O que esperar com o fim do veto à carne do Brasil pela China
País deve retomar demanda alta para recompor estoques, e empresas do setor devem ser beneficiadas
O fim do embargo à carne bovina exportada pelo Brasil para a China, anunciado nesta quarta-feira (15) pelo Ministério da Agricultura, encerra um período de três meses em que os produtores ficaram sem o principal mercado de exportações.
Entre as consequências da medida, estão um possível alta nos preços no mercado interno e um benefício para empresas do setor, mas ainda não é possível descartar a realização de novos embargos, segundo analistas consultados pelo CNN Brasil Business.
Para analistas, a principal beneficiada pelo movimento entre as empresas listadas na bolsa de valores é a Minerva, que concentra operações no Brasil.
Já a China deve retomar a forte demanda pelo produto, buscando recompor os estoques reduzidos para compensar o embargo e, ao mesmo tempo, se preparar para a alta de consumo de carne com o feriado do Ano Novo Lunar, celebrado no país em 1º de fevereiro.
Entretanto, a cadeia de oferta ainda deve demorar alguns meses para se reorganizar, com os efeitos do fim do embargo aparecendo de forma mais lenta para o setor.
Cenário de exportação
Responsável por cerca de 50% das exportações de carne bovina do Brasil, a China tem um peso grande para o setor. Filipe Fradinho, analista técnico da Clear Corretora, afirma que as exportações “chegaram a cair 43% em outubro em relação a 2020, e 47% em novembro”.
Para ele, o fim do embargo traz uma perspectiva “super positiva, o mercado fica alegre”. Para as empresas, um dos efeitos imediatos é uma projeção maior de receita para o próximo ano, com a recuperação de mercado.
Lucas Carvalho, analista da Toro Investimentos, diz que “o mercado estima que as exportações podem ser retomadas de forma mais dilatada a partir de janeiro, com a China recompondo estoques para o Ano Novo Lunar”.
O período, que ocorre entre o fim de janeiro e começo de fevereiro, é associado a um tradicional consumo alto de carne, o que poderia favorecer os exportadores brasileiros. Mas ainda não há um consenso que a demanda chinesa já deve ser atendida de imediato.
“No curtíssimo prazo existem contratos atrasados que devem ajudar os frigoríficos, mas o volume embarcado para o Ano Novo Chinês já fechou, a volta abarca mais um período posterior. O 4º trimestre ainda vai refletir o impacto negativo do embargo”, afirma Leonardo Alencar, analista de agronegócio, alimentos e bebidas da XP.
Segundo Cesar Castro, especialista em agronegócio do Itáu BBA, o fim do embargo é imediato, mas ainda há um processo de certificação de carne para exportação, que deve demorar cerca de 40 dias, o que atrasa uma retomada.
“O retorno é incerto. A China tem um calendário de fim de ano e ano novo em que o país fica parado, e carne que já poderia ser certificadas, vai demorar 40 dias pra certificar. Pode ser uma volta comedida”, diz.
Ele afirma que, caso o país estivesse precisando de mais carne para o período do Ano Novo Lunar, o embargo teria sido retirado antes, devido a esse tempo de retomada. Em geral, o embargo também levou produtores a segurar a produção, aliado a um período entre dezembro e janeiro que já é tradicionalmente mais fraco, o que limita a oferta disponível.
Nesse sentido, o fim do embargo “melhora as expectativas, mas, enquanto não tiver sinalização de compras, volumes, a coisa engrenar, o mercado tende a ficar mais de lado. Para ter oferta disponível, precisa de três meses para confinar o boi, ele engordar e ser abatido. Não é comum para fazer isso nessa época do ano, alguns têm boi, então dá para voltar gradativamente”.
A estimativa de Castro é que o fim do embargo favoreça o produtor, principalmente, a partir do mês de abril, quando tradicionalmente há um excesso de oferta, facilitando um volume maior de exportação.
Preço da carne
Adriano Castro, analista do Setor de Alimentos da Genial Investimentos, afirma que, durante os meses do embargo, os preços da carne do arroba do boi caíram, saindo de máximas históricas. A retomada da exportação, porém, representa uma volta da demanda, o que deve fazer com que os preços voltem a subir.
“A China deve comprar bastante em um curto período de tempo, então deve ter um impacto significativo nos preços da carne aqui. Vai acabar afetando no mercado interno os preços da carne, vai ficar mais caro para os consumidores”, diz.
