Grupo ligado a Rudy Giuliani tramou caso de eleitores falsos em 7 estados
Ex-advogado de Trump teria atuado para manipular os resultados das eleições presidenciais em estados considerados estratégicos
Um grupo de pessoas responsáveis pela campanha de Donald Trump, liderado por Rudy Giuliani, coordenou os esforços para tentar impor eleitores ilegítimos na última eleição para presidente dos Estados Unidos.
A ação aconteceu em dezembro de 2020 em sete estados onde Trump perdeu as eleições, de acordo com três fontes com conhecimento direto do esquema.
As fontes disseram que os membros da equipe de campanha do ex-presidente Trump estavam muito mais envolvidos do que anteriormente conhecido na ação, uma parte central do plano para derrubar a vitória do presidente Joe Biden durante a contagem de votos eleitorais no Congresso em 6 de janeiro.
Giuliani, então advogado pessoal de Trump, e seus aliados coordenaram as engrenagens do plano no nível dos estados, segundo as fontes revelaram à CNN.
Uma fonte disse que foram feitas várias ligações para planejamento entre os responsáveis da campanha de Trump e os agentes estatais do Partido Republicano, e que Giuliani participou em pelo menos uma chamada.
A fonte também disse que a campanha de Trump colocou apoiadores para preencher vagas de eleitores, fechou salas de reuniões em câmaras estaduais para que os eleitores falsos se encontrassem em 14 de dezembro de 2020, e distribuiu rascunhos de certificados falsos que foram depois enviados para os Arquivos Nacionais.
Trump e alguns dos seus principais conselheiros encorajaram publicamente o esquema de “eleitores suplentes” nos estados da Pensilvânia, Geórgia, Michigan, Arizona, Wisconsin, Nevada e Novo México. Nos bastidores, Giuliani e Trump encenaram ativamente todo o processo, de acordo com as fontes.
Uma eleitora falsa de Michigan gabou-se recentemente que a campanha de Trump havia dirigido a toda a operação.
“Lutamos para posicionar os eleitores. A campanha de Trump pediu que a gente fizesse isso”, contou Meshawn Maddock, copresidente do Partido Republicano de Michigan, num evento público da semana passada, organizado pelo grupo conservador Stand Up Michigan, de acordo com uma gravação obtida pela CNN.
“[Matt Maddock] batalhou por investigações em todas as partes possíveis da eleição. Ele lutou por ter uma equipe de pessoas que testemunhassem perante a comissão. Lutamos para posicionar os eleitores. A campanha de Trump pediu que a gente fizesse isso – sob muito escrutínio. Meu marido tem sofrido um pouco por isso em Lansing porque [a ação] não é muito popular, mas, você sabe quando está representando todo o estado de Michigan e é isso que eu vejo agora. Eu percebo que mesmo que você esteja indo votar para que alguém seja seu próximo deputado estadual, seu próximo senador estadual, a verdade é que essas pessoas representam todos nós”.
Maddock foi também um dos 16 apoiadores de Trump no Michigan que serviram como eleitores falsos e assinaram o certificado ilegítimo que foi enviado aos Arquivos Nacionais.
“Foram Rudy e esses personagens bizarros que começaram a coordenar”, afirmou um ex-funcionário da campanha Trump. “A campanha jogava m***a suficiente na parede para ver o que colava”.
Parte do plano de 6 de janeiro
O esquema era parte integrante do plano de Trump de convencer o então vice-presidente Mike Pence de remover os eleitores de Biden e substituí-los pelos eleitores do Partido Republicano no dia 6 de Janeiro, quando o Congresso contou com os votos eleitorais.
O plano vem sendo investigado pelo comitê de 6 de janeiro e por promotores estaduais, levantando questões sobre o envolvimento da campanha de Trump e se leis foram violadas.
O presidente do comitê, o deputado Bennie Thompson, do Mississippi, disse aos repórteres na quinta-feira (20) que o painel está estudando se havia uma conspiração ou um envolvimento mais amplo da Casa Branca de Trump na criação ou no envio dos eleitores falsos.
“Isso é uma preocupação”, afirmou Thompson.
Na carta de intimação enviada a Giuliani na terça-feira (18), a comissão do Congresso se refere especificamente os seus esforços para convencer as legislaturas estaduais a derrubar os resultados eleitorais. O documento cita os comentários de Giuliani, de dezembro de 2020, nos quais ele apelou publicamente aos legisladores no Michigan para que atribuíssem os votos eleitorais daquele estado a Trump.
Um dos eleitores pró-Trump da Pensilvânia, Sam DeMarco, disse à CNN que houve uma disputa de última hora, na qual os eleitores republicanos pressionaram os responsáveis da campanha de Trump a adicionar ressalvas legais ao certificado falso, dizendo que eles eram eleitores de reserva caso a aposta jurídica de Trump prevalecesse.
