Estas pegadas misteriosas não são de urso, mas de ancestral humano desconhecido
Pensava-se que as marcas descobertas em 1978 na Tânzania eram pertencentes a um urso que caminhava sobre as patas traseiras
Pegadas descobertas em 1978, na Tanzânia, e datadas de 3,66 milhões de anos atrás foram amplamente consideradas como a mais antiga evidência incontestada do caminhar ereto na árvore genealógica humana.
As descobertas em um local conhecido como sítio G de Laetoli, são comumente aceitas como pertencentes ao Australopithecus afarensis – a espécie do famoso esqueleto “Lucy”, possivelmente o fóssil mais conhecido do mundo.
No entanto, as pegadas do sítio G de Laetoli não foram os únicos rastros antigos que os pesquisadores encontraram naquela época. Um conjunto de pegadas a uma milha de distância, em um local chamado sítio A de Laetoli, foi atribuído a um jovem urso andando de forma ereta sobre as patas traseiras, porque elas eram muito diferentes dos rastros deixados pelo Australopithecus afarensis.
Agora, os pesquisadores acreditam que as pegadas do sítio A de Laetoli podem pertencer a um ancestral humano diferente, que também andava sobre as duas pernas, uma revelação que pode reescrever este capítulo da história humana.
“Essas pegadas demonstram que a evolução do andar ereto foi mais complicada e mais interessante do que pensávamos anteriormente”, disse Jeremy DeSilva, professor associado do departamento de antropologia do Dartmouth College e co-autor da pesquisa publicada na revista Nature, nesta quarta-feira.
“Nesta época de nossa história evolutiva, havia pelo menos dois hominídeos, caminhando de maneiras diferentes, com pés de formatos diferentes, mostrando que a aquisição do andar como um humano era menos linear do que muitos imaginam”.
A versão humana de andar sobre as duas pernas, conhecida como bipedalismo, é exclusiva entre os mamíferos e o pensamento convencional era de que ela tinha uma origem evolutiva única.
Sedimentos antigos
Laetoli é um belo ambiente de pasto árido, a noroeste da cratera de Ngorongoro, no norte da Tânzania, com acácias espalhadas por uma paisagem habitada por zebras e girafas. As chuvas sazonais cortaram sedimentos antigos, expondo uma camada de cinzas vulcânicas endurecidas de 3,66 milhões de anos, que DeSilva disse que preserva as impressões de milhares de pegadas de antílopes antigos, elefantes, grandes gatos, pássaros e insetos – e nossos ancestrais hominídeos.
O sítio A nunca foi totalmente escavado e foi coberto logo depois que as pegadas foram descobertas pela paleontóloga pioneira Mary Leakey, em 1977 ou 1978, disse DeSilva. Não está claro se a cobertura foi feita deliberadamente para proteger as pegadas ou se as chuvas lavaram sedimentos da encosta adjacente sobre elas.
Ao contrário das famosas pegadas do sítio G, essas marcas tinham um formato incomum e sugeriam um movimento de caminhada ereta que tinha uma forma peculiar de passo cruzado, em que cada pé se movia sobre a linha média do corpo para tocar na frente do outro pé, disse Stephanie Melillo, uma paleoantropóloga e pesquisadora de pós-doutorado no departamento de evolução humana do Instituto Max Plank de Antropologia Evolucionária, em Leipzig, na Alemanha. Ela não estava envolvida na pesquisa.
Uma explicação dada na época para as pegadas enigmáticas era de que elas tinha sido feitas por um urso que andava sobre os dois pés, embora Leakey tivesse se perguntado se foram deixadas por um hominídeo com um andar irregular.
“Os cientistas não se convenceram por nenhuma das explicações. No final das contas, as marcas deixadas no sítio A foram mais facilmente esquecidas do que explicadas”, disse Melillo em um comentário sobre a pesquisa publicada na Nature.
DeSilva disse que decidiu escavar novamente o local depois que ele e seus colegas coletaram dados de pegadas de humanos, chimpanzés e ursos e que lançaram dúvida sobre a hipótese do urso. No entanto, foi um desafio reexaminar as cinco pegadas consecutivas.
“Mary Leakey fez mapas primorosamente detalhados das localidades das pegadas. Com o mapa dela, pudemos estimar onde as marcas deveriam estar. Começamos a cavar, esperando o melhor, mas temendo que quarenta anos de chuvas sazonais as tivessem levado embora”, disse DeSilva por e-mail.
“O solo era duro como cimento e foi necessário um martelo e um cinzel para alcançar a camada da pegada, a qual precisávamos escavar delicadamente com um escova de cerdas duras e um abaixa-língua. Felizmente, as pegadas foram lindamente preservadas”.
Depois de catalogar as marcas originais, eles as compararam com as pegadas de ursos negros (Ursus americanus), chimpanzés (Pan troglodytes) e humanos modernos (Homo sapiens).
Eles também obtiveram mais de 50 horas de vídeo de ursos negros selvagens. Os ursos caminharam sobre dois pés menos de 1% do tempo. Isso torna improvável que um urso tenha deixado as pegadas em Laetoli, especialmente porque não foram encontradas pegadas desse indivíduo andando sobre quatro patas, disseram os pesquisadores.
Na balança
DeSilva disse que quando animais não-humanos caminham com as duas pernas, eles não conseguem se equilibrar em uma só perna. Isso significa que eles se balançam para frente e para trás conforme andam, produzindo pegadas espaçadas.
Mas, no começo da evolução humana, mudanças na posição dos músculos do quadril e dos joelhos de nossos ancestrais permitiram com que hominídeos eretos se equilibrassem em uma só perna e andassem em linha reta, sem movimentos para os lados.
Melillo concorda que a nova escavação revelou “uma combinação de características diagnósticas de hominídeos.”
“O dedão e o segundo dedo são similares em comprimento; a impressão feita no chão pelo dedão é muito mais larga que aquela registrada pelo segundo dedo; as impressões feitas pelos dedos e pelo resto do pé são contínuas; e o calcanhar é largo”, disse ela.
“Ainda assim, as pegadas do sítio A são diferentes de qualquer outro hominídeo. As pegadas são estranhamente largas e curtas, e os pés responsáveis por suas criações podem ter tido um dedão capaz de agarrar, semelhante ao dedão de gorilas”.
DeSilva disse que precisaríamos encontrar fósseis para saber mais sobre a aparência deste hominídeo. Mas ele disse que o tamanho do pé sugere que o indivíduo teria 0,9 metro de altura.
(Texto traduzido. Leia o original aqui).