MP reabre inquérito para investigar problemas em obras no Mercadão Municipal de São Paulo
Decisão vem depois de denúncias de locatários, vereadora e Tribunal de Contas; concessionária diz que terminará as obras até novembro
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) decidiu reabrir um inquérito que havia sido arquivado no ano passado para investigar novas denúncias de problemas no Mercadão Municipal de São Paulo. A decisão é uma resposta às várias denúncias feitas ao longo dos últimos meses, de que a concessionária que ganhou a licitação não está administrando de forma adequada o patrimônio da cidade.
Na decisão obtida pela CNN, o promotor Carlos Henrique Prestes Camargo determina que sejam investigadas as denúncias “especialmente com relação ao estado de conservação e manutenção do Mercado Municipal de São Paulo (“Mercadão”), notadamente, sinais de recente intervenção e reforma com acabamentos supostamente mal feitos e inapropriados, causados pela utilização de materiais e processos inadequados, presença de lixo e sacos de lixo, espalhados pelas vias de circulação dos usuários, falta de manutenção nos banheiros e condições básicas de cuidados sanitários, infiltrações nas paredes dos banheiros, sanitários quebrados e bueiros entupidos e transbordando”.
Em entrevista à CNN, o diretor presidente da concessionária Mercado SP, Aldo Bonametti, afirmou que a meta é terminar as obras previstas em novembro de 2024. “Hoje já temos a fachada externa do Mercado Municipal de São Paulo terminada, estamos no meio para o final do restauro interno”, disse.
O MP cobrou ainda uma resposta do Corpo de Bombeiros de São Paulo sobre a existência ou não do auto de vistoria que atesta a proteção e segurança contra incêndios, não só do Mercaadão mas também do Mercado Kinjo Yamato, concedido em conjunto e vizinho do Mercadão. A concessionária diz que o Mercadão já tem o documento.
Foram oficiados ainda o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) para que se manifestem sobre a reforma.
Os órgãos têm a obrigação de zelar por patrimônios públicos tombados, como é o caso do Mercadão. As empresas que administram o mercado dizem que a aprovação do plano de intervenção demorou cerca de um ano e elas precisaram fazer alterações no meio do caminho.
Pela decisão do MP, a SP Regula, braço da prefeitura de São Paulo que fiscaliza os bens concedidos, deverá ir até o local e fazer uma vistoria para avaliar a situação do mercado hoje. Sobre isso a prefeitura afirmou que o órgão “fiscaliza regularmente o andamento das obras por meio da SP Regula e os trabalhos também são acompanhados por unidades técnicas do Conpresp e Condephaat”. A administração disse também que “em caso de falhas, a concessionária é orientada ou notificada a corrigir os serviços”.
A gestão municipal, no entanto, não informou as datas de fiscalizações realizadas pela SP Regula e solicitadas pela CNN.
Problemas nas obras
A decisão do Ministério Público vem depois da manifestação de locatários dos quiosques e áreas para restaurantes do Mercadão, de uma representação da vereadora Luna Zarattini (PT) e de um processo aberto pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).
Em outubro do ano passado, o TCM emitiu um alerta para a prefeitura depois de auditores do tribunal localizarem problemas considerados graves pós-concessão. Apenas 11% dos R$ 88 milhões de investimento previstos no edital haviam sido feitos pelo Consórcio Novo Mercado Paulistano, que é composto pelas empresas denominadas “Brain Realty Consultoria e Participações e Fundo de Investimentos Mercado Municipal – Concessionárias”.
Sobre isso, o presidente da concessionária afirmou que o investimento até agora no plano de intervenção foi de cerca de R$ 30 a R$ 40 milhões e que até novembro o valor deve chegar até algo em torno de R$80 milhões, um pouco menos do que era previsto.
“A obra de restauro só foi aprovada em setembro de 2022. Então em setembro de 2022 é que os grandes investimentos começaram a ser feitos com restauro. […] É o trâmite normal de qualquer concessão, de qualquer obra, principalmente tratando-se de patrimônios tombados”, disse.
O Tribunal questionou a prefeitura se o conjunto de empresas tinha capacidade técnica, financeira e de gestão para administrar o Mercadão e o Kinjo. As respostas enviadas inicialmente foram consideradas insuficientes pelos auditores para provar que sim. Novos questionamentos foram feitos e as explicações seguem em análise.