Os documentos falsos da Pensilvânia e do Novo México continham essas ressalvas, mas os dos outros cinco estados afirmavam explicitamente – e falsamente – que os eleitores pró-Trump eram os eleitores legítimos.
Não está claro se qualquer um dos eleitores falsos participou em sessões estratégicas com a campanha principal de Trump. Mas tanto Maddock, de Michigan, como DeMarco, da Pensilvânia, contaram que estavam em contato direto com os membros da campanha Trump.
Muitos dos agentes envolvidos no esquema, incluindo Maddock, apoiam suas ações e ainda espalham a mentira de que a eleição de 2020 foi roubada. Giuliani, um porta-voz de Trump e um representante da Stand Up Michigan não responderam aos pedidos de comentários da CNN.
Invasão ao Capitólio dos EUA completou um ano em 6 de janeiro
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A mentira da eleição roubada
Depois de Trump não ter conseguido impedir os chamados estados de campo de batalha (os estados mais decisivos nas eleições) de certificar a vitória de Biden, os responsáveis da campanha de Trump, liderados por Giuliani, lançaram o seu esforço paralelo para perturbar e minar o processo do Colégio Eleitoral.
A estratégia incluía falar publicamente de alegações (falsas) de fraude e, ao mesmo tempo, explorar calmamente os caminhos possíveis para derrubar os resultados.
Trump esperava que os legisladores republicanos dos sete estados decisivos substituíssem os eleitores autênticos de Biden pelos eleitores falsos republicanos, e que Pence aceitasse esses eleitores durante a sessão conjunta do Congresso, em 6 de janeiro.
Uma fonte disse à CNN que Pence estava preocupado com a possibilidade de “eleitores suplentes”, e sua equipe formulou cuidadosamente o que disse naquele dia durante a certificação do Colégio Eleitoral para reconhecer apenas os eleitores legítimos.
Uma das fontes com conhecimento direto do esquema, um antigo membro da campanha Trump, contou à CNN que Giuliani trabalhou de perto na estratégia de sete estados com Christina Bobb, correspondente da rede de TV pró-Trump One America News (OAN).
Muitas das conspirações desarticuladas de Giuliani sobre a eleição de 2020 foram amplamente divulgadas na OAN. Em um depoimento no ano passado como parte de um processo judicial civil, Giuliani disse que Bobb era “muito ativa na coleta de provas” como “parte da equipa jurídica” que trabalhava para a campanha de Trump durante a transição presidencial.
Bobb procurou um legislador do Arizona para tratar da suposta fraude eleitoral, de acordo com os emails obtidos pelo grupo de supervisão governamental American Oversight através de um pedido de registos públicos. Em 4 de dezembro de 2020, Bobb disse que estava enviando a mensagem em nome de Giuliani. Os emails revelam como a equipe de Trump tentava pressionar as câmaras estaduais para derrubar os resultados.
Bobb não respondeu a pedidos de comentários.
“Estavam todos trabalhando juntos. Rudy, John Eastman e Christina Bobb, em conjunto, para criar esta cobertura para a OAN, para prosseguir com a Grande Mentira”, disse o ex-membro da campanha Trump.
Embora os principais veículos de notícias tenham coberto os procedimentos do Colégio Eleitoral, que cimentaram a posição de Biden como presidente eleito, o OAN centrou-se nos eleitores desonestos e nos mitos sobre a fraude eleitoral.
O jornal “The Washington Post” foi o primeiro a relatar novos detalhes sobre o papel de Giuliani e Bobb.
Campo de batalha do Michigan
Os republicanos em Michigan eram fundamentais na tentativa de derrubar os resultados eleitorais. Meshawn Maddock – junto com seu marido, o deputado estadual Matt Maddock – foi fundamental para o esforço no estado.
O casal Maddock tem laços profundos com Trump. O ex-presidente apoiou Matt Maddock na sua tentativa de ser líder da Câmara do Michigan. Maddock tuitou uma foto no ano passado de um artigo escrito sobre sua campanha assinado por Trump, que escreveu, “Matt, estou com você em todo o caminho”.
Nos meses que antecederam o 6 de janeiro, Matt Maddock espalhou consistentemente a mentira de Trump ao se referir às eleições. No início de dezembro de 2020, Matt Maddock e outros deputados estaduais republicanos do Michigan realizaram uma série de audiências que procuravam validar reivindicações infundadas de fraude generalizada contra os eleitores. A ação resolveu em uma visita pessoal de Giuliani.
Quando a tentativa de convencer os legisladores do estado do Michigan de bloquear os eleitores de Biden falhou, Maddock estava entre deputados republicanos de cinco estados que enviaram uma carta ao vice Pence em 5 de janeiro, instando-o a adiar a certificação dos votos eleitorais. Pence se recusou a aderir ao plano.
