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    Após defender Moro, governo muda tom e diz à ONU que decisões do STF pró-Lula tornam processo nulo

    Na prática, o Brasil argumenta que a ação do petista ficou "sem propósito", não cabendo mais a análise da corte internacional

    Thais Arbexda CNN , Brasília

    Três anos depois de fazer uma defesa enfática da atuação do ex-juiz Sergio Moro na Lava Jato ao Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), o governo brasileiro mudou o tom. Em manifestação enviada em novembro ao organismo internacional, o Brasil afirmou que a queixa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que foi alvo de um julgamento parcial já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, o país diz que a ação do petista ficou “sem propósito”, não cabendo mais a análise da corte internacional.

    No documento, ao qual a CNN teve acesso, o governo sustenta o argumento a partir dos julgamentos do Supremo que reconheceram a incompetência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-presidente e a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro ao proferir as sentenças contra Lula.

    O Comitê de Direitos Humanos da ONU pautou o caso envolvendo Lula e a expectativa é que a análise aconteça em maio. A CNN apurou, no entanto, que o governo brasileiro e a defesa do ex-presidente ainda não foram notificados a respeito da data.

    No julgamento que acontecerá em Genebra, onde está sediado o colegiado, os 18 integrantes vão se debruçar sobre a admissibilidade do pedido do ex-presidente e, se aceito, na sequência, sobre o mérito. Neste ponto, a discussão será, fundamentalmente, se, a partir das decisões do Supremo, as violações aos direitos humanos de Lula foram irreversíveis ou não. A defesa do ex-presidente sustenta ao colegiado que os fatos provam que são irreversíveis.

    O processo corre em sigilo no organismo internacional desde 2016, quando os advogados do petista, Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, apresentaram uma queixa afirmando que o ex-presidente estava sendo vítima de um processo parcial e injusto, conduzido pelo então juiz Moro. O comitê é responsável por supervisionar o cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário.

    Na peça inicial, de julho de 2016, os advogados de Lula afirmaram que quatro artigos do Pacto estavam sendo violados, entre os quais os que garantem a qualquer cidadão o direito a um tribunal independente e imparcial e o de ser presumido inocente até que se prove a culpa por lei. Desde então, a defesa do petista incorporou uma série de informações à queixa inicial —seja para agregar novos elementos ou para responder a alegações do Brasil.

    A manifestação de novembro de 2021 foi a sexta resposta do Brasil apresentada à ONU desde 2017. Embora elas sejam assinadas apenas pela “República Federativa do Brasil”, a CNN apurou que cabe à AGU (Advocacia-Geral da União) a elaboração das manifestações ao organismo internacional. O Itamaraty atua como intermediador entre o Estado brasileiro e o colegiado.

    Nesta última peça, o Estado brasileiro diz que, “em decorrência da atividade regular e independente do Poder Judiciário brasileiro”, as reclamações apresentadas por Lula ao comitê “foram tratadas internamente”, o que torna o processo “sem propósito”.

    O documento diz que as alegações levadas por Lula ao Comitê da ONU não devem mais ser consideradas, já que o Judiciário brasileiro acatou os recursos apresentados pelo petista —deixando de existir “quaisquer limitações aos direitos políticos” do ex-presidente.

    Em novembro de 2018, três anos antes dessa última manifestação, a alegação levada pelo Brasil ao Comitê da ONU, ao qual a CNN também teve acesso, dizia que a acusação de parcialidade de Moro era infundada.

    Àquela época, o ex-juiz da Lava Jato havia acabado de anunciar que aceitaria o convite do então presidente eleito Jair Bolsonaro para comandar o Ministério da Justiça. O documento afirmava que Lula pretendia “confundir e enganar” o colegiado ao apontar direcionamento da Justiça e afirmava que o argumento de perseguição política era “uma afronta às instituições”.

    Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva / 08/12/2021 REUTERS/Carla Carniel

    O mesmo tom foi adotado em março de 2019, quando o Brasil enviou nova manifestação ao Comitê da ONU, a qual a CNN também teve acesso. Nesse documento, o governo brasileiro disse ao organismo internacional que Lula afirmava “erroneamente que o ex-juiz Moro interveio na eleição presidencial” e que as alegações de parcialidade eram “ilações subjetivas e ofensivas”. “É possível verificar que o discurso de defesa do senhor Lula consiste em pura especulação”, destacou a peça.

    Desta vez, no entanto, o documento entregue ao colegiado em novembro de 2021 não faz qualquer menção a Moro. Integrantes do governo ouvidos em caráter reservado pela CNN dizem não ver mudanças de tom nas manifestações ao longo dos últimos três anos. Para eles, as respostas foram moldadas de forma a contestar as alegações que eram apresentadas pela defesa de Lula naquele determinado momento.

    Nesta última peça, o governo brasileiro defende o argumento de que Lula acionou o Comitê de Direitos Humanos da ONU de forma “prematura”, uma vez que ainda não havia esgotado todos os recursos internos no Judiciário do país. No documento, o Brasil diz “estar confiante” em ter dado provas de que a queixa do ex-presidente ao organismo internacional foi feita precocemente.

    Segundo o governo, diante desse cenário, a queixa de Lula ao comitê deixa de ser necessária, “uma vez que as alegações do autor foram aceitas pelo Judiciário brasileiro”.

    Em contrapartida, os advogados de Lula sustentam ao Comitê da ONU que, a despeito das decisões do Supremo, as violações ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU foram consumadas e precisam ser analisadas pelos integrantes do colegiado.

    “Elas ocorreram de forma irreversível. Ninguém vai conseguir devolver os 580 dias em que Lula esteve na prisão, não há como recuperar a participação do ex-presidente nas eleições de 2018, não tem como voltar atrás no ilegal mandado de condução coercitiva de março de 2016, tampouco reverter as violações do sigilo de comunicação advogados-cliente”, disse Zanin à CNN.

    O julgamento está previsto para acontecer às vésperas da oficialização das candidaturas à Presidência da República. Hoje, Lula (PT) e Moro (Podemos) são pré-candidatos ao Palácio do Planalto. Embora o colegiado não tenha meios para aplicar sanções ao ex-juiz, a avaliação de aliados do petista é a de que uma eventual vitória no Comitê da ONU tem potencial para acarretar desdobramentos na corrida eleitoral.

    Procurada, a AGU diz que não comenta casos que correm em sigilo. A CNN também que procurou o ex-ministro Sergio Moro, mas ainda não teve resposta.

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