Em 23 anos de metas, inflação passou um terço do tempo acima do teto
Sistema define limites máximos para a variação dos preços e evita que fujam do controle
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial de inflação do país, encerrou 2021 em 10,06%, em um dos resultados mais altos das últimas duas décadas.
Não só a inflação foi pesada para o consumidor, como encerrou bem longe tanto do centro quanto do teto da meta, que é o limite estipulado pelo governo dentro do qual a variação de preços do país deveria flutuar ao longo do tempo.
Em 2021, o alvo central da meta para a inflação era de 3,75%, com uma margem de tolerância que ia de 2,25% até um limite máximo de 5,25%. É desse intervalo que o IPCA passou bem longe no ano passado.
O sistema de metas é um regime utilizado em diversos países do mundo desde os anos de 1990 e que, no Brasil, é adotado desde 1999. Seu objetivo é definir limites para a variação de preços e evitar que eles fujam do controle, seja ficando altos ou baixos demais, o que causa desequilíbrios na economia como um todo.
É papel do Banco Central fazer as políticas necessárias, como ajustes nos juros ou no volume de dinheiro em circulação, para manter a inflação dentro da meta.
Economistas concordam que o segundo ano de pandemia de coronavírus no mundo foi um período bastante atípico, recheado de diversos choques que tornaram difícil a tarefa de não ver os preços subirem tanto aqui quanto em outros países.
“Tivemos choque de câmbio com energia, além dos preços dos combustíveis, das commodities, das disrupções nas cadeias das indústrias e, também em algum grau, um choque de demanda, por conta dos incentivos fiscais e monetários dados”, disse o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.
“Foi um momento muito atípico, de pressão de preços generalizada por diversas frentes”, completou.
No Brasil, porém, ver a inflação escapar da meta tem mais cara de regra do que exceção.
Nos 23 anos desde que o regime de metas foi adotado, em seis o resultado acabou completamente fora das bandas de tolerância. Em cinco deles (2001, 2002, 2003, 2015 e 2021), o erro foi para cima, com o teto sendo furado. Em 2017, o IPCA ficou ligeiramente abaixo do piso.
Apenas em quatro dos 23 anos o resultado da inflação ao final do ano ficou próximo ao centro da meta, em uma distância inferior a 0,25 ponto para cima ou para baixo do alvo de referência.
Em 16 dos 23 anos, a distância do resultado final à meta original foi superior a 1 ponto percentual, quase sempre para cima.
“O Brasil é uma economia muito suscetível a choques, e a nossa taxa de câmbio, sobretudo, é muito volátil, com muito sobe e desce”, diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
“Se há uma questão política ou econômica, como algo que mexa com o Orçamento, por exemplo, vai acontecer uma desvalorização do real e não tem como evitar que isso vire inflação.”
A alta acentuada do dólar foi o fator que esteve por trás de duas das grandes crises inflacionárias do Brasil do século 21: a de 2002 a 2003, quando a primeira eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez a moeda disparar em poucos meses, e a de 2021, em que o combo da pandemia com desequilíbrio fiscal nas contas do país puxaram a moeda dos R$ 4, no início de 2020, para mais de R$ 5,50.
200 meses acima da meta
No Brasil, diferentemente de como é feito em alguns países, é observado o cumprimento da meta apenas ao fim de cada ano. Não há nenhuma exigência quando ela é estourada no meio do ano.
Levantamento feito pelo CNN Brasil Business verificou que, dos 270 meses desde julho de 1999, data em que o regime de metas passou a valer, em 200 o IPCA flutuou acima do centro da meta. É o equivalente a 74% de todo o período com a inflação mais alta do que o desejável.
Em 90 desses meses o resultado ficou acima do teto, o equivalente a 33,3% ou um terço do tempo total. Eles se concentraram, principalmente, entre 2001 e 2003, 2015 e 2016 e em 2021. Todos eles foram anos inteiros com a inflação acima do limite máximo de tolerância da meta.
Em apenas um mês – julho de 2009 -, a inflação acertou exatamente o alvo, com meta e IPCA em 4,5%. Naquele ano de recessão, a crise financeira internacional deprimiu momentaneamente os preços e foi o que ajudou a puxar para o centro uma inflação que vinha rodando 6% no ano anterior.
Do outro lado, foram 69 meses, ou um quarto do tempo (25,9%), com a inflação rodando abaixo da meta, o que aconteceu entre 2006 e 2007 e depois, de 2017 a 2020. Em 19 deles o IPCA ficou abaixo do piso estipulado, quase todos em 2017, 2018 e em 2020, já no início da pandemia.
Foram 25 meses, espalhados pelas duas décadas, em que a inflação ficou razoavelmente próxima da meta central, com uma diferença inferior a 0,25 ponto do alvo, para mais ou para menos. É o equivalente a 9,3% de todos os 270 meses desses 23 anos.
O que é o regime de metas
O sistema de metas para a inflação foi um padrão estabelecido em diversos países no final dos anos 1990 e é usado até hoje para moderar os preços.
Aqui, as metas são definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), colegiado ligado ao Ministério da Economia, e já foi revista algumas vezes ao longo desses 23 anos.
É papel do Banco Central manter o país no centro dessa meta por meio, principalmente, da taxa de juros, a Selic, que é definida por ele em reuniões periódicas ao longo do ano.
Juros baixos estimulam o crédito e o consumo e fazem a inflação subir, enquanto juros altos servem para o oposto.
Juros altos também são uma forma de aumentar os rendimentos dos títulos públicos e da renda fixa do país, e são, por essa razão, também uma ferramenta poderosa na atração de capital estrangeiro.
Isso ajuda o BC a moderar a cotação do dólar quando ela sobe ou cai demais, flutuação que também influencia diretamente os preços de diversas coisas do país, das matérias-primas usadas na indústria à comida que compramos nos supermercados.
A cada vez em que o IPCA encerra o ano totalmente fora das margens – ou seja, acima do teto ou abaixo do piso – o presidente do BC deve fazer uma carta aberta explicando as razões por não ter cumprido sua missão.
Desde 2018, as metas de inflação brasileiras vêm sendo gradativamente reduzidas pelo CMN, numa tentativa de tentar convergir os patamares de inflação do país com o de outros emergentes parecidos.
Em 2021 o centro passou a ser de 3,75% (com tolerância entre 2,25% e 5,23%) e, em 2022, chegou a 3,5% (com intervalo de 2% a 5%).