Assassinatos étnicos em cidade do Sudão deixaram até 15 mil mortos, indica ONU
Observadores também alertaram para abusos físicos e sexuais, assim como o deslocamento de milhões de pessoas
Entre 10 e 15 mil pessoas foram mortas em uma cidade na região de Darfur Ocidental, no Sudão, em 2023, em violência étnica pelas Forças Paramilitares de Apoio Rápido (RSF) e milícias árabes aliadas, de acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) visto pela Reuters nesta sexta-feira (19).
No documento enviado ao Conselho de Segurança da ONU, observadores independentes de sanções da organização atribuíram o número de vítimas em El Geneina a fontes de inteligência e o compararam com a estimativa da ONU de que cerca de 12 mil pessoas foram mortas em todo o Sudão desde que a guerra na região começou, em 15 de abril de 2023, entre o exército sudanês e as RSF.
Os observadores também descreveram como “credíveis” as acusações de que os Emirados Árabes Unidos forneceram apoio militar às RSF “várias vezes por semana” através de Amdjarass, no norte do Chade.
Um importante general sudanês acusou os Emirados Árabes Unidos em novembro de apoiar o esforço de guerra das Forças Paramilitares de Apoio Rápido.
Em carta aos observadores, os Emirados Árabes Unidos afirmaram que 122 voos entregaram ajuda humanitária a Amdjarass para auxiliar os sudaneses a fugir da guerra.
A ONU afirma que cerca de 500 mil pessoas fugiram do Sudão para o leste do Chade, várias centenas de quilômetros a sul de Amdjarass.
Entre abril e junho do ano passado, El Geneina sofreu “violência intensa”, escreveram os observadores, acusando as RSF e os aliados de terem como alvo a tribo étnica africana Masalit em ataques que “podem constituir crimes de guerra e crimes contra a humanidade”.
A RSF negou anteriormente as acusações e disse que qualquer um dos seus soldados envolvidos em casos assim enfrentaria justiça. As RSF não responderam a um pedido de comentário da Reuters.
“Os ataques foram planejados, coordenados e executados pelas RSF e pelas suas milícias árabes aliadas”, escreveram os observadores das sanções no seu relatório anual ao Conselho de Segurança, composto por 15 membros.
Jovens executados
A Reuters narrou durante 2023 a violência com fins étnicos cometida no oeste de Darfur.
Em centenas de entrevistas à Reuters, sobreviventes descreveram cenas horríveis de derramamento de sangue em El Geneina e na rota de 30 quilômetros entre a cidade e a fronteira com o Chade, enquanto as pessoas fugiam.
O relatório dos observadores incluiu relatos semelhantes. Disseram que entre 14 e 17 de junho, cerca de 12 mil pessoas fugiram a pé de El Geneina para Adre, no Chade. Os Masalit eram a maioria em El Geneina até que os ataques forçaram o seu êxodo em massa.
“Ao chegarem aos postos de controle das RSF, mulheres e homens foram separados, assediados, revistados, roubados e agredidos fisicamente. As RSF e as milícias aliadas atiraram indiscriminadamente nas pernas de centenas de pessoas para impedi-las de fugir”, destacaram os observadores.
“Os jovens foram particularmente visados e interrogados sobre a sua etnia. Se identificados como Masalit, muitos foram sumariamente executados com um tiro na cabeça. As mulheres foram agredidas física e sexualmente. Tiroteios indiscriminados também feriram e mataram mulheres e crianças”, segundo o relatório.
Todos que falaram com os observadores mencionaram “muitos cadáveres ao longo da estrada, incluindo mulheres, crianças e homens jovens”. Os observadores também relataram violência sexual “generalizada” relacionada com o conflito, cometida pelas RSF e pelas milícias aliadas.
Financiamento da guerra
Os observadores disseram que a tomada da maior parte de Darfur pelas RSF dependeu de três linhas de apoio:
- comunidades árabes aliadas;
- redes financeiras dinâmicas; e
- complexas e novas linhas de abastecimento militar que atravessam o Chade, a Líbia e o Sudão do Sul.
As missões da ONU no Chade, na Líbia e no Sudão do Sul não responderam imediatamente a um pedido de comentários.
“Redes financeiras complexas estabelecidas pelas RSF antes e durante a guerra as permitiram adquirir armas, pagar salários, financiar campanhas nos meios de comunicação, fazer lobby e comprar o apoio de outros grupos políticos e armados”, escreveram os monitores.
Eles acrescentam que as RSF utilizaram receitas provenientes de seu negócio de ouro antes da guerra para criar uma rede de até 50 empresas em diversos setores.
Desde o início da guerra, “a maior parte do ouro que anteriormente era exportado para os Emirados Árabes Unidos foi agora contrabandeado para o Egito”, indicaram.
O novo poder de fogo adquirido pelas RSF “teve um impacto enorme no equilíbrio de forças, tanto em Darfur como em outras regiões do Sudão”, concluiu o relatório.
As RSF obtiveram recentemente ganhos militares, assumindo o controle de Wad Madani, uma das principais cidades do Sudão, e consolidando o seu controle na região ocidental de Darfur.
Em dezembro, os Estados Unidos determinaram formalmente que as partes beligerantes no Sudão cometeram crimes de guerra e que as RSF e as milícias aliadas também cometeram crimes contra a humanidade e limpeza étnica.
A guerra deixou quase metade dos 49 milhões de habitantes do Sudão precisando de ajuda, enquanto mais de 7,5 milhões de pessoas fugiram das suas casas, tornando o país a maior crise de deslocados a nível mundial, com a fome aumentando.
Os deslocados são pessoas que saíram de suas casas pelos mesmos motivos de um refugiado, como guerra e insegurança, mas que não atravessaram fronteiras.
Os monitores das sanções destacaram ao Conselho de Segurança da ONU que “um excesso de vias de mediação, as posições entrincheiradas das partes em conflito e os interesses regionais concorrentes significavam que estes esforços de paz ainda não tinham conseguido parar a guerra, trazer uma solução política ou resolver a crise humanitária”.