A mulher de Matt, Meshawn Maddock, é igualmente próxima de Trump e ainda sustenta a mentira de que a eleição foi roubada.
Além de ser eleitora, ela também ajudou a organizar os ônibus para levar ativistas republicanos a Washington nos protestos de 6 de janeiro e participou da marcha até o Capitólio dos EUA. Mais tarde, ela criticou a violência que veio depois do mês de março.
Maddock foi eleita copresidente do Partido Republicano de Michigan um mês após o 6 de janeiro. Agora, conforme seu papel como eleitora falsa é revelado, ela vem atraindo mais escrutínio jurídico.
“De acordo com a lei estadual, acho que você claramente cometeu falsificação de registro público, que é um delito com pena de 14 anos, e falsificação da lei eleitoral, que é um delito com pena de cinco anos”, declarou a procuradora-geral do Michigan Dana Nessel, uma democrata, na semana passada, sobre os certificados falsos assinados por eleitores pró-Trump.
Ninguém, incluindo Meshawn Maddock, foi acusado de crimes relacionados ao esquema.
“Isso nada mais é do que uma acusação política de conveniência liderada por Dana Nessel”, afirmou Gustavo Portela, diretor de comunicações do MIGOP, quando perguntado sobre os comentários e o papel da Maddock como eleitora falsa.
Texto alterado na Pensilvânia
Os documentos da Geórgia, Arizona, Michigan, Wisconsin e Nevada declararam explicitamente, falsamente, que os eleitores republicanos eram os eleitores legítimos, representando 59 votos eleitorais.
Mas os documentos da Pensilvânia e do Novo México continham cláusulas que diziam que os apoiadores de Trump eram eleitores reserva, caso um tribunal ou qualquer outro processo mais tarde determinasse que eram os “eleitores devidamente eleitos e qualificados”.
Os documentos deram um Verniz de proteção jurídica aos apoiadores de Trump que tentavam explorar o processo do Colégio Eleitoral para derrubar a eleição.
Demarco, que foi um dos eleitores pró-Trump do Estado, e é o presidente do Comité Republicano do Condado de Allegheny, disse à CNN que ele e outros eleitores suplentes assinaram o certificado a pedido da campanha de Trump. No entanto, eles primeiro exigiram que o texto fosse alterado para deixar claro que ele não se destinava a contestar a vontade dos eleitores naquele estado que votaram em Biden.
O texto alterado foi incluído no último minuto, já que a campanha de Trump tinha preocupações e questionava se a mudança era apropriada antes de 14 de dezembro.
A campanha Trump acabou concordando com a mudança. Mas a discussão interna mostra que mesmo alguns dos mais fortes aliados de Trump estavam preocupados com as tentativas de derrubar as eleições de 2020.
O gabinete do procurador-geral da Pensilvânia, Josh Shapiro, democrata, disse que eles olharam para o assunto, mas concluíram que o certificado falso não era uma falsificação ilegal.
“Essas ‘cédulas falsas’ incluíram uma cláusula condicional de que seriam somente usadas se um tribunal derrubasse os resultados em Pensilvânia, o que não aconteceu”, declarou. “Embora a sua retórica e a sua política tenham sido intencionalmente enganosas e intencionalmente prejudiciais para a nossa democracia, com base na nossa revisão inicial, o nosso gabinete não acredita que isto cumpra as normas legais para falsificação”.
Preocupações com a democracia
Os legisladores democráticos, as autoridades estatais e o próprio Biden condenaram veementemente o enredo dos eleitores falsos. Biden mencionou o tema na coletiva de imprensa de quarta-feira (20), quando questionado sobre o impasse na votação da lei dos direitos de voto no Congresso.
“Nunca pensei que a gente chegaria ao ponto de ter de falar… do que tentaram fazer desta última vez, de enviar diferentes eleitores para os órgãos legislativos estaduais para representar quem venceu as eleições, dizendo que não ganhei, mas o candidato republicano ganhou”, disse Biden. “Duvido que alguém pensasse que isso aconteceria na América no século 21, mas isso está acontecendo”.
A natureza coordenada dos esforços dos falsos eleitores e o crescente poder daqueles que promovem a mentira mentir nos círculos republicanos têm preocupado as organizações de direitos de voto em todo o país.
Nancy Wang, diretora executiva da organização Voters Not Politicians, do Michigan, disse que o seu grupo foi fundado em 2016 para abordar a redistribuição e o acesso à votação, mas a tentativa de Trump de derrubar a eleição de 2020 estimulou a organização a se concentrar-se na luta contra os esforços antidemocráticos em geral.
“É uma questão existencial. São instituições muito fundamentais de nosso governo: se podemos votar, se temos algum poder. É uma época completamente diferente a que estamos enfrentando em 2020 e 2022. Parece muito urgente. É uma batalha de um tipo completamente diferente. É enorme, é coordenada a nível nacional. É muito mais ameaçadora”.