Com ações em baixa, Ibovespa está no maior desconto desde 2008
Desde a grande crise financeira global o índice de referência da bolsa brasileira não era negociado a um nível tão baixo em relação ao potencial de lucro de suas empresas
Há 13 anos o Ibovespa, principal índice acionário da bolsa de valores brasileira, não ficava tão barato quanto está hoje.
Com queda acumulada de 13% neste ano, o Ibovespa opera atualmente na faixa dos 102 mil pontos. Não é a menor pontuação dos últimos tempos — pelo contrário, só em 2019 o índice cruzou a faixa dos 100 mil pela primeira vez.
A pontuação, porém, que funciona como uma medida que acompanha o nível dos preços das ações listadas, conta apenas uma parte da história.
Os preços dos ativos na bolsa são uma referência relativa. Saber se estão altos ou baixos depende de uma série de comparações, como a inflação, o volume de lucro das empresas ou o que está acontecendo no resto do mundo.
É quando esses outros ingredientes entram na receita que se tem uma dimensão mais completa do quanto a bolsa local está barata ou cara em relação a outras ou para o quanto realmente vale.
Um levantamento feito pela XP, comparando a pontuação do Ibovespa às perspectivas de geração de lucro das empresas listadas, mostra que o desconto atual do índice é o maior desde 2008, ano da grande crise financeira que abalou bolsas do mundo inteiro e a última vez em que as ações brasileiras tiveram quedas tão acentuadas quanto as registradas na chegada da pandemia, no ano passado.
Trata-se do indicador chamado Preço/Lucro, ou apenas P/L, que literalmente divide uma coisa pela outra e verifica o preço das ações no mercado em relação ao quanto as empresas geram de lucros.
Quanto menor o preço na bolsa em proporção à capacidade daquela empresa de entregar resultados, mais subvalorizada está a cotação.
É uma das medidas mais usadas pelos analistas do mercado financeiro para ponderar se um ativo está muito abaixo ou muito acima do que seria o seu preço justo.
No caso do Ibovespa, o cálculo é feito usando a sua pontuação em relação aos lucros de todas as cerca de 80 empresas que fazem parte do índice. O levantamento usado pela XP leva em consideração as projeções de mercado para o resultado delas nos próximos 12 meses.
Menor desde 2008
Em outubro, o preço do Ibovespa foi, em média, o equivalente a 7,9 vezes o lucro projetado das empresas. Na prática, é como dizer que o investidor demoraria 7,9 anos, na média, para retomar o valor aplicado caso os lucros das empresas se mantivessem no mesmo patamar e fossem totalmente redistribuídos a cada ano.
E isso é muito ou é pouco? Em relação ao histórico do próprio Ibovespa, muito pouco.
A única vez desde pelo menos 2006 em que esse múltiplo ficou abaixo de 8 foi entre outubro e dezembro de 2008, quando a conta flutuou entre 6,3 e 7,2.
Em outubro daquele ano, destroçado pela crise deflagrada após o estouro de uma gigante crise de crédito nos Estados Unidos, o Ibovespa despencaria à mínima de 29 mil pontos.
É um resultado também bastante abaixo da média histórica da relação preço-lucro do índice, de 11,2 se considerado o desempenho dos últimos 15 anos.
Para se ter uma ideia, na Bolsa de Nova York, o índice de referência S&P está valendo atualmente 22 vezes o valor projetado do lucro das empresas, para uma média histórica que é de 16 vezes, de acordo com a estrategista de ações da XP Jennie Li. “Quer dizer, lá está muito caro”, diz ela.
“Este é um dado para o qual o mercado olha muito para ajudar a encontrar oportunidades de compra: compre quando estiver barato”, explica Jennie.
A bolsa brasileira de fato está barata, mas isso também reflete muito a incerteza no mercado doméstico e pode ser que os preços continuem sendo corrigidos. Não é tão simples quanto ‘ficou barata, vamos comprar’. O momento exige muita cautela.
Jennie Li, estrategista de ações da XP
Preços em queda
Jennie explica que a desaceleração que dá sinais no Brasil e na economia global, em especial no preço de commodities como o minério de ferro, cujos valores despencaram depois de bater recordes no começo deste ano, devem enfraquecer o resultado de algumas das principais empresas da bolsa brasileira, como a mineradora Vale e outras exportadoras de produtos básicos.
Foram justamente elas que sustentaram as altas recordes que o Ibovespa chegou a ter até junho deste ano.
O problema é que o valor das empresas na bolsa brasileira caiu muito mais rápido nos últimos meses, o que acabou derrubando o múltiplo entre preço e lucro. “O preço das nossas ações foi muito corrigido por conta de um cenário macroeconômico mais complicador, risco fiscal e risco político”, diz Jennie.
Na visão da XP, conta a analista, o preço justo do Ibovespa hoje, levando em consideração apenas a consistência dos resultados das empresas, seria em torno de 120 a 125 mil pontos – que é a projeção da casa para a bolsa até meados do ano que vem.
“É difícil afirmar que não vai cair mais, mas 100 mil pontos já está perto do nosso cenário mais pessimista, com a bolsa precificando uma série de notícias negativas”, afirma Jennie.
“Uma pontuação perto dos 123 mil pontos já refletiria melhor um pouco dos lucros que esperamos das empresas hoje e deixaria a bolsa um pouco mais próxima da média, mas, como este ano já está quase no fim, é difícil imaginar uma recuperação ainda em 2021.”