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    Negros correspondem a 63% das pessoas abordadas por policiais no Rio de Janeiro

    Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania, ainda aponta que um quinto dessas pessoas já foi abordada pela polícia mais de 10 vezes

    Isabelle Resendeda CNN , Rio de Janeiro

    Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança Pública e Cidadania (Cesec) mostra que 63% das abordagens policiais na cidade do Rio de Janeiro têm como alvo pessoas negras. Os dados inéditos revelam, segundo a coordenadora do estudo, a socióloga Silvia Ramos, o caráter racista como centro da atividade policial do estado do Rio de Janeiro.

    De acordo com o levantamento, um quinto (17%) dessas pessoas já foi abordada pela polícia mais de 10 vezes. Ao olhar para o local das abordagens, os pesquisadores perceberam que as atividades comuns para pessoas brancas são vistas como suspeitas para pessoas negras.

    Os negros correspondem a 68% das pessoas abordadas andando a pé na rua ou na praia, enquanto apenas 25% dos brancos são parados pela polícia nas mesmas circunstâncias. O mesmo cenário se repete, por exemplo, quando um negro está a bordo de um táxi, carro de aplicativo ou numa moto, seja como motorista ou passageiro. Em todas as modalidades de abordagem, sem exceção, os negros são mais parados do que os brancos.

    Na maioria dos casos, os abordados são homens, negros, de até 40 anos, moradores de favelas e da periferia, com renda até três salários-mínimos, segundo a pesquisa.

    “O papel dos agentes policiais camufla os papéis igualmente decisivos de delegados, promotores, juízes e agentes penais na manutenção e reprodução cotidiana do racismo. Puxamos o fio de uma meada: o ‘elemento suspeito’ depois se confirma como ‘culpado’ e, depois, como ‘criminoso condenado’, cumprindo ‘pena de prisão’, que, por sua vez, produz o perfil do elemento suspeito: o chamado círculo vicioso”, explica a coordenadora do estudo.

    Um exemplo recente, citado no estudo, foi do jovem Yago Corrêa, de 21 anos, que foi preso como suspeito, após sair para comprar pão, na favela do Jacarezinho, na zona norte da capital. O rapaz, que trabalha como entregador, estava em um churrasco, quando decidiu sair para comprar pão. Ao deixar a padaria, ele percebeu uma confusão envolvendo policiais militares e, com medo, se abrigou em uma farmácia, onde acabou sendo detido pelos militares.

    Após passar duas noites na cadeia, Yago foi solto provisoriamente. Na decisão, o juiz Antonio Luiz Da Fonsêca entendeu que não havia elementos suficientes para manter o jovem preso. O magistrado ressaltou ainda que o próprio delegado colocou em dúvida a participação dele na prática dos supostos crimes. O entregador ainda não foi inocentado.

    Quem a polícia escolhe revistar

    O elemento suspeito considerado pelos policiais militares, que participaram do grupo focal na pesquisa, seria aquele indivíduo com “bigodinho fininho e loirinho, cabelo com pintinha amarelinha, blusa do Flamengo, boné…” ou seja, os agentes descreveram a estética dos jovens das favelas e periferias cariocas.

    Para homens negros, o risco de revista física é semelhante ao de ser abordado. Metade dos entrevistados foi revistado fisicamente. Entre eles, 84% eram homens, 69% eram negros, e 70% eram moradores de favelas e bairros de periferia. Em contrapartida, somente 10% dos brancos são revistados.

    Um trecho da pesquisa afirma que: “A dimensão traumática causada pela abordagem policial que persegue os elementos que julgam ser suspeitos vai além da abordagem ou do freio de camburão. Há outras ações dos agentes de segurança que impactam a vida das pessoas negativamente. O racismo cotidiano ganha forma nessas experiências.”

    Nesta edição, outras experiências com a polícia, para além da abordagem, foram consideradas. Entre os entrevistados, negros são 70% dos que presenciaram a polícia agredindo pessoas, 79% dos que tiveram suas casas invadidas e 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia.

    A pesquisa também perguntou aos entrevistados sobre a avaliação da PM em relação à eficiência, respeito, racismo, corrupção e violência. As pessoas também deram notas para as forças de segurança. A polícia Militar teve o pior desempenho entre os participantes do estudo com nota 5,4. Em primeiro lugar, aparece o Corpo de Bombeiros com nota 9,2. A PM foi reprovada por 45% das pessoas pretas entrevistadas, enquanto 23% das pessoas brancas e 28% das pessoas pardas também não aprovam a instituição. Apenas 3% consideram a PM nada corrupta e 7%, nada violenta.

    A primeira parte da pesquisa foi quantitativa: a partir de um rastreamento com 3.500 pessoas em pontos de fluxo na cidade, foram feitas 739 entrevistas detalhadas pelo Instituto Datafolha. A segunda parte foi qualitativa: foram realizados grupos focais e entrevistas com jovens moradores de favelas, entregadores, motoristas de aplicativos, mulheres e policiais. Desta forma chegou-se ao perfil predominante de pessoas consideradas reiteradamente suspeitas pelos policiais e escolhidas para as abordagens.

    A CNN Brasil procurou a Polícia Militar para falar sobre os dados listados nesta reportagem e aguarda um retorno.

    Presunção racial na abordagem policial

    No ano passado, a abordagem policial de um homem negro em Bauru, interior de São Paulo, levantou discussão sobre racismo policial durante o julgamento da ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na ocasião, dois policiais militares ao passar por uma região da cidade conhecida como ponto de tráfico de drogas, depararam-se com situação que entenderam como possível flagrante: um homem negro estava parado junto ao meio fio em frente a um veículo, como se estivesse vendendo ou comprando algo.

    A situação, descrita dessa forma no auto de prisão em flagrante, levantou dúvidas na 6ª Turma do STJ quanto à presunção racial na abordagem policial. Quando a viatura se aproximou, o carro arrancou e o suspeito foi pego com 1,53 g de cocaína, fato que levou a condenação a sete anos e 11 meses de prisão em regime inicial fechado.

    Em julgamento em 14 de setembro, o ministro Sebastião Reis Júnior abordou o tema. Segundo o ministro, “a fundada suspeita dos dois policiais militares que estavam na viatura foi a cor da pele do suspeito, único elemento descrito por ambos ao justificar a busca pessoal”.

    “Não se falou de altura, de fisionomia, se tinha cabelo, se tinha barba. A única referência era a pele negra. E a situação era de uma pessoa parada do lado de um carro”, afirmou. “Para mim, ficou claro que o motivo da aproximação foi por se tratar de pessoa negra. Não tenho a menor dúvida disso”, disse.

    Na ocasião, Sebastião Reis propôs reconhecer, de ofício, a abordagem como nula, diante da manifesta ausência de fundada suspeita que pudesse justificar a ação dos PMs. Mas a proposta não convenceu os demais ministros da 6ª Turma. Para eles, embora o componente racial seja um problema intrínseco nas questões policiais no país, o caso traz uma dúvida: se houve um ato de racismo ou se, simplesmente, os policiais usaram uma expressão, ainda que absolutamente desnecessária, para se referir ao suspeito, de modo descritivo.

    A conclusão final do colegiado foi por conceder a ordem para redimensionar a pena para dois anos e 11 meses de reclusão, estabelecendo regime aberto com substituição da pena privativa de liberdade por duas medidas restritivas de direitos a serem fixadas pelo Juízo das Execuções Criminais.

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