Efeitos na Lava Jato, nas eleições e na pandemia: as decisões do STF em 2021
Julgamentos da Suprema Corte tiveram efeitos no Legislativo e no Executivo ao longo deste primeiro ano no qual a Casa foi comandada pelo ministro Luiz Fux
No primeiro ano com Luiz Fux como presidente do Supremo Tribunal Federal, os ministros do STF estiveram mais que nunca nos holofotes, com ações reativas ou mesmo tomando à frente e ditando ordens que tiveram impactos em outros Poderes.
Logo em janeiro, em um dos períodos mais críticos da pandemia, quando o Amazonas enfrentava falta de oxigênio medicinal, o ministro Ricardo Lewandowski concordou com o pedido do Procurador-Geral das República, Augusto Aras, e abriu um inquérito para investigar a atuação do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
O objetivo era apurar se houve ação ou omissão governamental que pudesse ter agravado as dificuldades enfrentadas na região. Após a saída de Pazuello do cargo, em março, o inquérito foi remetido para a 1ª instância, em Brasília.
Outra atitude de impacto foi o mandado de prisão do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), à época no PSL, em fevereiro, em decisão tomada primeiramente pelo ministro Alexandre de Moraes e depois confirmada por unanimidade, após divulgação de um vídeo em que o político faz apologia ao AI-5 (ato do período ditatorial) e defende a destituição de ministros da Corte.
Para Erica Anita Baptista, cientista política e pesquisadora do grupo Opinião Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a prisão do parlamentar colocou luz sobre alguns pontos fundamentais.
“Somos uma democracia muito jovem e, às vezes, cometemos erros graves. A questão do limite da liberdade de expressão foi importante este ano. O que se pode falar, o que é opinião, foi muito debatido. Ficou comum não concordar com algo e dizer ‘eu não posso falar isso por quê?’”, explica.
Na sequência, numa clara resposta de não enfrentamento ao Judiciário, a Câmara Federal votou por acatar a decisão do STF que manteve Silveira preso. Ele ganhou o direito de prisão domiciliar em março, mas voltou para o regime fechado após ter violado 36 vezes as regras estabelecidas para responder em liberdade. Em novembro, voltou a ser solto.
“O STF ter agido como agiu foi para mostrar que não se deve medir força. O congresso não ter feito nada para tentar intervir em questões como a do Daniel Silveira foi uma questão de imagem dos políticos diante do povo. Eles não tinham nada a ganhar comprando essa briga”, comenta Erica..
A política no Brasil em 2021
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Ainda na esfera das decisões que respingaram no Legislativo, o STF apontou, no fim de 2020, que os presidentes do Congresso não poderiam se reeleger em uma mesma legislatura, frustrando os planos de Davi Alcolumbre (DEM) e Rodrigo Maia, que também era do DEM e atualmente está sem partido.
Com isso, ganharam protagonismo os senadores Rodrigo Pacheco, que trocou o DEM pelo PSD, e o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), ambos eleitos com o apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL), para comandar as respectivas Casas.
Lula elegível e suspeição de Moro
Entre as decisões com repercussão em outras áreas está a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em abril, devolvendo os direitos políticos para o petista, que voltou a ser elegível.
Os ministros também definiram a suspeição do ex-juiz Sergio Moro (Podemos), além de considerar que a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência para julgar processos relacionados à Petrobras, que acabaram sendo anulados e enviados ao Distrito Federal.
Uma das atitudes do STF com maior repercussão no meio político foi a liminar, concedida em abril pelo ministro Luis Roberto Barroso, que obrigou o Senado Federal a criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar eventuais crimes durante a pandemia de Covid-19.
Com a decisão, Rodrigo Pacheco se viu obrigado a instituir a comissão, mesmo achando que “não era o momento oportuno”.
Na avaliação do cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a CPI da Covid-19 foi o principal fato político do ano.
Opinião corroborada por Erica Anita Baptista, que vê a comissão como “acontecimento marcante” em que o STF agiu, com consequências em outras áreas, se somando à ordem para fazer o censo em 2022 e a exigência do passaporte da vacina para viajantes que chegam ao Brasil.
