetória beneficiada
Lucas Collazo, especialista em investimentos da Rico, afirma que as ações ligadas a commodities, em especial petróleo, minerais e as agrícolas, são as que mais sobem, beneficiadas pela alta nos preços desses produtos com a guerra.
“A Rússia e a Ucrânia são produtoras e exportadoras relevantes de boa parte dessas commodities, caso do milho, soja, petróleo, alumínio. Em período de conflito, as transportadoras e seguradoras não fazem transporte, ainda mais com a guerra expandindo para todo o território ucraniano”, diz.
Com a oferta reduzida e a demanda se mantendo, os preços se elevam. O petróleo tipo Brent, por exemplo, já passou da casa dos US$ 110. Essa alta representa um aumento significativo para o lucro das empresas, resultando em uma atração de investimentos.
O benefício é ainda maior para o Brasil, um dos maiores produtores de commodities do mundo.
O estrategista-chefe da XP, Fernando Ferreira, cita os bancos, com um benefício mais indireto do conflito. O setor, com forte presença na bolsa, tem sido favorecido pelo fluxo de investimentos estrangeiros. Com as diversas sanções aplicadas contra a Rússia, o país tem perdido investimentos em um momento de migração para mercados ligados a commodities e com ativos descontados.
O Brasil se tornou um destino atraente para esse tipo de investimento, com um fluxo que começou antes da guerra e beneficiou os setores de commodities e bancos. A perspectiva, segundo os especialistas, é favorável à medida que deve ganhar força com os recursos que saem da Rússia.
Para Collazo, esse fluxo favorável tende a beneficiar a bolsa brasileira como um todo, com investimentos em fundos e ETFs que investem em toda a cesta de ações. Mas os principais ganhos devem ficar, segundo ele, com as empresas ligadas às commodities.
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Trajetória prejudicada
Collazo, da Rico, aponta que os setores mais prejudicados na bolsa tendem a ser os que têm as commodities como base relevante da estrutura de custos. É o caso dos frigoríficos, que usam milho e soja como componentes de ração animal, ou empresas de transporte, que dependem do preço dos combustíveis.
Se os valores dessas commodities sobem, as margens de lucro ficam menores, e os papéis, menos atrativos.
“Boa parte dos setores no Brasil é impactado de forma negativa porque nossa malha ferroviária e fluvial é pequena. O transporte é via rodovia, e a gasolina é um componente importante para questões de logística”, diz.
Já Ferreira, da XP, diz que os setores que mais têm registrado perdas até o momento são aqueles que sofrem consequências indiretas da guerra. É o caso de exportadoras e setores industriais expostos no exterior e com receita dolarizada, afetados pela incerteza no comércio global e pelo real fortalecido graças à entrada de capital ligado a commodities.
Ele também aponta o segmento de companhias aéreas, que tendem a recuar devido ao dano nas margens de lucro pelo preço maior dos combustíveis, decorrência da alta do petróleo.
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O estrategista da XP avalia que os setores mais ligados à tecnologia já estavam sofrendo com a saída de investimentos em meio às mudanças de política monetária em todo o mundo, e isso continua com a guerra, que reforça apostas em altas de juros.
Mesmo assim, ele avalia que as perdas são menores por aqui porque as empresas brasileiras têm pouca exposição ao leste europeu e Rússia. “Os frigoríficos têm um pouco mais e sofrem um pouco agora, mas não muito”, avalia.
Caso a guerra se estenda por muito tempo, Ferreira afirma que setores ligados ao consumo doméstico, em especial o varejo, devem ser afetados. Isso devido à expectativa de inflação mais alta pelas commodities e juros maiores, que reduzem a atividade econômica e prejudicam o setor.
Em relatório, o BTG Pactual aponta que o segmento com mais exposição à Rússia é o de bens de capital, com empresas como Weg, Randon e Iochpe, mas mesmo assim com fatias de comércio pequenas. Em 2021, por exemplo, as vendas da região representaram 0,3% do lucro da Weg, e 0,3% das vendas totais da Randon.
Dentre os impactos indiretos, o banco cita o encarecimento de matérias-primas, que pode prejudicar a indústria, assim como os efeitos da alta de combustíveis para o setor de logística.
Em outro relatório, voltado aos setores de proteína e grãos, os analistas do BTG afirmam esperar efeitos limitados a partir das restrições comerciais com a Rússia e a Ucrânia, devido à baixa presença no mercado russo e alta demanda na China e Estados Unidos.
Mesmo assim, há riscos de margens mais pressionadas pela alta de trigo e milho, o que também pode afetar empresas como a M. Dias Branco, dona de marcas de biscoitos e massas como Adria e Piraquê, que segundo o relatório tem 48% de custos ligados ao trigo e 16% a óleos vegetais.
Outra empresa que pode ser afetada é a Ambev, devido ao uso da cevada —que sobe puxada por outras commodities agrícolas— para produção de cerveja.
Ferreira afirma que é “sempre melhor fazer a distinção entre setor e empresa, cada uma tem questões específicas, como política de preço, disposição regional”.
Ele cita como exemplo a Petrobras, que tem tido perdas mesmo com o petróleo em alta, devido à dúvida do mercado sobre o respeito à política de preços e à defasagem atual nos preços dos combustíveis e do petróleo.
“Outras petroleiras não têm essa dúvida porque nem refinam, só vendem petróleo bruto”, diz. Mesmo assim, ele considera que, no momento, “o mercado está focado no macro, e isso acaba sendo predominante”.