STF deverá dizer o que acontece com aposentado que usou “revisão da vida toda”
Corte julga recurso da AGU depois de ter derrubado a possibilidade de recálculo
O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para quarta-feira (3) a análise de um recurso do governo contra a “revisão da vida toda”, cálculo que permitia a algumas pessoas aumentar o valor recebido de aposentadoria.
O Supremo derrubou há duas semanas a possibilidade de revisão, em um outro processo, mas ainda há discussões pendentes em relação aos aposentados que já conquistaram na Justiça o direito ao recálculo.
Os ministros haviam validado a “revisão da vida toda” em dezembro de 2022. Numa mudança de posição, a Corte decidiu derrubar, em 21 de março, o entendimento que permitia a revisão.
Essa nova posição é favorável ao governo, que tentava invalidar a revisão ou limitar seu alcance, e contraria os interesses de aposentados e segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A decisão do STF contra a “revisão da vida toda” foi dada em duas ações que questionavam pontos de uma norma de 1999 que alterou pontos da Lei de Benefícios da Previdência Social e criou o fator previdenciário — fórmula matemática usada para definir o valor das aposentadorias do INSS.
Na ocasião, sete dos 11 ministros entenderam que os aposentados não podem optar pela regra mais vantajosa na hora de calcular seu benefício. Esse poder de escolha entre diferentes regras era o que baseava a possibilidade da “revisão da vida toda”.
Mesmo com a revisão invalidada, ainda é preciso definir o que vai acontecer com os aposentados que ganharam na Justiça o direito de revisar suas aposentadorias já que, em dezembro de 2022, o próprio STF havia autorizado essa possibilidade.
É preciso também definir se quem recebeu valores maiores de aposentadoria, fruto do recálculo agora considerado irregular, deverá devolver essa parte do dinheiro pago “a mais”.
A “revisão da vida toda” tem esse nome porque se refere ao recálculo do valor da aposentadoria considerando todas as contribuições feitas durante a vida do trabalhador, inclusive as anteriores à adoção do Plano Real, em 1994.
Recurso
O recurso em pauta é do INSS e foi apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU). O órgão pede uma limitação à “revisão da vida toda”.
Como o STF derrubou a revisão, é possível que a discussão trazida no recurso “perca o objeto”. Isso ocorre quando o dispositivo ou norma questionado é revogado, ou invalidado, por exemplo.
Há grande interesse do governo federal em evitar a autorização para revisão das aposentadorias pelo alegado gasto que provocaria aos cofres públicos. Uma estimativa inicial de impacto foi calculada em R$ 480 bilhões em um cenário “pessimista”, em que todos os aposentados pudessem revisar seus benefícios.
Advogados da área previdenciária que acompanham o caso dizem que o valor gira em torno de R$ 3 bilhões, ao se considerar que há um número restrito de aposentados com direito à revisão.
Controvérsias
Advogados ouvidos pela CNN disseram que o STF deve dar uma definição sobre os casos na Justiça em aberto que discutem o tema, e fixar uma regra para aquelas ações já definitivas.
Para o advogado Gabriel Martel, do escritório Fonseca Brasil Advogados, na prática, o recurso da AGU perdeu o objeto. A partir de então, todas as ações em curso que pedem a revisão serão julgadas improcedentes.
“No julgamento do recurso, devem ser tratados temas como o que vai acontecer com as decisões liminares que estão em vigor”, afirmou. “Se vai poder permanecer com o valor, se cabe ou não devolução dos valores e, nas decisões definitivas, se vai ter alguma modulação.”
Conforme o especialista, nas decisões judiciais definitivas — em que não cabe mais recurso —, existe a possibilidade de o governo buscar reverter o resultado favorável ao aposentado por meio de uma ação rescisória. Mas isso acontece se o STF autorizar esse movimento.
“Acho que o STF tende a criar uma decisão que vai fixar algo para o segurado que já teve decisão definitiva”, afirmou. “Os ministros precisam considerar a boa-fé e a segurança jurídica, considerando que havia uma decisão da própria Corte [que possibilitava a ‘revisão da vida toda’].”
Segundo Lucas Rodrigues D’Império, sócio da área previdenciária na Fordellone Sociedade de Advogados, é preciso analisar todo o contexto da discussão além do mérito do caso, dado que são vários interessados, como União, aposentados e entidades admitidas no processo.
Ele disse que o julgamento da revisão deverá abordar também o alcance da decisão que derrubou a revisão. “Afinal, temos precedentes claros do STF pela aplicação do benefício mais vantajoso”, afirmou, pontuando que os ministros não respeitaram esse histórico ao definir de forma contrária aos aposentados.
“Lembrando que o STJ já decidiu também pela não devolução dos valores por quem os recebem de boa-fé”, disse. “O fato é que no meio previdenciário já há diversas movimentações neste sentido, afinal, o julgamento da ‘revisão da vida toda’ ainda realmente não acabou e o STF precisará mostrar a população qual será o seu destino e todos os seus desdobramentos.”
“Boa-fé”
O advogado João Badari, que participa do julgamento da “revisão da vida toda” pelo Instituto de Estudos Previdenciários, Trabalhistas e Tributários (Ieprev), disse à CNN que a mudança de entendimento do STF causa incertezas para os aposentados.
Badari também afirmou ter expectativa de que pelo menos seja garantido o direito da revisão aos aposentados que entraram com o pedido na Justiça.
Segundo ele, são cerca de 50 mil processos que tratam da demanda no país. “É um número mil vezes menos do que informou o INSS”, disse.
“Caso o INSS peça a devolução de valores já pagos, a gente espera que o STF expressamente traga que os lesados não tenham que devolver. Eles tiveram boa-fé de receber por meio de ação judicial”, afirmou.
“Eu acho interessante que uma ação proposta pelo PT para garantir direitos dos aposentados foi usada no governo do PT para retirar direitos dos aposentados”.
Reviravolta
A fala do advogado sobre a ação do PT diz respeito ao trâmite dos processos. A derrubada da “revisão da vida toda” foi dada pelo Supremo em duas ações, apresentadas em 1999, que questionavam pontos adotados em lei depois da reforma da Previdência do ano anterior.
As ações foram protocoladas por PT, PCdoB, PSB, PDT e pela Confederação Nacional Dos Trabalhadores Metalúrgicos.
Ao analisar esses pontos, os ministros validaram a regra de transição adotada depois da reforma da previdência de 1998. Essa regra determina que só devem ser consideradas para o cálculo da aposentadoria as contribuições feitas a partir de 1994 – quando entrou em vigor o Plano Real.
A regra foi adotada para não prejudicar o trabalhador pela elevada inflação antes do Plano Real. Ocorre que, em alguns casos, houve prejuízo, e o trabalhador receberia uma aposentadoria maior se pudesse ser enquadrado na regra definitiva, e não na de transição.
Em dezembro de 2022, o STF decidiu que o aposentado poderia optar pela regra que fosse mais vantajosa. Assim, validou o recálculo considerando as contribuições feitas durante sua vida pré-Plano Real (a chamada “vida toda”).
A “revisão da vida toda” tem esse nome porque se refere ao recálculo do valor da aposentadoria considerando todas as contribuições feitas durante a vida do trabalhador, inclusive aos anteriores à adoção do Plano Real, em 1994.