Daniel Alves, Robinho, a Lei e a Ordem
Casos de jogadores famosos ressaltam a necessidade de fiscalizar quem faz as leis e não somente quem as executa. É hora de repensar a forma como escolhemos ídolos
Sou um grande fã de “Law and Order” (A Lei e a Ordem), um dos mais conhecidos seriados de TV baseados em investigações policiais e tribunais. Vários episódios retratam casos de absolvições que são consideradas absurdas pelos investigadores e, também, pelos telespectadores.
Casos que geram grande repercussão na mídia e comoção popular costumam ser especialmente espinhosos.
É o que ocorre agora com os jogadores de futebol Daniel Alves e Robinho. Como cidadão, neto, filho e pai tenho minha opinião formada, que aqui compartilho: para mim, ambos são culpados e devem cumprir penas rigorosas.
Minha opinião é irrelevante em termos legais. Ainda que ela seja compartilhada por boa parte da opinião pública e isso possa influenciar julgadores aqui e na Espanha, eles precisam passar por cima disso tudo e se ater ao que está escrito, às provas e ao devido processo legal.
De novo, expressarei uma opinião particular: a lei brasileira é cheia de atalhos e abre muitas possibilidades para recursos e interpretações.
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Francisco Falcão, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e relator do caso, votou pela validação da condenação e a transferência da pena para o Brasil • Gustavo Lima/STJ
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Ministro Raul Araújo, do STJ, divergiu do relator e votou contra Robinho cumprir pena no Brasil • Foto: Pedro França/STJ
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Sessão da Corte Especial do STJ que julgou a homologação de sentença da Itália contra o ex-jogador de futebol Robinho • Rafael Luz/STJ
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Robinho foi condenado por estupro pela Justiça italiana, com pena de nove anos de prisão • Rafael Luz/STJ
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Caso de estupro ocorreu em janeiro de 2013, e ex-jogador foi condenado em 2020 • Rafael Luz/STJ
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Itália pediu que pena fosse cumprida no Brasil, já que o país não extradita seus cidadãos • Rafael Luz/STJ
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José Eduardo Alckmin, advogado de Robinho • Rafael Luz/STJ
Decisão do STJ é histórica
O caso de Daniel Alves está sendo tocado pela Justiça espanhola dentro dos trâmites daquele país. Ele tem dupla nacionalidade e também é espanhol.
Para nós, brasileiros natos e aqui residentes, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em homologar a condenação de Robinho na Itália para que ele cumpra a pena no Brasil é histórica e provoca muitas reflexões.
Existe acordo de extradição entre Brasil e Itália. Este acordo não inclui cidadãos brasileiros natos, apenas naturalizados. Robinho nasceu no Brasil e, pela lei brasileira, não pode ser extraditado para cumprir a pena a que foi condenado em todos os graus de jurisdição na Itália.
Quando começa o debate jurídico
O STJ reconheceu a pena imposta a um cidadão brasileiro por crime cometido fora do País.
É neste ponto que começa o debate jurídico. Terreno pantanoso, recomendado para especialistas.
Reproduzo aqui somente possibilidades e interpretações.
Primeiro, o debate entre norma penal e processual. Norma penal é toda aquela que está relacionada ao poder punitivo do Estado. Norma processual, como diz o nome, refere-se ao processo em questão e não à punição propriamente dita.
Advogados e juristas debatem sobre a abordagem do caso de Robinho ser penal ou processual. Quem defende a tese penal entende que houve acerto em homologar a decisão italiana. Os adeptos da abordagem processual entendem que não.
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Robinho durante audiência de custódia na sede da Justiça Federal de Santos • Reprodução
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Robinho com a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2010 • Ryan Pierse - FIFA/FIFA via Getty Images
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Robinho em jogo de 2019 pelo Istanbul Basaksehir • 24/10/2019REUTERS/Kemal Aslan
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Robinho com a camisa do Santos • Divulgação
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Robinho e Daniel Alves em treino da Seleção para a Copa do Mundo de 2010 • Richard Heathcote/Getty Images
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O ex-jogador Robinho quando atuava pela Seleção Brasileira • Evelson de Freitas/Estadão Conteúdo - 10.jun.2009
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Ex-jogador Robinho • Tony Gentile/Reuters
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Naldo, Robinho e Diego conversam após jogo entre Real Madrid e Werder Bremen, em 2007, pela Liga dos Campeões • Friedemann Vogel/Bongarts/Getty Images
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Robinho em campo pelo Santos no Brasileirão de 2015 • Friedemann Vogel/Getty Images
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O atacante Robinho durante jogo pela Seleção Brasileira • Suhaimi Abdullah/Getty Images -14.out.2014
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Robinho, em entrevista no CT Rei Pelé, na Baixada Santista, em 2010. • RICARDO SAIBUN/AGIF/AE
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Robinho comemorando gol sobre a Tanzânia durante jogo amistoso em preparação para a Copa do Mundo 2010. • JONNE RORIZ/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
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Robinho durante amistoso entre Brasil e Argentina em Londres em 2006 • 03/09/2006 Action Images / Michael Regan
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Robinho com a camisa do Santos • Foto: Ivan Storti - 13.out.2020/Santos FC
A Lei de Migração
Outro aspecto do caso envolve a Lei de Migração (Lei 13.445/17), que trata do princípio jurídico conhecido como exequátur, que permite a homologação de condenação aplicada a brasileiros por crime cometido em outro país.
A Lei de Migração é de 2017, data posterior ao crime pelo qual Robinho foi condenado na Itália, cometido em 2013. De novo, cabe interpretação de profissionais do Direito.
Para alguns, a lei não pode retroagir para punir alguém por um crime cometido quando ela não estava em vigor. Para outros pode, pois o caso se enquadra como norma penal. Para o STJ prevaleceu esta interpretação.
A abertura de um novo processo no Brasil para julgar o crime pelo qual Robinho foi cometido na Itália é o argumento da defesa. Neste caso, como cidadão brasileiro, ele teria direito ao cumprimento de todo o processo legal em seu país. Por isso, os advogados do atleta entrarão com recursos.
Law and Order
Retorno a Law and Order. A origem do termo está na política de tolerância zero adotada pela cidade de Nova York para reprimir a criminalidade alarmante nos anos 1980.
Muitos de nós, brasileiros, consideramos nossas leis ruins e frágeis. Mas pouca atenção prestamos a quem elegemos para o Poder Legislativo, exercido pelos políticos que elaboram as leis que serão executadas pelo Poder Judiciário.
A revolta e a comoção servem como elementos de pressão para que legisladores elaborem leis mais rígidas e com menos atalhos para que o Judiciário possa executar penas que atendam ao clamor popular.
A lei precisa ouvir o clamor das ruas, mas não pode ser justiceira. Ressalto que, no caso de Robinho, entendo que o STJ acertou. Opinião de cidadão leigo em Direito.
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Daniel Alves em julgamento na Espanha • D.Zorrakino. POOL / Europa Press
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Daniel Alves em julgamento na Espanha • D.Zorrakino. POOL / Europa Press
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Daniel Alves em julgamento na Espanha
Idolatria, exageros e armadilhas
Mas a maior reflexão que faço é sobre idolatria, seus exageros e suas armadilhas.
Atletas de sucesso são apenas e tão somente atletas de sucesso. Podem ser exemplos de talento, esforço e desempenho e, simultaneamente, péssimos cidadãos e seres humanos em vários aspectos.
A idolatria potencializa os feitos, mas não pode maquiar os malfeitos.