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    Estrada israelense que divide Gaza em duas chega ao Mediterrâneo, mostram imagens de satélite

    Especialista avalia que obra faz parte de estratégia para limitar liberdade de palestinos

    Celine AlkhaldiAllegra GoodwinRichard Allen Greeneda CNN*

    Uma estrada que está sendo construída pelos militares israelenses, dividindo Gaza em duas, alcançou a costa do Mediterrâneo, mostra uma análise da CNN de imagens de satélite.

    A obra faz parte de um plano de segurança para controlar o território durante meses e possivelmente anos, disseram autoridades israelenses.

    Uma imagem de satélite de 6 de março revela que a estrada leste-oeste agora se estende da fronteira entre Gaza e Israel por toda a faixa de aproximadamente 6,5 km de largura, dividindo o norte de Gaza, incluindo a Cidade de Gaza, do sul do enclave.

    Cerca de 2 quilômetros incluem uma estrada existente, enquanto o restante é novo, de acordo com a análise da CNN.

    As Forças de Defesa de Israel (FDI) disseram à CNN que estavam usando a rota para “estabelecer [uma] posição operacional na área” e permitir “a passagem de forças, bem como de equipamento logístico”.

    Quando questionados sobre a conclusão da rota, as FDI disseram que a estrada existia antes da guerra e estava sendo “renovada”, devido a veículos blindados que a “danificaram”. O militares israelenses acrescentaram que a estrada “não tinha um começo e um fim”.

    Em 23 de fevereiro, a CNN teve acesso a um plano para Gaza do pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para um futuro pós-Hamas, incluindo a “desmilitarização completa” do enclave e a revisão de sua segurança, administração civil e educação.

    Os palestinos que vivem em Gaza temem que os planos de segurança pós-guerra de Israel restrinjam ainda mais a sua liberdade de movimento, recordando os dias da ocupação antes de 2005, quando foram colocados postos de controle entre aldeias vizinhas e foram construídas estradas secundárias exclusivas para ligar os colonos israelenses entre si e sua terra natal.

    Uma série de imagens de satélite anteriores e posteriores ao dia 7 de outubro mostram como Israel está ampliando uma estrada já existente para construir o novo corredor.

    Uma imagem de 29 de fevereiro, fornecida pela Maxar Technologies e revisada pela CNN, mostra trechos de estrada recentemente demolidos a leste e a oeste da estrada existente. E a imagem de satélite do dia 6 de março, fornecida pela Planet Labs, mostra a nova construção chegando até a costa.

     

     

    Nomeado em homenagem ao antigo assentamento israelense de Netzarim em Gaza, o “Corredor Netzarim” cruza uma das duas principais estradas norte-sul de Gaza – a Rua Salaheddin -, para criar uma junção estratégica e central.

    Pelas imagens de satélite, a obra também parece se conectar com a estrada Al Rashid, que segue ao longo da costa.

    Os palestinos disseram à CNN que se lembram que a chamada “junção Netzarim” existia antes de 2005; naquela época, era em grande parte acessível apenas aos colonos israelenses.

    O Ministro israelense para Assuntos da Diáspora, Amichai Chikli, disse à CNN que a nova estrada “tornará mais fácil” para os militares de Israel lançarem ataques ao norte da Cidade de Gaza e ao sul, na área central da Faixa de Gaza.

    A estrada terá três faixas:

    • Uma para tanques pesados ​​e veículos blindados;
    • Uma para veículos mais leves;
    • E uma terceira para circulação mais rápida.

    A estrada, que deve ser utilizada pelos militares por pelo menos um ano, conecta Be’eri – um kibutz israelense perto da fronteira de Gaza -, até o Mar Mediterrâneo em sete minutos, disse Chikli.

    O Ministro para Assuntos da Diáspora não está envolvido na política militar israelense. Mas, em janeiro, juntamente com outros membros do parlamento israelense, Chikli participou da proposta de um plano para derrotar o Hamas que incluía medidas para obter controle sobre partes estratégicas da faixa.

    O plano confirma que o Corredor Netzarim seria usado “para permitir o tratamento da infraestrutura subterrânea do Hamas e dos seus bolsões de resistência no norte da Faixa de Gaza”.

    “Os residentes da Faixa de Gaza não deveriam ser autorizados a regressar ao norte, pelo menos até à demolição de todas as infraestruturas subterrâneas e à completa desmobilização da área”, afirmavam na proposta.

    O projeto inicial também incluía um segundo corredor mais ao sul, que ele chamou de Corredor de Sufa. O plano não foi adaptado pelas FDI, mas inclui elementos que estão surgindo, como o próprio Corredor Netzarim.

    Cortando Gaza em duas

    Os militares israelenses começaram a abrir caminho para seus veículos blindados logo após declararem guerra ao Hamas em 7 de outubro, após o ataque do grupo a Israel.

    Imagens de satélite de novembro mostram os primeiros rastros, à época em que o foco dos militares se voltou para cercar a Cidade de Gaza, avançando a partir do leste.

    No início de outubro, Israel ordenou a evacuação de 1,1 milhões de pessoas do norte de Gaza para o sul de Wadi Gaza, região que divide o enclave ao meio.

    Os militares israelenses acompanharam o canal de televisão israelense 14, de direita, numa visita ao Corredor Netzarim em fevereiro.