Em nota à CNN, a prefeitura diz que “todas as intervenções planejadas estão em execução” e que “a concessionária responsável pela gestão do equipamento comprovou reunir condições financeiras e operacionais para o trabalho e está cumprindo o previsto no caderno de encargos da concessão”.
A administração municipal reconhece a demora nos órgãos que cuidam do patrimônio tombado, diz que a concessionária não tem culpa disso, e que o contrato foi alterado em comum acordo esticando o prazo até novembro de 2024 pra dar tempo de realizar as intervenções.
A CNN apurou que o caso deve voltar ao plenário do TCM na próxima quarta-feira (20), com novas denúncias.
Locatários dos espaços reclamam da alta de valores cobrados por aluguéis de boxes, desinsetização e seguros. Sobre isso, Bonametti afirmou que não aumentou nenhum valor pra além do previsto no edital, e que novos aumentos só virão depois das obras concluídas.
Chuvas e pragas
Apesar dos investimentos milionários da concessionária, imagens mostram vazamentos na parte interna do mercado, com a força da água abrindo tampas de bueiros, além de armadilhas improvisadas para capturar ratos.
Um locatário, que não quis se identificar por medo de represálias, afirmou que o combate às pragas, que estava incluído no valor do condomínio, foi alterado e tem sido mal executado. “De vez em nunca você vê alguém da desinsetização passando para aplicar os produtos para baratas. E as gaiolas de ratos que deveriam ser colocadas do lado de fora do mercado foram colocadas do lado de dentro, perto do lixão, o que acaba atraindo os ratos”, disse ele.
Tanto a prefeitura quanto a concessionária reconheceram que há problemas com o controle das pragas no local. Eles atribuem isso a uma obra que está sendo realizada na Avenida do Estado, que dá acesso ao Mercadão.
“O controle de pragas é uma exigência contratual e a Gerência de Abastecimento e Lazer da SP Regula também exige os devidos certificados de dedetização, que são enviados regularmente pela concessionária, mas houve um desequilíbrio momentâneo na circulação de pragas urbanas em função das obras de reforma na Avenida do Estado, com interferência pontual na rede de esgotos”, disse a prefeitura em nota.
“O rato não vem, os animais não vêm por conta das áreas comuns. Eles vem por conta do que existe dentro dos boxes, queijos… enfim… Todos os boxes sem exceção trabalham com alimentos de alguma forma. De todos [os comerciantes] a gente exige comprovantes da desinsetização”, afirmou Bonametti. Ele diz que novas medidas estão em estudo pela empresa de controle de pragas.
Sobre as chuvas, ele também atribui os problemas à obra que está sendo realizada nas proximidades do Mercadão. Ele também afirma que faz reuniões com os locatários rotineiramente e que os processos são transparentes, inclusive no que diz respeito às contas.
A vereadora Luna Zarattini (PT), que fez a denúncia ao Ministério Público, conta que conversou com os comerciantes e, no local, constatou os problemas relatados.
“Eu e o deputado estadual Antônio Donato (PT) estivemos lá no ano passado e percebemos vários problemas com a pintura, as mudanças de acesso à internet sem justificativa, cobranças de veículos que não existiam, água escorrendo pelas canaletas, falta de estrutura e limpeza mal feita nos banheiro”, disse ela à CNN.
“É um absurdo, estão ferindo um patrimônio histórico e cultural no centro de São Paulo. Claramente o contrato de concessão não está sendo cumprido”, completou Luna.
Aldo Bonametti reconhece que foram necessários pequenos ajustes depois do início das obras, afirma que não há problemas com a internet e que os veículos que descarregam mercadorias têm um horário específico pra estacionar. Diz ainda que os problemas com o lixo foram resolvidos e que há “banheiristas” nos quatro sanitários do Mercadão para fiscalizar a limpeza.
“Hoje o olhar que a gente tem pro Mercado, o que a gente vê no mercado e o que a gente recebe de feedbacks tanto de consumidores quanto de lojistas é que ele está mais gostoso, mais simpático, mais agradável”, disse o presidente da concessionária à CNN.
A prefeitura diz que “está atuando para recuperar as condições do Mercado Municipal Central” e ressalta “a relevância histórica de um dos principais cartões postais da cidade, que foi abandonado pelas administrações anteriores”.
Inaugurado em 1933, o Mercadão foi concedido em 2021 para a iniciativa privada por um valor de R$ 371 milhões. O prazo de administração é de 25 anos.