MP do Rio recebe 95 laudos de perícia feitos em SP sobre operação que matou 27 civis no Jacarezinho
Até o momento, apenas cinco laudos foram analisados. Promotores constataram que duas pessoas mortas não tinham ligação com o tráfico e estavam desarmadas na operação ocorrida em maio do ano passado
A promotoria do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) recebeu 95 laudos da perícia realizada por profissionais do Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo, que estão auxiliando as investigações sobre as circunstâncias das mortes ocorridas durante a operação do Jacarezinho, em maio do ano passado.
Até o momento, cinco laudos foram analisados. A intenção é finalizar o trabalho da força-tarefa até o final deste mês. Segundo o MP, foi constatado que dois dos 27 civis mortos não faziam parte do tráfico de drogas e morreram em meio ao fogo cruzado, desarmados.
Um dos casos foi o de Matheus, morador que foi colocado já morto em uma cadeira no meio da rua dentro da comunidade, e o outro foi de Ivan, morador de rua que circulava no Jacarezinho durante a operação.
Os promotores afirmaram que ambos não participavam dos conflitos e que foram pegos em meio ao tiroteio durante a ação. No entanto, não foi possível afirmar de onde partiram os tiros que mataram ambos os moradores, como informou o promotor André Luis Cardoso, coordenador da força-tarefa que investiga as mortes.
“Tentamos estabelecer quem foi que atirou, se foi a polícia ou os traficantes, mas não foi possível estabelecer isso por conta do local que não foi preservado. Sobre o Matheus, obtivemos informações de que os próprios colegas o colocaram na cadeira. Mas não temos testemunhas sobre o momento em que ele foi alvejado e também não conseguimos fazer perícia no local onde ele estava”, disse.
Sobre Ivan, o promotor informou que ele não tinha um dos braços e que estava garimpando objetos nas ruas quando foi alvejado. Além disso, disse que os próprios policiais confirmaram que ele não estava armado quando foi morto.
Laudos analisados
Dos laudos analisados, a Promotoria informou que foi possível confirmar as circunstâncias em relação à morte de Omar Pereira da Silva, que foi alvejado dentro do quarto de uma criança na comunidade. O MP diz que foi possível caracterizar a morte dele como homicídio doloso (quando há a intenção de matar), corroborando com as suspeitas da Promotoria.
Na ocasião, Omar estava supostamente encurralado e desarmado quando foi morto pelos policiais. O Ministério Público revelou que foram constatadas marcas de arraste nas roupas periciadas do homem, o que indica que ele foi morto em um local e seu corpo arrastado para outro.
Também após a análise dos cinco laudos encaminhados pela perícia de São Paulo, a promotoria arquivou quatro dos 12 inquéritos sobre a operação. No entanto, o promotor André Luis Cardoso reforçou que o arquivamento não significa dizer que a versão dos policiais é a verdadeira, mas que não foi possível, diante das provas analisadas até agora, refutar a versão dos agentes.
Os laudos que indicariam se houve ou não o empilhamento de corpos ou execução com tiros disparados a curta distância.
“Os dados que recebemos não nos permitem confrontar a versão dos policiais. Não houve, até o momento, a identificação de mistura de DNA humano, o que pode indicar que as pessoas não foram jogadas num mesmo local, como afirmou os agentes. Pode ter ocorrido o empilhamento, mas não dá para comprovar. Buscamos muitas testemunhas, muitas pessoas não quiseram fazer contato. As testemunhas que localizamos não nos forneceram elementos que pudessem confrontar a versão dos policiais, e isso acaba dificultando”, detalhou o promotor.
No entanto, ele destaca que há outros 90 laudos para serem analisados pela força-tarefa do MP, e que muitos detalhes ainda poderão surgir a partir daí. Caso haja novas provas, disse ele, o Procurador Geral de Justiça pode solicitar a reabertura dos inquéritos arquivados. A expectativa é de finalizar todas as análises até o final da semana.
A ação, realizada no dia 6 de maio de 2021, foi planejada pela Polícia Civil para cumprir mandados de prisão contra o tráfico de drogas e suspeitos de outras práticas criminosas. Ela acabou resultando na morte de 28 pessoas, entre elas, um agente da Delegacia de Combate às Drogas. Foi a maior chacina registrada no estado do Rio de Janeiro.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro afirmou na ocasião que relatos de moradores do Jacarezinho apontam que execuções foram feitas por policiais durante a operação. A Força-tarefa do Ministério Público foi montada justamente para apurar as suspeitas de excesso de violência de execuções por parte dos agentes de segurança pública do estado.
Procurada para falar sobre os laudos já analisados, a Polícia Civil do Rio, até o fechamento desta matéria, ainda não se pronunciou.