Luciana Santana, cientista política e professora na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), avalia que a tensão entre os poderes chegou ao ápice em 2021. Um dos temas de conflito foi a gestão governamental da pandemia, que levou o STF a “se posicionar e dar uma resposta institucional necessária para minimizar esses impactos”, comentou.
A Corte também questionou a atuação do Ministério Público Federal (MPF), principalmente do procurador-geral Augusto Aras. A mais recente das críticas veio do ministro Alexandre de Moraes, sobre o inquérito a respeito do suposto vazamento de dados de uma investigação sigilosa. Ele solicitou o envio de toda a apuração em 24 horas, sob pena de ser considerada obstrução de Justiça.
A urna eletrônica e o 7 de setembro
A união dos ministros superou rachas internos entre as chamadas alas punitivistas e garantistas.
Com o acirramento dos ataques ao Supremo – especialmente aos ministros Alexandre de Moraes, que conduz inquéritos no qual Bolsonaro, seus filhos e deputados de sua base de sustentação são investigados, e Luis Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) –, a Corte demonstrou força ao, em unanimidade, defender as instituições e dar um passo mais firme contra arroubos autoritários propagados pela internet.
A partir de julho, o STF adotou um tom mais crítico em reação as dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas e a proposta de voto impresso. Em um de seus discursos mais firmes, Barroso declarou que “impedir eleições é crime de responsabilidade”.
Fux inclusive cancelou encontros com Bolsonaro, alegando que havia ataques à Corte que não podiam ser tolerados.
Apesar do clima de tensão, em outubro, o TSE arquivou o pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por supostos disparos de fake news em massa durante a campanha de 2018.
Mas mandou uma mensagem clara sobre o fim da tolerância com qualquer ilação sobre a seriedade do processo eleitoral, ao cassar o mandato do deputado estadual Fernando Fracischini (PSL), do Paraná, por ter feito uma live durante a votação de 2018 colocando em dúvida o funcionamento da urna eletrônica.
O ambiente de enfrentamento que perdurou o ano todo ficou ainda mais conturbado em setembro, nas comemorações da Independência.
Nos dias que antecederam o feriado, chamamentos pela internet indicavam que o STF seria alvo de questionamentos intensos, para além dos limites do direito à opinião. O cientista político Sérgio Praça, da FGV, destaca o fato de a Suprema Corte ter conseguido enfrentar críticas e buscar respostas à altura dos ataques sofridos. “O saldo do STF é positivo”, resume.
Sobre os atos durante o 7 de setembro, Luciana Santana o nível de instabilidade. “As relações institucionais passaram por momentos delicados. Protestos democráticos se misturaram com manifestações antidemocráticas, que pregavam invasões e fechamento de instituições. E tivemos a participação do presidente nessas manifestações. Isso foi muito grave e gerou um constrangimento entre as forças políticas e jurídicas”, explica.
A espera de André Mendonça
Após a mais longa espera da história, André Mendonça, ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, garantiu a vaga da Suprema Corte herdada do agora aposentado Marco Aurélio Mello.
Mendonça, que é pastor presbiteriano e bacharel em Teologia, preenche os requisitos declarados por Bolsonaro, que buscava um indicado “terrivelmente evangélico”.
Mas entre o anúncio de que Mendonça era o escolhido e a sabatina no Senado se passaram 3 meses e 19 dias. O rito de avaliação do candidato foi sendo adiado pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre.
Um dos motivos do desconforto foi o fato de Mendonça ter recorrido à Lei de Segurança Nacional (LSN) para tentar enquadrar opositores do governo.
Enquanto o processo de seleção se arrastava, se acumulavam julgamentos no STF que dependiam de quórum completo.
Luciana Santana define que o ano termina com um STF que passou por provocações. “As oposições e os independentes buscaram muito a Corte”, enfatiza. Para a cientista política, o Supremo assumiu um protagonismo e ficou bastante exposto, diante de vários acontecimentos extremados durante 2021.