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    Vacinas doadas por Covax Facility chegam com prazo de validade próximo

    Acesso igualitário às vacinas contra a Covid-19 pelos países é um dos principais desafios no enfrentamento à pandemia

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    O acesso igualitário às vacinas contra a Covid-19 pelos países é um dos principais desafios no enfrentamento à pandemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que enquanto países ricos concentraram o desenvolvimento e compra dos imunizantes com antecedência, países de média e baixa renda, especialmente da África, patinam no andamento das campanhas de vacinação.

    Epidemiologistas apontam que enquanto houver localidades com lacunas na imunização, o mundo inteiro permanecerá em risco devido à possibilidade da emergência de novas variantes que poderão ser mais resistentes às vacinas disponíveis.

    “Quando você começa a vacinar o mundo de forma desigual, por exemplo, um avanço na cobertura vacinal na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil, mas não vacina absolutamente nada na África Subsaariana e nos países de extrema baixa renda, podemos ter epidemias nesses locais e o surgimento de variantes genéticas do vírus nessas localidades”, afirma Álvaro Furtado, infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

    De acordo com o infectologista Júlio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o desinteresse de grandes empresas farmacêuticas na negociação com os países pobres agrava o cenário.

    Além disso, o alto custo das vacinas contra o novo coronavírus faz com que diversos países dependam de iniciativas como o consórcio Covax Facility para o acesso aos imunizantes.

    Prazo de validade das vacinas doadas

    Nesta semana, a diretora de vacinas da OMS, Kate O’Brien, alertou que as vacinas doadas ao Covax Facility pelos países ricos têm sido recebidas com um prazo de validade relativamente curto, o que tem sido um problema para o consórcio.

    Para a epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a doação de vacinas deve considerar os diferentes perfis e capacidades de logística dos países que recebem os imunizantes.

    “O que estamos vendo é a doação de sobras de vacinas, o que não é factível. A doação tem que ser pensada de modo que os países tenham tempo para preparar a logística de distribuição. Caso contrário, é apenas mudar o local de descarte das doses. Doação é dar condição para que a vacina chegue ao braço do cidadão seja onde ele estiver”, avalia.

    A validade das vacinas contra a Covid-19 varia de um imunizante para o outro, de acordo com a bula:

    • AstraZeneca: 6 meses
    • Pfizer: até 9 meses (frasco fechado a temperatura entre -90°C e -60°C)
    • Coronavac: 12 meses
    • Janssen: 24 meses

    “As vacinas são produtos biológicos e não substâncias sintéticas químicas. Por isso, elas precisam de temperatura e tempo de conservação. Se a vacina perder a validade, ela poderá não causar nenhum mal, mas não vai ser suficientemente imunogência [capaz de induzir a resposta imunológica]”, explica o pesquisador Jorge Kalil Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

    Segundo Kalil, a validade das vacinas é testada a partir de ensaios com animais que mostram por quanto tempo, desde a fabricação, os imunizantes são capazes de induzir a resposta imunológica.

    “Você deixa a vacina armazenada, em freezer, geladeira ou temperatura ambiente, dependendo do tipo de vacina, e vai testando características físico-químicas e de potência da vacina, se ela continua desencadeando uma boa resposta”, explica.

    De acordo com o pesquisador, os prazos curtos de expiração das vacinas contra a Covid-19 podem estar associados ao período reduzido para a análise da perda da validade. Considerando que os imunizantes foram desenvolvidos em prazo recorde com o objetivo de conter os impactos nocivos da pandemia.

    “O que pode estar acontecendo é que os países estão tentando usar as vacinas que compraram. Quando eles veem que não vão usar, doam para a Organização Mundial da Saúde, com tempo curto de utilização”, afirma Kalil.

    Da produção ao uso

    As vacinas contra a Covid-19 podem ser produzidas a partir de diferentes tecnologias. O objetivo final é o mesmo: induzir a resposta imunológica e proteger o organismo contra o desenvolvimento de quadros graves, hospitalizações e óbitos.

