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    Disputa por frequências entre Winity e Anatel atrasa chegada de internet a vilarejos e rodovias federais

    Para agência, compartilhamento de frequência de nova operadora com Vivo fere edital de leilão e compromete competitividade no setor

    Amanda Sampaioda CNN , em São Paulo

    31 de dezembro de 2023 — este era o prazo para que o sinal de internet 4G chegasse a mais de 3,5 mil quilômetros de rodovias federais e a 40% das localidades fora da sede de municípios, como aglomerados urbanos, vilarejos e povoados por todo o Brasil. Mas uma “briga” entre a operadora Winity Telecom e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) atrasou o cumprimento desse acordo.

    Em novembro de 2021, a Winity, do Fundo Pátria Investimentos, arrematou o primeiro lote do chamado leilão 5G, de faixa de frequência de 700 MHz, por R$ 1,4 bilhão — um ágio 806% acima da oferta mínima definida pela agência reguladora, de R$ 157,6 milhões.

    “Isso já despertou bastante atenção, porque não é comum nas licitações que a Anatel promove acontecerem ágios tão altos. Ou seja, com isso, a Winity cobriu dois outros concorrentes que participariam do processo licitatório. Com esse ágio, ela era imbatível”, afirma Juarez Quadros, ex-presidente da Anatel.

    Por outro lado, fontes ligadas à Winity argumentam que o valor representava pouco mais de 10% do plano de negócios anunciado pela companhia naquele ano, que era de cerca de R$ 12 bilhões.

    À época do leilão, a faixa tinha sido ofertada pela Anatel apenas para empresas entrantes, ou seja, estreantes no mercado de telefonia móvel. Por isso, operadoras como Vivo, TIM e Claro, que já possuíam faixas nessa frequência, ficaram de fora do lote.

    Com o arremate, a Winity teria de cumprir algumas obrigações inovadoras previstas no edital, que incluíam a disponibilização de sinal de internet 4G para mais de 35 mil quilômetros de rodovias federais até 2026 e para 625 localidades “não sede”, como vilarejos, povoados e municípios com menos de 30 mil habitantes.

    Além disso, a empresa ainda deveria oferecer infraestrutura para as empresas que detinham frequências a nível regional.

    Oito meses após adquirir a frequência, a nova operadora anunciou uma parceria com a Vivo. O acordo permitiria que a Winity tivesse acesso à infraestrutura já existente da Vivo e a combinasse com a que seria construída pela empresa após o vencimento do leilão.

    Segundo as companhias, isso permitiria a entrega de internet para os trechos de rodovias e localidades sem cobertura 4G.

    Na mesma parceria, a Winity alugaria para a Vivo um bloco da faixa de frequência de 700 MHz em mais de mil municípios, o que aumentaria a capacidade de rede da operadora em regiões que já possuíam infraestrutura.

    Mas a efetivação desse acordo dependia da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da própria Anatel.

    Fato é que a notícia foi mal digerida pelas demais operadoras, que passaram a questionar a legalidade da parceria, além de apontar um possível benefício à Vivo em termos concorrenciais.

    Na mesma linha, parte do conselho diretor da Anatel também via o negócio com cautela.

    “A Winity era uma nova entrante. Ela arrematou, mas justificou depois, entrando com um processo dizendo que para poder executar as obrigações ela tinha que fazer um compartilhamento dessa frequência com a Vivo. Isso, para nós da Anatel, feria gravemente o edital, e isso é crime, porque o edital tem força de lei. A Vivo não podia pegar essa frequência e utilizar essa frequência, sendo que não era para ela”, argumenta Moisés Moreira, conselheiro da Anatel à época.

    Após meses de discussão, o resultado do julgamento do Cade deu vitória às operadoras Vivo e Winity somente em setembro do ano passado.

    Pela análise do órgão antitruste, a operação tinha impactos concorrenciais que se relacionavam a objetivos regulatórios da Anatel, mas os possíveis problemas identificados não eram suficientes para gerar preocupações.

    A agência reguladora, porém, não tinha o mesmo pensamento. Para Moreira, o compartilhamento de frequência entre as operadoras feria não apenas o edital do leilão 5G, mas também comprometia a competitividade entre as empresas de telecomunicações do país.

    “Ela ficaria com uma megaquantidade de frequências em detrimento das outras, principalmente das grandes [operadoras]. Ela estaria praticando concorrência desleal”, pontuou.

    Mesmo assim, a Anatel não barrou totalmente a parceria. Ela impôs algumas restrições ao acordo — a mais importante delas impedia que a Vivo compartilhasse frequência entre as faixas de 2,3 GHz e 3,5 GHz com outras operadoras de grande poder de mercado em cidades de até 100 mil habitantes.

    “Ora, quando você entra num leilão, você tem que ter a noção do que você está comprando e quais são suas obrigações, e não depois que você compra dizer: ‘se não for assim, eu não vou’. Nós, da Anatel, não poderíamos prevaricar, isso é algo público, que tem sua responsabilidade e nós seríamos responsabilizados se não fizéssemos dessa forma”, acrescentou o ex-conselheiro.

