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    “Fomos incriminados e enganados”, dizem suspeitos de matar presidente do Haiti

    Em reportagem exclusiva da CNN, cinco colombianos presos pelo assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, dizem que são inocentes

    Matt RiversNatalie GallónEtant Dupainda CNN , Haiti

    O cheiro de esgoto e de restos de alimentos permeia o ar na entrada da Penitenciária Nacional do Haiti, no centro de Porto Príncipe.

    A origem é o cano exposto pelo qual os visitantes devem passar enquanto uma mistura líquida escorre para a rua.
    Uma revista da cabeça aos pés feita com as mãos pelos guardas silenciosos acontece e, em seguida, uma grande porta de metal se abre, revelando um pátio do outro lado.

    Nesta reportagem exclusiva, a CNN entrou na prisão na esperança de falar com um certo grupo de presos que era mantido em silêncio pelo governo até agora: alguns dos 26 colombianos e dois haitiano-americanos que, segundo os investigadores, entraram no quarto do presidente haitiano Jovenel Moïse na madrugada de 7 de julho e o mataram em uma saraivada de tiros.

    As autoridades haitianas chamam esses homens de assassinos. Eles dizem que são inocentes.

    “Fomos idiotas usados para outra pessoa”, contou um dos homens para nós. “Mas não cometemos esse crime”. Passados cinco meses daquela noite mortal, os homens seguem detidos, mas ainda não foram formalmente acusados.

    A CNN teve permissão para entrar na penitenciária após meses de negociação, apenas com papel e caneta, e foi instruída a esperar em uma cabana de madeira no pátio da prisão. Vinte minutos depois, cinco homens colombianos que claramente não esperavam nossa visita caminharam em nossa direção vestindo shorts, camisetas e sandálias azuis escuras, aparentando estarem magros e pouco saudáveis.

    Em entrevista exclusiva, os cinco são os primeiros e únicos suspeitos do assassinato a falar publicamente. Eles concordaram em fazê-lo apenas se suas identidades fossem ocultadas, temendo por sua própria segurança e a de suas famílias.

    E a mensagem deles foi consistente ao longo de uma conversa de uma hora em seu espanhol nativo: eles são inocentes, foram torturados e foram enganados.

    Com medo de falar

    Os cinco homens disseram que chegaram ao Haiti em junho, cerca de um mês antes do assassinato que traria uma reviravolta em suas vidas e jogaria o cenário político do país no caos.

    Todos são ex-soldados colombianos, como contaram à CNN, e foram contratados como segurança privada por uma empresa chamada CTU.

    Com a promessa de algo entre US$ 2.700 e US$ 3.000 (entre R$ 15,3 mil e R$ 17 mil) por mês, eles aceitaram o trabalho. No entanto, segundo esses mesmos cinco homens com quem falamos e as esposas de vários outros, eles nunca receberam um centavo.

    A CTU não respondeu aos pedidos anteriores da CNN para comentar e não está claro se a empresa ainda existe.
    “Disseram que íamos dar segurança a um candidato à presidência do Haiti”, disse um dos homens. “Não tínhamos ideia do que iria acontecer”.

    No Haiti, eles faziam parte de um grupo de mais de duas dezenas de colombianos que moravam e trabalhavam juntos em um complexo na capital, Porto Príncipe, não muito longe de onde o então presidente Moïse morava. Na madrugada de 7 de julho, esse grupo entrou num comboio que percorreria a Pelerin Road até o complexo presidencial.

    O presidente foi morto a tiros pouco depois. Sua esposa, a primeira-dama Martine Moïse, também ficou gravemente ferida no tiroteio.

    A CNN pediu repetidamente aos cinco prisioneiros mais detalhes sobre o assassinato, incluindo o que realmente aconteceu, quem estava por trás dele, qual foi seu envolvimento individual especificamente e o que eles fizeram nas horas após o assassinato.