    A reportagem mostrou forças do Corpo de Engenharia de Israel operando tratores, caminhões e ferramentas no local.

    O tenente-coronel Shimon Orkabi, comandante do Batalhão 601 do Corpo de Engenharia de Combate, disse ao Canal 14 que os soldados estavam ocupados destruindo qualquer infraestrutura remanescente na área.

    “Basicamente estamos abrindo todo este espaço, permitindo controlar tudo o que acontece neste corredor”, disse.

    Ele acrescentou que os militares israelenses usaram uma “grande quantidade de minas e explosivos” para demolir edifícios na região e que os edifícios restantes na área “provavelmente desaparecerão em breve”.

    A reportagem do Canal 14 mostra o Hospital da Amizade Turco-Palestina, a cerca de 380 metros de distância da estrada, parcialmente em ruínas e com soldados operando na área.

    Num vídeo compartilhado no TikTok, geolocalizado e verificado pela CNN, soldados israelenses podem ser vistos destruindo o que parece ser a entrada do Hospital.

    Postado por um soldado israelense na rede social em 22 de fevereiro e desde então excluído, o vídeo também mostra tropas em um veículo blindado entrando no complexo médico.

    As FDI disseram à CNN que destruíram parte de uma “rede de túneis” sob o Hospital da Amizade Turco-Palestina, que alegou estar “ligando o norte e o sul da Faixa de Gaza”.

    O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, disse em fevereiro que a destruição relatada pelas FDI de edifícios residenciais e outras estruturas civis em outras partes da Faixa de Gaza, a um quilômetro da cerca Israel-Gaza, poderia equivaler a um crime de guerra.

    “Uma barreira de humilhação”

    Emily Harding, diretora do Programa de Inteligência, Segurança Nacional e Tecnologia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, DC; disse à CNN que o Corredor Netzarim é uma tentativa de “controlar o movimento populacional”.

    Uma estrada que divide a faixa tornará mais fácil “rastrear as pessoas que se deslocam entre o norte e o sul e tentar descobrir se algum deles é combatente do Hamas”, acrescentou ela.

    Harding disse que o maior desafio de Israel desde que iniciou a operação em Gaza é tentar erradicar os membros do Hamas escondidos entre a população civil.

    “A única maneira de fazer isso é com inteligência tática realmente boa no terreno e, em seguida, impedindo-os de se moverem”, afirmou a pesquisadora

    Muitas pessoas em Gaza lembram-se de como eram essas restrições ao movimento antes de Israel se retirar da faixa.

    Durante uma revolta palestina contra a ocupação israelense de 2000 a 2005, conhecida como Segunda Intifada, a chamada “junção Netzarim” foi totalmente fechada, disse à CNN Jamal Al-Rozzi, um professor da Cidade de Gaza.

    A estrutura se tornou conhecida como um foco de confrontos entre palestinos e israelenses, disse ele.

    “Os soldados israelenses estavam estacionados na junção em tempo integral e, como os colonos israelenses a utilizavam, a maioria dos palestinos não conseguia”, disse ele.

    Durante este período, Israel reforçou as suas políticas de “fechamento interno”, principalmente para a segurança dos colonos, de acordo com um relatório de 2004 da Human Rights Watch (HRW), deixando apenas uma rota entre as metades norte e sul da Faixa de Gaza.

    Ao longo desta rota ficavam os postos de controle de Abu Holi e Matahen, que limitavam severamente o movimento.

    “O posto de controle de Abu Holi era famoso”, disse Al-Rozzi, lembrando uma rota da cidade de Gaza até a cidade de Khan Younis, no sul, que “levava dias” para ser percorrida.

    “Eles colocaram ali um semáforo que só ficava vermelho. Do vermelho ao vermelho. Você pode imaginar? Lembro-me disso vividamente.”

    Abu Holi raramente era aberto, disse Munther Al-Ashi, advogado da cidade de Gaza, à CNN. Ele cresceu lá e lembra do movimento “quase impossível” ao longo do posto de controle no início dos anos 2000. “Foi uma barreira de humilhação.”

    “Lembro que naquela época eu e meus irmãos vendíamos roupas. Costumávamos sair bem cedo pela manhã para seguir para o sul. O posto de controle ficava aberto às vezes, mas na volta passávamos em média oito ou nove horas. Às vezes permanecia fechado e as pessoas passavam as noites nas ruas”, disse ele.

    “As lembranças daquele posto de controle são dolorosas”, disse ele. “Imagine 200 a 300 carros esperando no posto de controle para receber passagem dos soldados israelenses.”

    A guerra Israel-Hamas deslocou Al-Ashi e Al-Rozzi do norte para a cidade de Rafah, no sul.

    “Se a nossa casa na Cidade de Gaza não foi bombardeada, gostaria de voltar para lá. Como farei isso se houver portões e postos de controle no meu caminho?” Al Rozzi disse.

    “Mais ainda, como funcionaremos lá se eu conseguir voltar? Haverá infraestrutura sobrando? Estradas que posso usar? ele disse. “Sou professor. Haverá escolas onde posso lecionar? Serei capaz de acessá-los?”

    *Com informações de Ibrahim Dahman e Gianluca Mezzofiore da CNN Internacional

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