Rodrigo Crespi, analista da Guide Investimentos, espera que o fim do embargo ajude em uma manutenção dos níveis elevados de preço da carne que tem sido observados nos últimos anos.
Para Carlos Fava Neves, professor da FEA-RP-USP, não há hoje muito espaço no mercado interno para alta de preços, o que limita os movimentos. Entretanto, ele espera que haja um certo impacto nos preços, mesmo que pequeno, o que dependerá também do volume de exportações.
Castro afirma que “não acho que o fim do embargo vai levar a aumento porque grande parte da produção já fica no Brasil. O mercado até se ajustou, mesmo sem a China, com um ajuste de oferta, então é provável que as coisas se organizem”.
Ele aposta em uma alta de preços a nível internacional apenas nos próximos meses, devido à demora na reorganização dos produtores.
Já o analista da XP afirma que o canal de exportação da China voltou a ficar mais rentável, mas a alta no preço da carne torna outros mercados pouco atrativos devido aos custos, incluindo o interno brasileiro, o que pode afetar a oferta e impactar preços.
Novos embargos?
Vinicius Vieira, professor de relações internacionais da Faap, atribui o embargo tanto a razões sanitárias quanto diplomáticas, pensando em um relacionamento ruim entre os governos da China e do Brasil.
“A China reabre o mercado muito mais em função dos interesses doméstico, mais do que um sinal de trégua com a diplomacia brasileira”, diz. Nesse sentido, ele avalia que o fim do embargo é mais positivo para produtores brasileiros e consumidores chineses do que para os consumidores e o governo brasileiros.
O professor não vê uma melhora significativa na relação entre os dois países, e por isso “não me surpreenderia se ocorrer novos embargos em 2022 para prejudicar o governo brasileiro em um ano eleitoral“. Para isso, porém, seria necessário uma justificativa sanitária.
Nesse sentido, Cesar Castro afirma que é “incerto saber se haveria novos embargos. Depende de manter a situação sanitária sob controle. Teoricamente essa doença não é de grande preocupação, mas houve um relativo atraso na detecção e notificação, isso gerou questionamentos, até nos Estados Unidos. Pode abrir margens para novos questionamentos e ter novas dificuldades. Se houver novos casos, mesmo atípicos, pode fechar de novo a China”.
Já Fava Neves afirma que a situação diplomática sozinha não é suficiente para gerar novos embargos em 2022, mas que eles podem ocorrer devido a problemas sanitários, o que ele acredita ser pouco provável atualmente.
Mesmo sem embargo, as exportações de outro tipo de carne já devem ser afetadas em 2022. A China anunciou uma alta na tarifa de importação de carne suína devido à melhora da produção interna. O mercado chinês é o principal comprador da carne suína brasileira.
Benefícios para as empresas
Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama, afirma que “os principais frigoríficos listados já tem uma pauta ampla de clientes na exportação e plantas fora do Brasil. Com isso, eles foram capazes de manejar a origem das vendas, de tal forma que a restrição por parte da China tivesse um efeito menos pronunciado”.
Segundo ele, o fim do embargo beneficia principalmente a Minerva, uma empresa do setor que concentra grande parte da produção no Brasil, e que foi a mais impactada pela decisão da China. Não à toa, a empresa liderava as altas nesta quarta-feira, subindo 12,2% por volta das 13h14.
Já Fradinho diz que a alta da Marfrig é menor porque a empresa já vem de um ciclo de recuperação com revisões de projeções e recomendações. Na terça-feira (14) ela subiu mais de 6%, o que limita o espaço de ganhos no pregão de hoje.
Castro afirma que o impacto é positivo para ela e a JBS, mas menor porque as duas empresas são mais focadas no mercado dos Estados Unidos. Já a BRF é a menos beneficiada dentre o grupo, por não trabalhar com carne bovina.
“Para a Minerva é mais relevante, 50% da receita é do Brasil, e 70% é de exportações. A notícia cai como uma luva, o cenário facilita para ter resultados mais positivos”, diz.
Entretanto, ele lembra que a empresa passou quase a totalidade do quarto trimestre sem conseguir realizar as exportações. Mesmo com uma certa diversificação geográfica no período, esse fator deve impactar os resultados trimestrais da empresa.
Segundo o analista da Toro Investimentos, a notícia se soma a um momento positivo do setor de frigoríficos. “Há uma demanda global por proteína animal, e as empresas, em especial as com plantas nos Estados Unidos, têm tido resultados recordes, e essa demanda por proteína deve se manter ao longo do próximo ano”.