Trinta anos após colapso, Putin explora nostalgia do regime da União Soviética
Equipe russa de hóquei vestiu uniforme soviético no torneio tradicional deste mês; três décadas após fim, bandeira ainda é importante para os russos
Quando a União Soviética finalmente caiu, foi de uma maneira banal, como se batido o cartão no relógio de ponto na saída de um dia normal de trabalho.
Em 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev discursou aos cidadãos soviéticos e anunciou sua renúncia como presidente. Um pouco depois das 19h30, naquele mesmo dia, a bandeira soviética, balançando ao vento, foi abaixada do mastro acima da residência presidencial no Kremlin.
Por cinco minutos, o mastro da bandeira ficou vazio, como se para simbolizar a transição de poder. Às 19h45, a bandeira tricolor russa foi hasteada nele.
No dia seguinte, a União Soviética foi oficialmente dissolvida. E com isso chegou ao fim o império em que nasci e passei os primeiros 26 anos da minha vida. O papel de parede para a história da minha família – que incluía as perdas durante a Segunda Guerra Mundial e a ditadura repressiva de Stalin – havia caído.
Mas devo admitir que, quando o mastro da bandeira ficou vazio, não senti nada.
Para mim, a União Soviética tornou-se uma coisa do passado após a tentativa de golpe de agosto de 1991. Gorbachev mexeu os pauzinhos, acreditando que estava comandando o país, mas eles foram cortados. Ministros e líderes regionais escreveram cartas alarmistas uns para os outros – os suprimentos de comida estavam diminuindo e o país estava passando fome. A Rússia estava criando um governo reformista.
Como jornalista iniciante, fiquei entusiasmado com a mudança. Trabalhei em um jornal, relatando avidamente todos os dias o que os reformistas estavam fazendo. Nesse ínterim, meu irmão mais velho tornou-se conselheiro do reformista chefe e, mais tarde, primeiro-ministro, Yegor Gaidar.
Mas em meio às dificuldades da transição, a inspiração das pessoas foi se apagando nos anos seguintes e grande parte da população descobriu que o capitalismo não trazia felicidade imediata.
Apesar disso, na primavera de 1993, as pessoas votaram em um referendo para que as reformas continuassem e, no outono daquele ano, o partido reformista Vybor Rossii conseguiu formar uma das maiores facções no novo parlamento. Foi a última vez em que os liberais tiveram sucesso.
Em 1994, menos de três anos após o colapso da União Soviética, sociólogos liderados por Yuri Levada registraram uma mudança de atitude. As pessoas começaram a dizer que preferiam um trabalho tranquilo, em vez de seus próprios negócios e os riscos associados a eles.
À medida que o tempo passava, um número significativo de russos começou a sentir nostalgia – canções soviéticas eram cantadas em programas de Ano Novo na televisão, cardápios pós-modernos semelhantes aos soviéticos se tornaram populares nos restaurantes.
Mas ninguém pensou seriamente em voltar até 2000, quando o novo presidente – Vladimir Putin – literalmente mudou seu tom. Putin restaurou uma versão revivida do hino soviético, usado ainda hoje.
A ressurreição dos fantasmas soviéticos pelo presidente não parou por aí. Putin chamou a separação da União de “a maior catástrofe política” do século 20, durante um discurso em 2005. Dois anos depois, ele fez outro discurso em Munique sobre a humilhação do Ocidente na Rússia.
E parecia um plano: “Tornar a Rússia grande de novo”.
O público doméstico na época não levou muito a sério – o cidadão comum não estava pensando em política naquela época, aproveitando a recuperação do crescimento econômico e a alta economia do petróleo dos anos 2000.
A popularidade de Putin diminuiu gradualmente e a modernização da Rússia parecia inevitável. Embora, a curta guerra com a Geórgia, em 2008, deu um impulso temporário aos índices de aprovação.
Em 2012, Putin enfrentou protestos das classes urbanas sem precedentes e deu início a uma forte reviravolta em direção a políticas ultraconservadoras. Um dos principais componentes de sua propaganda foi a glorificação da chamada história soviética vitoriosa da Rússia.
A anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, foi retratada como um ato de “restauração do império”. Os sentimentos imperiais estavam adormecidos no coração da maioria dos russos, e Putin jogou com isso, reavivando seu orgulho de fazer parte de uma grande potência. À medida que o efeito Crimeia passava, Putin pisou no pedal da nostalgia soviética, apresentando a era Stalin – particularmente a Grande Guerra Patriótica – como uma época de vitória e ordem.
Avancemos para 2021, e quase metade (49%) dos entrevistados russos prefeririam o sistema político soviético, de acordo com um estudo publicado em setembro pelo independente Levada Center. A pesquisa, que incluiu 1.603 adultos entrevistados em 50 regiões da Rússia, disse que era um número recorde de apoio soviético para este século.
Surpreendentemente, não há atitudes contrastantes com a era soviética ao longo das gerações, constatou a pesquisa do Carnegie Moscow Center e do Levada. As multidões mais velhas são nostálgicas pela URSS; os mais jovens desenvolveram uma imagem da União Soviética como um país de contos de fadas, uma retro-utopia onde todos são iguais, todos são livres e uma figura paterna severa, mas justa, impera.
As pessoas sonham com uma sociedade mais justa, e os russos não têm outros modelos além da União Soviética. A imaginária URSS ainda ajuda Putin de muitas maneiras – mesmo quando seu regime está perdendo popularidade para o sistema soviético.
No último torneio tradicional de hóquei, realizado em dezembro em Moscou, a equipe russa foi para o gelo vestindo um uniforme da equipe soviética, e o público frequentemente agitava a bandeira soviética. Três décadas depois que a bandeira soviética foi oficialmente baixada, ela ainda parece ser importante na vida dos russos.
Nota do editor: Andrei Kolesnikov é membro sênior do Carnegie Moscow Center e autor de vários livros sobre a história política e social da Rússia, incluindo uma biografia do reformista russo Yegor Gaidar. As opiniões expressas neste comentário são dele, não da CNN.