Ao contrário do Brasil, países têm mulheres na linha de frente do Exército há 40 anos
Forças Armadas de várias nações contam com mulheres em postos de combate; a Noruega liberou a participação delas nessas posições em 1985
Enquanto o Brasil discute a participação de mulheres em postos de combate nas Forças Armadas, a presença delas na linha de frente de conflitos e guerras ocorre há pelo menos 40 anos em outras partes do mundo.
Pelo menos 17 países contam, alguns deles há décadas, com a presença feminina em unidades que operam na linha de frente das batalhas. E não são apenas nações autoritárias, como a Coreia do Norte, ou em guerra, como Israel e Ucrânia, que têm mulheres nessas posições.
A lista inclui vários países ocidentais e seus aliados, entre eles França, Alemanha, Dinamarca, Holanda, Nova Zelândia, Polônia, Suécia, Austrália, Finlândia, Índia e Canadá.
Um desses países aparece com destaque: a Noruega, que foi o primeiro país da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a liberar as mulheres para ocuparem postos de combate em suas forças armadas, em 1985.
Naquele mesmo ano, marinheiras norueguesas passaram a servir em submarinos de guerra. Nos três anos seguintes, elas foram treinadas e passaram a ter presença em todos os tipos de unidades de combate a partir de 1988.
O debate sobre igualdade de gênero é bastante evoluído no país e a Noruega também foi a pioneira entre os membros da Otan a adotar, em 2013, uma política de gênero neutra no recrutamento militar: ou seja, todos os jovens do país, homens ou mulheres, precisam se alistar.
O Exército norueguês também possui uma unidade de combate composta inteiramente de mulheres, o Jegertroppen (esquadrão de caçadoras, em tradução livre).
Trata-se de uma Força de Operações Especiais, especializada em vigilância e reconhecimento em áreas urbanas. Nela, as recrutas participam de operações antiterrorismo, guerra urbana, patrulhamento de longo alcance e combate corpo a corpo.
A experiência norueguesa é marcada por vários sucessos expressivos, como o da General Ingrid Gjerde.
Nas Forças Armadas há décadas, ela chefiou a força de combate de seu país na guerra do Afeganistão e foi a comandante geral da Força de Manutenção da Paz das Nações Unidas no Chipre até o início deste ano. Nos dois casos, liderou centenas de soldados homens com distinção.
Curiosamente, dois países de longa tradição militar demoraram mais do que os muitos de seus aliados a ignorar os preconceitos e permitir que as mulheres pudessem ocupar qualquer função na hierarquia: Estados Unidos e Reino Unido.
Os americanos só derrubaram as barreiras para a participação feminina na linha de frente em 2013, depois de muito debate.
Os britânicos foram ainda mais lentos: só acabaram com as restrições em 2018.
Restrições no Brasil
No Brasil, como mostrou a CNN, as Forças Armadas continuam restringindo a participação feminina em várias áreas, especialmente unidades de combate.
Em documento enviado recentemente para a Advocacia Geral da União (AGU), e resposta a questionamentos sobre as limitações impostas pelos militares brasileiros à mulheres, o Exército argumentou que a “fisiologia feminina” seria um fator limitador para algumas funções delas na arma.
“É necessário reconhecer que a fisiologia feminina, refletida na execução de tarefas específicas na zona de combate, pode comprometer o desempenho militar em operações de combate, dependendo do ambiente operacional”, diz o parecer do Exército.
Ainda de acordo com a Força, as atividades militares relacionadas ao combate — caso da infantaria, cavalaria e artilharia — possuem elevado nível de exigência, incluindo força muscular, potência anaeróbica e resistência física.
“Baixo nível de aptidão física […] expõe aqueles menos preparados a riscos, limita a prontidão da unidade, aumenta o número de hospitalizações e de afastamento das atividades funcionais. Os estudos também demonstram que as mulheres militares podem ter duas a três vezes mais chance de terem lesões e fraturas”, completa.
Perguntada certa vez, ainda durante a guerra do Afeganistão, pela imprensa sobre a experiência feminina em postos de combate, a General Gjerde foi realista com relação às dificuldades. Mas mostrou que as mulheres podem ter desempenho similar aos dos homens em campos de batalha.
“Tenho que ser clara: é preciso cumprir os padrões físicos, porque o trabalho continua sendo o mesmo. Funciona muito bem desde que as mulheres cumpram os requisitos (de treinamento)”, disse ela à National Geographic.
“Mas isso não é um grande problema porque as mulheres que ingressam nessa área conhecem os requisitos e não é tão difícil para elas treinarem de acordo com esses padrões, se realmente quiserem”, concluiu a general.
Diante da repercussão negativa sobre as restrições impostas às mulheres para ingresso no Exército brasileiro, a CNN revelou que integrantes da Força Armada alegaram que o aumento da presença feminina nas carreiras militares se trata de “um projeto a longo prazo”.
Uma indicação de que o debate vai ficar ainda mais atrasado no país.