    A Winity, por sua vez, entrou com recurso alegando que as restrições impostas não estavam previstas em edital e que, portanto, tratava-se de uma decisão impossível de ser prevista pela companhia.

    Mas a Anatel manteve o posicionamento.

    Impossibilitada de tocar o modelo de negócio planejado, a Winity Telecom anunciou, no dia 23 de dezembro do ano passado, a renúncia à frequência de 700 MHz adquirida em leilão. Além disso, a parceria entre a operadora e a Vivo também chegava ao fim.

    “Quem perde com tudo isso no final é o consumidor, o usuário. Essa obrigação principal era conectar mais de 35 mil quilômetros de rodovias federais com 4G, e isso vai se atrasar. Nesse caso, a Anatel teve que ser realmente dura, firme, para cumprir a regra do jogo”, avalia Moreira.

    Mesmo com o imbróglio, o ex-conselheiro da Anatel avalia que a entrada de uma quarta operadora no Brasil é importante.

    “Às vezes, as grandes empresas não têm o interesse imediato de atender aquelas localidades menores, enquanto as outras acabam atendendo. Essa é uma coisa de mercado que vai se ajustando. Mas espaço nós temos, sim, e tenha a certeza de que ele será bem utilizado”, conclui.

    Na mesma linha, Quadros diz que o Brasil perdeu uma oportunidade.

    “Agora a Anatel terá que resolver o problema. As rodovias vão continuar desatendidas? As localidades que eram para ser atendidas com serviço móvel em 4G também vão ficar sem o serviço? E as operadoras regionais que precisavam da frequência como meio de infraestrutura para poder se interligarem a nível nacional e também mundial?”, questiona.

    Para o ex-presidente da Anatel, é possível que a agência realize um novo leilão da frequência ou convoque os segundos colocados na rodada vencida pela Winity. Procurada pela CNN, porém, a agência não se manifestou formalmente sobre os próximos passos.

    “A gente verifica pelo mundo todo que a tendência é haver sempre mais concentração de operadoras. Eu entendo hoje que três operadoras é o número que o Brasil deveria tentar preservar”, pontua.

    Por outro lado, para o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude, a renúncia da Winity abre portas para que a Anatel reveja seus planos.

    “Na minha visão, o ideal é que essas frequências fossem divididas em regiões, de modo que as operadoras regionais, que adquiriram a faixa de 3,5 GHz possam adquirir essa frequência. Seria muito importante para elas para ter uma rede mais competitiva”, afirma.

    À CNN, fontes da Winity disseram que a empresa buscou segurança jurídica antes de participar do leilão, e que o projeto de ser a primeira operadora de atacado móvel — ou seja, que constrói e compartilha rede — era possível. Mesmo assim, elas reconhecem que existia um “risco empresarial” ao adquirir a frequência.

    Em nota enviada à CNN, a Winity afirmou que rechaça veementemente as alegações que chamou de “inverídicas” e “improcedentes” sobre a participação da operadora no leilão 5G e sobre o modelo de negócios da empresa.

    “A Winity reafirma que sua participação no leilão ocorreu de forma séria e lícita, cumprindo fielmente a legislação e a regulamentação, totalmente aderente às regras do edital, conforme documentado em decisões do conselho diretor da Anatel e do Cade.

    Também respaldada por pareceres dos maiores juristas brasileiros e manifestações formais da Anatel ao Tribunal de Contas da União quando questionada sobre o tema: ‘a prestadora que não tiver a intenção de explorar a faixa, ela poderá explorá-la no segmento atacadista, transferir parte de sua autorização de uso de radiofrequências, ou compartilhar sua rede de acesso, a seu critério’.

    Surpreende a afirmação de pessoas que não mais atuam na agência ao manifestarem-se de forma contraditória à decisão do Conselho Diretor – o qual integravam na ocasião da aprovação – que, ao acompanharem o voto do Conselheiro Relator, Alexandre Freire, aprovaram a operação por unanimidade, estabelecendo condicionantes. Algumas destas, posteriormente reconhecidas pela Agência como desproporcionais para uma nova entrante”.

    A Winity acrescentou que recebeu com “estranheza” a manifestação do ex-dirigente da Anatel sobre o ágio do leilão. Segundo a operadora, as afirmações refletem a realidade do próprio leilão 5G que, em outros lotes, recebeu ofertas com valores mais de 13.000% acima do preço mínimo.

    A Winity reafirmou que continuará atuando como uma dos maiores investidoras em infraestrutura de telecomunicações móveis do país, desenvolvendo os demais projetos de seu portfólio de investimentos em prol da “expansão da conectividade e do crescimento do setor de telecomunicações.

    A Vivo também foi procurada para manifestações, mas preferiu não comentar o caso.

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