Elena Ferrante lança novo livro; veja os aspectos que se destacam em sua escrita
Recém-lançada na Itália, a obra compila textos em que Ferrante reflete sobre a “aventura do escrever”. Veja 5 aspectos que se destacam no estilo da escritora, que permanece anônima
A escritora italiana Elena Ferrante, autora da tetralogia napolitana “A Amiga Genial”, lançou nesta semana um novo livro. Intitulado “I margini e il dettato” (As margens e o ditado, em tradução livre), a obra reúne quatro textos inéditos sobre a escrita enquanto arte e ofício.
Este é o terceiro volume de ensaios de Ferrante e o primeiro livro lançado em dois anos – em 2019, ela publicou o romance “A vida mentirosa dos adultos”, que teve seus direitos de adaptação adquiridos pela Netflix para produção de uma série, ainda sem data prevista para estrear.
Mundialmente conhecida pela série de quatro livros que acompanham a amizade de duas mulheres da infância à velhice – “A Amiga Genial” vendeu mais de 16 milhões de cópias e virou série na HBO -, Elena Ferrante agrada um público variado – de jovens a idosos, de leitores iniciantes aos mais experientes, e de leigos aos intelectuais de ampla formação literária.
Mas, afinal, o que torna a obra dessa escritora que preferiu viver no anonimato tão especial? À seguir, 5 fatos que se destacam:
1- O feminino na obra de Elena Ferrante
Raramente abordadas com a devida atenção e profundidade nas tradições literárias clássica e moderna, as relações entre mulheres se destacam nas histórias de Elena Ferrante.
Em todos os romances da escritora, o foco das personagens femininas não está em um relacionamento amoroso ou na necessidade de corresponder às expectativas de uma cultura convencional.
Em vez disso, Ferrante constrói protagonistas como Lila e Lenú, da tetralogia napolitana, Leda, de “A Filha Perdida”, ou Giovanna, de “A Vida Mentirosa dos Adultos”: figuras complexas em si, desveladas pela autora em generosas camadas de profundidade existencial e emocional, transformadas não só pela relação com homens, mas principalmente com outras mulheres.
A amizade feminina, a maternidade e a relação das mulheres consigo mesmas são temas que aparecem na obra de Ferrante sem ignorar as aparentes contradições afetivas que caracterizam cada um desses vínculos.
2- A capacidade da autora de conciliar profundidade narrativa e entretenimento
O texto de Elena Ferrante é claro e direto. Não há barreiras para prosseguir a leitura e relacionar-se com os dilemas, dores e alegrias das personagens – mas a autora também não poupa profundidade psicológica na construção narrativa, o que pode levar o leitor, distraidamente entretido na trama, a ser arrebatado de modo ainda mais intenso pela leitura.
Para estudiosos de literatura e psicanálise, é um prato cheio: a narrativa de Ferrante permite um desdobramento sem fim de reflexões e interpretações, além de incorporar sutilmente referências a autores clássicos.
Aqueles que desejarem uma leitura fluente e descomplicada provavelmente encontrarão o que procuram em Elena Ferrante, e quem quiser uma experiência literária com amplo potencial reflexivo e filosófico também sairá satisfeito e instigado.
3- Abordagem de questões de desigualdade social e de gênero
Ao estruturar o cenário de suas histórias, Elena Ferrante costuma dar certa centralidade à condição social dos personagens. As circunstâncias particulares das protagonistas – privilégios ou dificuldades financeiras, tempo histórico da narrativa e a própria condição de ser mulher – têm lugar de relevância na construção da subjetividade das personagens da escritora.
Os contrastes e desigualdades da sociedade italiana, tão diversa a depender da região do país, são explorados a fundo a partir da percepção afetiva das protagonistas, o que permite que o leitor se relacione de forma mais próxima com tais questões.
Ainda assim, a narrativa não perde seu caráter universal, já que os sentimentos particulares descritos por Ferrante frequentemente se assemelham aos do público, facilitando a identificação com os personagens.
4- Ambientação
As descrições ricas e detalhadas de Elena Ferrante possibilitam que o leitor viaje sem sair do lugar, despertando sensações como o vento no rosto, o sol forte, o som do mar agitado.
Há inclusive uma variedade de roteiros turísticos em Nápoles que foram criados sob inspiração da obra da escritora, que sempre fez questão de explorar a cidade em sua multiplicidade, desde os aspectos que encantam moradores e turistas até as contradições de uma Nápoles pouco visível.
5- Mistério sobre a identidade da escritora
A obra de Elena Ferrante ganha uma aura única de mistério em função do anonimato que ela faz questão de manter. Com livros traduzidos para dezenas de idiomas e mais de 16 milhões de exemplares vendidos no mundo todo, a escritora usa o pseudônimo Elena Ferrante para publicar seus trabalhos, mas nunca revelou sua identidade.
As raras entrevistas são concedidas por escrito, com intermédio de sua editora. Na obra “Frantumaglia – Os caminhos de uma escritora” (2003), ela justifica a escolha de resguardar sua identidade e evitar manifestações públicas.
“Eu acredito que os livros não precisam dos seus autores para nada, depois de escritos. Se tiverem alguma coisa para contar, mais cedo ou mais tarde encontrarão leitores; se não, não”, afirma.
Em 2016, uma série de reportagens publicadas no “New York Times Review of Books” indicou que a tradutora Anita Raja seria a pessoa por trás do pseudônimo, o que foi negado por ela e criticado pelos fãs de Ferrante como uma invasão da privacidade da autora.
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