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    Conclusão da usina nuclear Angra 3 custará mais que o orçamento de 24 capitais

    Despesa de R$ 17 bilhões, estimada pela Eletronuclear, é maior que previsão de recursos de 10 estados para todo o ano de 2022

    Stéfano Sallesda CNN Rio de Janeiro

    Iniciadas em 1984, as obras da usina nuclear de Angra 3 estão paradas há seis anos. A conclusão da unidade demandará cerca de R$ 17 bilhões, de acordo com as estimativas mais atualizadas da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras responsável pela Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, na Costa Verde, no Rio de Janeiro.

    O valor supera os orçamentos integrais, isolados, de 24 capitais brasileiras para o ano de 2022, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro, segundo levantamento da CNN.

    É maior também que os valores aprovados pelas assembleias de legislativas de dez estados para o mesmo período, e se soma aos R$ 7,8 bilhões já investidos pelo governo na construção da unidade.

    Questionado sobre a relação custo e benefício dos custos e da futura usina, que adicionará ao sistema 1,4 mil megawatts de potência, tem inauguração prevista para 2026 e está 65% concluída, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou até o momento.

    A retomada das obras de Angra 3 foi autorizada na última sexta-feira (28), pelo Comitê de Administração da Eletrobras. Nesta fase, foi homologado o consórcio vencedor licitação para realizar as obra do Programa de Aceleração do Caminho Crítico, que inclui o prédio do reator e edifícios de segurança, orçada em R$ 300 milhões.

    Para o restante da estrutura, será realizada adiante uma nova licitação, que está com edital em processo de montagem pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pode modificar o valor do orçamento vigente.

    Um estudo do Instituto Escolhas aponta que o descomissionamento da obra, com a realização de todos os pagamentos e indenizações de contratos, custaria cerca de R$ 12 bilhões.

    O trabalho aponta ainda que, se a energia produzida pela unidade fosse substituída por solar durante os 35 anos de funcionamento da unidade, seria possível economizar R$ 12,5 bilhões no período.

    Diretor executivo do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão destaca que, segundo o estudo, o megawatt da Angra 3 sairia a R$ 528. Mais de cinco vezes o estimado em 2018 como custo para a mesma energia produzida por fonte solar (R$ 103).

    “Esse é um valor em queda, com a popularização da energia solar. O governo tem que mostrar é quanto essa energia nuclear vai custar na conta de cada um de nós. Se o governo quer ter programa nuclear, ninguém tem nada contra, é uma decisão de governo.

    Mas ele não pode ficar pendurado na nossa conta de luz, a segunda mais cara do mundo. Aqui, a energia já é a segunda maior inadimplência, atrás só do cartão de crédito”, afirma Leitão.

    Presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha classifica a ideia de descomissionar Angra 3 como um despropósito que não deixaria qualquer legado para o Sistema Interligado Nacional.

    “Não terminar custa quase tanto quanto terminar, com o agravante de gerar zero de potência, de uma fonte que não gera emissões de carbono. É uma discussão inócua, porque há que se pagar um custo muito elevado para isto, e uma parcela dele é atrelada ao dólar, com efeitos de variação cambial. Com garantia de estabilidade de sistema que nenhuma fonte dá, porque não depende de sol, vento, água, nada disto”, pondera Cunha.

    Diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) entre 2016 e 2020, o engenheiro elétrico Luiz Eduardo Barata entende que a obra deve ser concluída, mas eventuais expansões expansões da fonte nuclear precisam ser analisadas com cautela.

    “Pela quantidade de dinheiro já empregada na construção de Angra 3, eu entendo que essa usina precisa sair do papel e ficar pronta, para atender à população. O que precisa ser analisado com parcimônia é a expansão desse parque nuclear. Sou contra novas usinas, porque a expansão da nossa matriz deve ocorrer com base em energias renováveis”, explica Barata.

    Atualmente, a Empresa de Pesquisas Energética (EPE), estatal, está com consulta pública aberta para o Plano Decenal de Energia (PDE 2031). O documento prevê a construção de uma quarta usina nuclear no país, situada no Sudeste, em estado ainda indefinido.

    O Ministério de Minas e Energia fechou um acordo com o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), da Eletrobras, para o mapeamento de possíveis sítios para instalação de futuras usinas.

    O estudo levará em consideração a possibilidade de uso da nova tecnologia de reatores portáteis, considerados mais eficientes e seguros, que podem tornar as obras mais rápidas e os processos mais baratos, de acordo com Cunha. O Plano Nacional de Energia (PNE) prevê expansão de capacidade entre 8 e 10 gigawatts até 2050.

    “Eles reduzem muito os riscos, mas não acredito que o uso deles seja viável já para essa usina prevista no PDE 2031, porque ele prevê uma capacidade de mil megawatts, enquanto os atuais reatores portáteis podem atender apenas 300. Mas, se começarmos, com uma produção contínua, teremos condições a chegar a uma margem de 65% a 75% de conteúdo nacional em 28 anos”, conclui Barata.

    Sérgio Leitão entende que o projeto de expansão de energia nuclear previsto pelo governo tem um objetivo militar. Ele lembra que o ministro Bento Albuquerque, almirante, foi responsável pelo programa de submarinos da Marinha, que trabalha na construção de um submarino de propulsão nuclear.

    “O ministro quer usar Angra 3 para ter produção de urânio suficiente para pagar a conta do submarino nuclear. Essa é uma discussão que deveria acontecer no orçamento da Defesa. Quando se empurra para a conta de luz, ela torna mais caros os produtos que a indústria produz, a comida, a inflação do restaurante, e gera uma inflação maior em um momento em que a população está absolutamente estressada do ponto de vista econômico”, conclui.

    O Ministério de Minas e Energia também não respondeu sobre a existência de eventuais sinergias entre o programa nuclear para geração de energia elétrica e o submarino da Marinha.

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