    Eles insistiram que não eram responsáveis pela morte do presidente, mas se recusaram a responder outras perguntas ou a entrar em detalhes sobre aquela madrugada fatal por dois motivos comuns: primeiro, porque nenhum atualmente tem um advogado constituído e, segundo, porque temem por suas vidas.

    “Estamos presos nesta prisão. Temos que ficar aqui. Vou gritar bem alto tudo o que sei quando puder sair daqui, mas enquanto estivermos aqui, temos medo de represálias”, disse um.

    “Estou com medo do que eles podem fazer comigo, mas também pelo que podem fazer à minha família [na Colômbia]”, pontuou outro homem. “Eles venceram.”

    Pessoa segura foto do presidente assassinado do Haiti Jovenel Moise durante seu funeral em Cap-Haitien / Reuters

    Algum tempo depois de Moïse ser assassinado nas primeiras horas da manhã, os cinco homens entrevistados pela CNN partiram no mesmo comboio. Seus veículos foram capturados em vídeo gravados pelos celulares de vários moradores da área.

    Mas eles não foram muito longe até serem encurralados pelas forças de segurança haitianas. Forçados a sair de seus carros, eles se abrigaram em um prédio vazio próximo. Horas depois, fugiram pelos fundos do prédio e subiram uma colina íngreme, entrando na embaixada de Taiwan.

    De acordo com o Ministério das Relações Exteriores de Taiwan e uma fonte das forças de segurança haitianas, o grupo de colombianos forçou a entrada, amarrando dois guardas no processo. Mas os policiais haitianos os rastrearam e eles se entregaram.

    Segundo os prisioneiros, os espancamentos começaram assim que eles foram detidos.

    Um dos colombianos foi esfaqueado várias vezes pela polícia haitiana, enquanto vários outros receberam coronhadas na cabeça, disseram. Outros foram espancados, e um foi atacado de forma tão brutal que seu rosto ficou desfigurado pelos golpes, relataram à CNN.

    Os homens contaram que, antes de serem transferidos para a notória Penitenciária Nacional, eles foram mantidos em um local não revelado por mais de três semanas. “Eles nos mantiveram em outro lugar por 25 dias, algemados aos pares. O nosso banheiro era o chão”, recordou um prisioneiro.

    Os homens disseram que os espancamentos foram contínuos e brutais e que temiam pela segurança de suas famílias em casa, na Colômbia.

    “Imagine como é difícil quando eles mostram uma foto de sua família no celular”, falou um homem com lágrimas nos olhos. “Tivemos que fazer o que eles disseram”.

    Segundo eles, todos foram convidados a assinar seus nomes em declarações oficiais que eles não deram e que foram escritas em um idioma que eles não sabiam ler.

    “Eu fiquei sentado quieto, sem dizer uma palavra, e o policial escreveu minha declaração. Ele ficou olhando para mim e escrevendo mais, embora eu não tenha dito nada. Eles escreviam e a gente ficava quieto”.

    Segundo esse homem, ele assinou um nome em um documento escrito em francês, um idioma que ele não conseguia entender.

    Todos os cinco homens alegaram que foram forçados a assinar declarações sob coação.

    “Os verdadeiros responsáveis por isso estão fora da prisão e nós estamos presos aqui. Fomos traídos, incriminados e enganados”, declarou um deles.

    A Polícia Nacional do Haiti não respondeu a um pedido de entrevista da CNN. Questionado sobre as denúncias de tortura sob custódia policial, um porta-voz do governo federal haitiano disse que o governo “não tem nada a esconder”, lembrando que a CNN tinha “permissão total para visitar os colombianos”.

    O mesmo porta-voz negou que qualquer depoimento oficial tenha sido registrado sem o conhecimento dos colombianos do que estava sendo escrito. “Com base em informações confiáveis, eles receberam tradutores para que entendessem o que assinar ou não”, disse o porta-voz.

    Pouca comida, zero advogado

    Os cinco homens estão detidos na Penitenciária Nacional do Haiti há cerca de três meses. As condições na prisão são visivelmente horríveis, com vários homens amontoados em uma única cela. O saneamento parece ser algo esquecido. Ratos correm pela área.

