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    A luta por democracia e para destravar o tempo, cinco anos após a morte de Fidel

    Cuba busca romper as blindagens de uma comunicação e uma estrutura puramente estatal para se reinserir no mundo e nos dias atuais tempos depois da morte do ditador ainda onipresente

    Lourival Sant'Annada CNN

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    Muitas coisas me fascinam em Cuba. Nada, porém, tem sobre mim o efeito hipnótico da Rádio Relógio. Trata-se de uma emissora estatal — como todos os veículos de comunicação convencional do país, que não blogs e páginas nas mídias sociais — que transmite “notícias” pontuadas pelo anúncio do horário a cada minuto.

    Escrevi “notícias” entre aspas porque na verdade, na ilha de Fidel Castro, morto há exatos cinco anos, tudo é processado pelo regime e convertido em mensagens ideológicas para justificar a ditadura de partido único e atacar qualquer alternativa.

    Na primeira vez que fui a Cuba, em abril de 2003, quando Fidel mandou fuzilar três dissidentes e prender outros 75, escrevi que na ilha parecia ser sempre domingo: a maioria dos cubanos eram funcionários públicos, que ficavam na porta de casa, ou nas praças, esperando o tempo passar ou buscando uma forma de arrancar dólares de turistas, vendendo seu corpo ou produtos roubados das estatais.

    Essa sensação de uma ilha onde o tempo não passa, de um eterno dia da marmota, é sintetizada de forma surrealista pela monótona marcação da Rádio Relógio e suas mensagens delirantes. Desde que descobri a emissora, na minha primeira ida a Cuba, todas as vezes que volto (foram no total quatro vezes), a primeira coisa que faço depois de chegar do aeroporto é ouvir a Rádio Relógio. E gravar, para provar mais tarde para mim mesmo e para os outros que aquilo realmente existe.

    Vou transcrever aqui a primeira mensagem que gravei ao desembarcar em Havana em 2016, para cobrir os funerais e o impacto da morte de Fidel. Portanto, não escolhi a mensagem, para causar maior impressão. Simplesmente porque qualquer trecho das minhas gravações traz no fundo o mesmo conteúdo.

    “Três e quarenta e cinco minutos. O grande desafio de Cuba. Conclusão. Em declarações à Rádio Relógio, o autor Juan González Riva diz que é muito fácil dizer ‘eu sou Fidel’ (“fiel”, em espanhol) e sentir dessa maneira a necessidade de continuar sua obra, mas se impõe crescer nossa postura revolucionária para enfrentar os inimigos da Revolução. Detalhou que é preciso render tributos a Fidel com a concreção dos compromissos em honra ao seu exemplo, e significou que será histórico o momento em que se depositem as cinzas do Comandante junto a Martí y Céspedes no cemitério de Santa Efigênia. ‘O processo revolucionário cubano tem hoje mais que nunca que se fortalecer e garantir que não se vá nenhum detalhe, pois não teremos mais Fidel para nos aconselhar. Essa personalidade da cultura no Granma (jornal estatal) destacou que é preciso preservar a imensa obra revolucionária de Cuba com a mesma dignidade que Fidel a defendeu em toda sua vida. Entrevistou Jorge Luis Baptista. Rádio Relógio. Três, quarenta e seis minutos”.

    Não significa que nada muda para os cubanos. Quando saí do aeroporto José Martí (o líder da independência citado na mensagem, ao lado de cujo túmulo foram depositadas as cinzas de Fidel), percebi que algo havia mudado desde a última vez que estivera em Cuba, em 2009, para cobrir os 50 anos da Revolução. As pessoas nas ruas estavam mais coradas, bem alimentadas e vestidas.

    Passei os próximos dias investigando, e constatei que era o efeito das reformas econômicas conduzidas por Raúl Castro, irmão e sucessor de Fidel desde seu afastamento por doença em 2006, que também cobri. Elas permitiram que os cubanos abrissem pequenos negócios de prestação de serviços, alugassem quartos de suas casas para turistas, ampliassem os restaurantes privados para além do limite de quatro mesas (justamente o limiar da lucratividade), comprassem e vendessem carros e casas.

    Quando tudo é estatal, não existem negócios pequenos, como consertos de eletrodomésticos, oficinas mecânicas, eletricistas, encanadores, sapateiros, alfaiates, lavanderias, cabeleireiros e assim por diante. Os cubanos tinham aprendido a consertar e remendar suas coisas. Com a reforma, proliferaram esses pequenos negócios, que geraram renda.

    Fiquei hospedado em um esquema parecido ao Airbnb, que não existe lá porque os cartões de crédito não funcionam em razão do embargo americano. Reservei o quarto com a ajuda de um amigo cubano. A dona da casa é engenheira eletricista. Ela ganhava antes o equivalente a US$ 40 por mês, o salário mais alto de um servidor. Eu pagava US$ 25 por dia pelo quarto.

    Entrevistei uma advogada que trocou o cargo, antes muito cobiçado, no departamento jurídico do banco estatal internacional, por uma barraca de saladas e sucos de frutas. Ela me contou que agora ganhava por semana US$ 25.

    São mudanças que trouxeram um certo bem-estar, embora as aspirações dos cubanos por liberdade tenham continuado reprimidas. Com a pandemia, o turismo, principal fonte de renda dessa “classe média” nascente, desapareceu. Os protestos então se intensificaram e, com eles, a repressão.

    O Observatório Cubano de Direitos Humanos, com sede em Madri, informou ter documentado “mais de 400 ações repressivas” para evitar os protestos convocados para o dia 15 de novembro.

    O dramaturgo Yunior García Aguilera, um dos líderes do movimento por democracia em Cuba, asilou-se em Madri com a mulher, depois da repressão às manifestações. As flores e camisetas brancas, que são o símbolo do movimento por democracia na ilha, foram proibidas.

    Na sacada do apartamento de García Aguilera, funcionários do governo colocaram uma grande bandeira de Cuba para impedi-lo de desfraldar uma faixa ou bandeira branca. Pessoas que tentaram se manifestar foram assediadas por militantes favoráveis ao regime.

    “O povo cubano ficou em silêncio por muito tempo, e é hora de ele falar livremente o que pensa”, disse García Aguilera à CNN. Para o regime, como para a Rádio Relógio, no entanto, só pode existir uma voz, atemporal: a de Fidel Castro.

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