    O processo de produção é semelhante, considerando etapas que envolvem a formulação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), a matéria-prima do imunizante; a adição de componentes estabilizadores; o controle de qualidade, e o envase, rotulação e embalagem (veja o passo a passo no quadro abaixo).

    / Arte/CNN

    Importação de vacinas no Brasil

    Em agosto, a Anvisa estabeleceu novas regras com o objetivo de flexibilizar a importação de vacinas contra a Covid-19 e de insumos utilizados na fabricação dos imunizantes. O processo simplificou as diretrizes para a aprovação da importação.

    Com a mudança, a equipe técnica e a direção da Anvisa passaram a se pronunciar sobre o pedido de importação em até 48 horas após o protocolo do processo. Agora, a análise do pedido de importação pode ser feita antes da inclusão do processo no sistema da agência, com o envio de um e-mail realizado antes da chegada da carga ao Brasil.

    Os produtores das vacinas podem assinar um termo de compromisso de que entregarão as informações demandadas antes do uso das vacinas.

    “A modalidade de liberação denominada Termo de Guarda e Responsabilidade ocorre nos casos em que a carga é desembaraçada, deixando o aeroporto e seguindo para o centro de armazenamento do importador, mediante a assinatura, pelo importador, de um termo de compromisso de que a documentação pendente será apresentada antes que os produtos sejam colocados em uso”, diz a nota da Anvisa.

    Mesmo após a decisão, ficou mantida a necessidade de liberação dos lotes de vacina pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), em etapa posterior à liberação da Anvisa.

    O Brasil já recebeu lotes de vacinas prontas da AstraZeneca/Oxford, da Coronavac/Sinovac, da Pfizer/BioNTech e da Janssen.

    A epidemiologista Carla Domingues explica que as vacinas importadas levam um tempo maior para chegar à população.

    “As vacinas que vem do exterior têm que passar pela liberação alfandegária, pela receita. Depois, a liberação da importação da carga precisa ser feita pela Anvisa, que vai verificar se a carga chegou nos conformes, dentro dos padrões. Após a liberação, é possível retirar as doses do aeroporto”, afirma Carla.

    Vacina AstraZeneca da Fiocruz contra a Covid-19
    Produção da vacina AstraZeneca contra a Covid-19 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro / Rodrigo Pereira/Fundação Oswaldo Cruz

    Após a liberação, os imunizantes são levados para o Centro de Distribuição Logístico do Ministério da Saúde, localizado no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. O local conta com estrutura para o armazenamento das doses em áreas climatizadas com diferentes níveis de resfriamento. Nessa etapa, equipes do ministério realizam a contagem e controle de qualidade das vacinas.

    A estratégia de distribuição é definida pelo Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que são os representantes dos estados e municípios, respectivamente.

    As três instâncias elaboram o informe técnico que reúne dados como a quantidade de doses destinadas aos estados, público-alvo das campanhas e direcionamento para primeira, segunda ou dose de reforço.

    Os imunizantes deixam os centros de distribuição e chegam aos estados em até 48 horas, segundo o Ministério da Saúde. A partir dessa etapa, os estados e o Distrito Federal são responsáveis pela distribuição, que pode ser feita em até sete dias.

    “O Brasil tem essa logística pronta e organizada o que faz com que consigamos levar as vacinas aos grandes centros em até 48 horas. Nos locais mais longínquos, demora-se de uma semana a 15 dias, com o uso de barcos ou de helicópteros, por exemplo”, afirma Carla.

    Segundo a especialista, o tempo gasto entre a liberação das vacinas pelos laboratórios produtores e a aplicação na população dos países pode variar, chegando a três meses, uma vez que nem todos os países contam com a estrutura capilarizada do Sistema Único de Saúde (SUS).

    “Em alguns países, se faz vacinação basicamente em forma de campanha. Não há serviços de saúde como temos no Brasil. Eles precisam ter pessoas disponíveis naquela localidade para receber, armazenar e aplicar as vacinas, o tempo gasto vai depender de cada país”, explica.

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