    “Nossas vidas não valem nada aqui”, disse um dos prisioneiros colombianos.

    Os homens dizem que recebem um prato de arroz por dia, ou às vezes milho. Cada um diz que perdeu mais de 13 quilos. Alguns estão visivelmente perdendo os cabelos, deixando falhas irregulares em suas cabeças, um claro sinal de desnutrição.

    “É desumano o que está acontecendo conosco aqui”, afirmou um dos homens em lágrimas.

    A principal organização de direitos humanos do Haiti, a Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH), também descreve as condições gerais na prisão como desumanas. “A prisão não tem comida suficiente, gás para cozinhar e acesso adequado a cuidados, apesar de receber cada vez mais presos nos últimos 12 meses”, escreveram num relatório divulgado no mês passado.

    “Respeitamos totalmente os direitos humanos”, disse um porta-voz do governo federal haitiano. “Não temos rancor dos prisioneiros colombianos”.

    O governo não respondeu às perguntas sobre por que os homens ainda não haviam sido formalmente acusados. Porém, mais de cinco meses após o assassinato, nenhum deles tem representação legal, um pré-requisito para que seus depoimentos sejam ouvidos por um juiz. Eles dizem que o sistema judiciário haitiano só lhes ofereceu advogados juniores com os quais eles não podiam se comunicar.

    “Eles me enviaram um advogado do segundo semestre [do curso] que não falava espanhol. Eu não vou confiar minha vida nele”, contou um.

    Segundo uma pessoa próxima ao caso, os advogados disponibilizados para representar os homens não eram estudantes, mas sim aprendizes. Antes de se tornarem advogados, os graduados em direito devem cumprir o que normalmente é um estágio de dois anos.

    Embora não sejam advogados totalmente qualificados e tenham pouca experiência, os aprendizes são comumente nomeados para representar aqueles que não podem pagar um advogado particular, de acordo com Brian Concannon, um especialista com décadas de experiência no sistema jurídico do Haiti.

    “Portanto, eles estão defendendo casos de crimes graves quando não têm permissão sequer para aparecer em um caso de contrato simples [porque ainda não são advogados em exercício]”, disse Concannon. “Eles não têm orçamento para investigação e normalmente não recebem pagamento”.

    Os homens esperavam que o governo colombiano lhes desse alguma assistência jurídica, mas até agora nada aconteceu. O governo do Haiti também disse que a responsabilidade agora é da Colômbia. “Esperamos que as autoridades do governo da Colômbia forneçam advogados aos prisioneiros para que possam ser examinados pelo juiz [que supervisiona o caso]”, declarou um porta-voz do governo haitiano, acrescentando que eles não podem ser oficialmente interrogados sem a presença de um defensor legal.

    O governo federal colombiano em Bogotá não respondeu ao pedido de comentários da CNN, e a Embaixada da Colômbia no Haiti encaminhou nossas perguntas ao Ministério das Relações Exteriores.

    Um comunicado público do final de julho disse que representantes do governo colombiano se reuniram com suspeitos colombianos com um advogado presente. No entanto, os homens com quem falamos disseram que nenhum dos colombianos na prisão atualmente tem representação legal.

    Para piorar a situação, os homens dizem que nunca receberam uma explicação sobre a base legal de sua longa detenção.

    “Em nenhum momento alguém [no processo legal] olhou na minha cara e explicou por que estou aqui”, disse um dos homens. “Obviamente sabemos por que estamos aqui, mas não existe um estado de direito ou devido processo legal aqui. Todos deveriam ser inocentes até que se prove a culpa e todos nós temos direito a representação legal”.

    Os prisioneiros encerraram a conversa de uma hora com uma mensagem à comunidade internacional.
    “Por favor, busquem o amor dentro de seus corações para compreender nossa situação e nos dar o benefício da dúvida”, implorou um homem. “A melhor coisa que poderia acontecer é que o caso fosse levado a um tribunal internacional. Quando eu estiver fora deste país, contarei ao mundo tudo o que sei”.

    *Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês.