Análise: Israel está vencendo a guerra, mas já perdeu a batalha da comunicação
Em seis meses de conflito, governo israelense conseguiu pulverizar o apoio mundial que recebeu após as atrocidades cometidas pelo Hamas e está cada vez mais isolado
As Forças de Defesa de Israel estão claramente vencendo a guerra em Gaza do ponto de vista militar, mas o governo do país parece já ter perdido a batalha da comunicação em relação ao conflito.
Em seis meses de guerra, Israel conseguiu pulverizar o apoio e a solidariedade quase unânime que recebeu depois das atrocidades cometidas pelo Hamas e está cada vez mais isolado no cenário mundial – justamente pelas táticas que resolveu adotar para garantir a vitória contra o grupo palestino.
Com uma força militar muito superior, o país decidiu implementar uma política de terra arrasada e bombardeios constantes contra o território palestino.
Isso garantiu a destruição de 19 dos 24 batalhões organizados pelas forças do Hamas, além de ter levado à prisão ou à morte de muitos dos líderes do grupo militante.
Mas também deixou mais de 33 mil pessoas mortas em Gaza, a maioria mulheres e crianças, segundo dados do Ministério da Saúde local, administrado pelo Hamas.
Além disso, mais de 90% da população da Faixa de Gaza foi deslocada, milhares de prédios foram destruídos e a fome atinge quase todos – provocada pela polêmica política do governo israelense de limitar a entrada de ajuda humanitária no enclave.
Prejuízo à imagem e isolamento
O prejuízo à imagem do país aconteceu a partir dos vídeos e fotos diárias escancarando o sofrimento humano que vem de Gaza, aliadas a declarações chocantes de membros do governo mais extremista da história da democracia israelense – alguns ministros chegaram a sugerir o uso de uma bomba atômica contra os palestinos e outros se opõem à entrada de qualquer ajuda humanitária no terreno.
Com isso, a percepção de Israel em boa parte do mundo passou muito rapidamente de vítima de ataques violentos e injustificáveis a vilão internacional.
O isolamento chegou a tal ponto que o próprio governo dos Estados Unidos, o maior e mais próximo aliado de Israel, passou a adotar uma postura muito crítica ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu governo radical.
Pela primeira vez em décadas, um presidente americano, Joe Biden, ameaçou, em conversa direta com Netanyahu, alterar a política de apoio a Israel caso mudanças na condução da guerra não fossem implementadas imediatamente.
Influência política
O professor de Relações Internacionais da ESPM Leonardo Trevisan concorda que “Israel ganhou totalmente a guerra, e não seria diferente com o poder real que tem, mas perdeu completamente também a guerra da informação”.
Ele se diz impressionado com esse fato, já que considera os israelenses “os mais capacitados na guerra de informação militar, os mais ágeis nesse processo”.
Segundo Trevisan, a decisão de ignorar a opinião pública mundial e insistir numa linha dura na área da informação provavelmente foi política, sem levar em consideração objeções militares.
“Qualquer oficial israelense sabe que precisa ganhar a guerra de informação também. Mas aqui a questão foi uma decisão política, não militar. Na verdade, trata-se da escolha de uma determinada linha política adotada pelo governo de direita de Israel”, afirma ele.
O também professor de Políticas Internacionais e criador do podcast Petit Journal, Tanguy Baghdadi, também concorda com os problemas de comunicação do governo israelense. Mas ele não é tão taxativo com relação à vitória militar israelense.
“De acordo com os parâmetros atuais anunciados pelo Netanyahu, não sei se podemos dizer que Israel ganhou a guerra de fato. Ele disse que a guerra será vencida quando o Hamas for destruído. Mas isso não vai acontecer. Tenho severas dúvidas se isso pode acontecer”, diz ele.
No entanto Baghdadi também acha que o país tem um sério problema e está perdendo a batalha da comunicação.
“Tem até uma forma muito direta de se entender o que está acontecendo… Israel nunca foi tão longe, com tantos ataques a áreas civis, por exemplo. Não é a primeira incursão israelense em território palestino, mas a quantidade de pessoas que morreram e foram deslocadas é um recorde absoluto’, diz ele.
“Esse ponto ajuda a colocar a narrativa contra o lado dos israelenses. Quando o mundo percebe uma desproporcionalidade na reação, atingindo muito os civis, os israelenses perdem essa possibilidade de argumentar que estão fazendo apenas uma retaliação contra os ataques do Hamas”, diz ele.
Assim como Trevisan, o professor Baghdadi diz que os elementos de extrema direita no governo israelense são os responsáveis por essa posição.
Ele lembra que os extremistas também estão pressionando Netanyahu para continuar com sua campanha de terra arrasada até o fim. E o primeiro-ministro precisa atendê-los, pelo menos em parte, porque ele cairia sem o apoio dos radicais –e poderia enfrentar até a cadeia, por conta de acusações de corrupção contra ele.
Segundo Baghdadi, o primeiro-ministro israelense vai tentar segurar as pressões até novembro, quando os Estados Unidos farão suas eleições presidenciais. Em caso de vitória do ex-presidente Donald Trump, diz ele, a pressão americana poderá diminuir.
Em comum, os dois professores concordam que Israel, tido como a única democracia do Oriente Médio, tem todas as condições de reverter, no futuro, a mácula em sua imagem. Especialmente depois do fim da guerra, com mais entrada de ajuda humanitária em Gaza e com a devida responsabilização do Hamas – que, no fim das contas, foi o grupo responsável pelo início da guerra.